27 de setembro de 2023
Mateus Quevedo e Gabrielle Sodré
Via Campesina
‘Que calor, não né?’, com certeza você deve ter ouvido ou até mesmo falado essa frase durante a última semana. Não é pra menos, uma onda de calor extremo no Brasil foi anunciada pela empresa meteorológica MetSul no início da semana passada e tem afetado diversos estados do país. As altas temperaturas em pleno inverno são resultados visíveis das mudanças climáticas.
Estas mudanças, junto ao combate à fome, têm sido uma preocupação constante do terceiro governo do presidente Lula. Em seu recente discurso na abertura da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, pontuou enfaticamente o combate à fome, às mudanças climáticas e à desigualdade no mundo. No Brasil, quase metade da riqueza do país (48,4%) está nas mãos de apenas 1% da população, e isto também aparece no campo brasileiro. O Brasil e o mundo urgem por mudanças.
Nesse contexto, organizações do campo apontam a necessidade de envolver diretamente as populações atingidas pelos eventos climáticos extremos na elaboração de estratégias de cooperação e medidas de sustentabilidade e mitigação das mudanças climáticas, populações que há tempos denunciam a abertura de novas áreas de atividade agrícola, a diminuição de territórios preservados, o avanço do desmatamento e a implantação de grandes obras em regiões essenciais para manutenção do clima, a exemplo da Amazônia e do Cerrado, como causas dos avanços das mudanças climáticas.
“A questão agrária e hídrica é a porta de entrada de conflitos por exemplo nas regiões de Cerrado, bioma que tem sido engolido pelo agronegócio e suas monoculturas. O modo como o capital se apropria dos territórios, e se aproveita da ausência de regularização fundiária no campo brasileiro, impacta diretamente nos altos índices de desmatamento e consequentemente no aumento das temperaturas e diminuição da biodiversidade”, aponta Cleidiane Barreto, jovem da região oeste da Bahia, organizada no Movimento dos Atingidos por Barragens, o MAB.
No panteão destas transformações necessárias, desde a transição energética, dos sistemas alimentares e do sistema financeiro, a juventude surge como uma força fundamental. Sem a sua participação ativa não será possível mudar estes problemas. E, mesmo que aparentemente tais questões não tenham solução, a juventude organizada em La Via Campesina (LVC) tem apresentado, no centro de seus movimentos, soluções para um mundo em ebulição.
“Os movimentos populares que defendem a agricultura camponesa já têm uma série de propostas e experiências que alinham a geração de renda no campo e a produção de alimentos saudáveis por meio de práticas agroecológicas que ajudam a esfriar o planeta, mas para isso precisamos ser ouvidos e estar nos espaços de decisão, a juventude precisa se apropriar disso para garantir que tenhamos novas vozes”, aponta a jovem Jucilene Xavier, organizada no Movimento dos Pequenos Agricultores, o MPA Brasil, no Sertão do Araripe de Pernambuco.
Recentemente, como uma das medidas emergenciais desenhadas por e para esse público, a Articulação de Jovens da LVC no Brasil apresentou, junto a demais organizações do Campo Unitário, uma série de medidas que garantem a permanência da juventude no campo. Segundo o Censo 2022, apresentado pelo IBGE, na última década mais de 1 milhão de jovens saíram do campo. “É um número significativo e que está proporcionalmente ligado à diminuição recorde das áreas plantadas de arroz, feijão e mandioca, e o aumento das áreas de soja no país”, aponta Jucilene.
“A permanência da juventude em seus territórios é fundamental na sua proteção, é urgente a regularização de territórios tradicionais, sejam de fundo e fecho de pasto, quilombolas e indígenas, que têm sido tão cobiçados pelo agronegócio. Na Via Campesina, afirmamos que são os povos que protegem o clima e o meio ambiente, é a juventude do campo, nós, povo organizado, que enfrentamos a devastação do capital”, conclui Cleidiane.
As Propostas da Juventude para o Campo nasceram da necessidade de medidas emergenciais para o combate à fome e a permanência da juventude no campo durante a pandemia de Covid-19. Em plena crise sanitária, o então governo Bolsonaro extinguiu o Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, a partir do decreto nº 10.473, de 24 de agosto daquele ano, que revogou outros 304 decretos assinados pela Presidência da República entre 1956 e 2019. As propostas foram uma resposta poderosa aos desmontes das políticas públicas voltadas à juventude camponesa.
“É imprescindível criarmos políticas estruturantes que possibilitem trabalho, renda e condições de permanecer e viver bem no campo, com dignidade e vida saudável, com condições para produzir alimentos, acesso à saúde, educação e cultura, mas também condições de inclusão digital e internet, possibilitando a geração de renda e melhoria na qualidade de vida”, aponta a proposta.
Com a volta do Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura Familiar (MDA), a reconstrução do Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural encontrou um novo compasso com uma oficina de atualização do plano, ocorrida entre os dias 11 e 13 de agosto deste ano, em Brasília. O PNJSR é construído a partir de cinco eixos temáticos: Terra e Território; Trabalho e Renda; Educação do Campo; Qualidade de Vida; e Participação, Comunicação e Democracia.
Segundo Eduarda Vasconcelos, que saiu do município de Barra de São Miguel da Paraíba para assumir a coordenação das políticas para a juventude rural no MDA, esta primeira oficina teve o objetivo de “levar esse espelho do que é esse plano, e a ideia é fazer uma segunda oficina pra gente já envolver os movimentos, mais os ministérios, para cada um trabalhar sua área dentro dos eixos, pra gente pode lançar esse plano que é tão importante, ele é o espelho dessa retomada e desse compromisso do Governo com a juventude do campo, das águas e das florestas”.
A juventude rural também é o público-alvo do Programa Nacional de Crédito Fundiário, o PNCF Jovem e também está incluída como prioridade no Plano Nacional de Reforma Agrária, com um crédito de instalação específico para a juventude, ambos anunciados por Eduarda.
Para garantir a efetivação e melhoria do Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural, a desburocratização do acesso às políticas públicas e garantir que todas as medidas apontadas nas Propostas da Juventude do Campo tenham recursos e condições de chegar em quem mais precisa, é que a juventude do campo, das águas e das florestas se prepara para o Acampamento Nacional da Juventude em Luta: por Terra e Soberania Popular, atividade que acontecerá em Brasília (DF), entre os dias 13 a 17 de outubro, e reunirá o conjunto da juventude camponesa dos movimentos que compõem a Via Campesina no Brasil.
“O objetivo do acampamento da via é a gente reunir esses jovens que estão nestas trincheiras de produção, de luta, que estão na beira rio, no extrativismo da floresta, no assentamento, na produção, reunir essa juventude que está em um êxodo, saindo do campo para a cidade em busca de novas condições”, apresenta Marlon Fragas, da juventude do Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra, o MST, no Rio Grande do Sul.
Além de articular jovens do Brasil inteiro, o acampamento também busca potencializar um espaço de diálogo com a sociedade. “Sem políticas públicas voltadas para a juventude do campo conseguir produzir alimentos saudáveis não vamos conseguir barrar o êxodo, por isso é importante apresentar a nossa proposta para o campo brasileiro e, inclusive, conseguir trazer mais jovens para os territórios camponeses”, conclui Marlon. Se o governo Lula está efetivamente preocupado com o combate à fome, às desigualdades e às mudanças climáticas deveria ouvir a juventude do campo, das águas e das florestas.
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