6 de maio de 2021
Vanessa Nicolav
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
Edição: Vinícius Segalla
Coleta de dados de agricultores, integrados a grandes plataformas digitais de distribuição e venda de alimentos, a serem controladas por grandes empresas de tecnologia.
A entrada de empresas como Amazon e Microsoft com seus serviços de big data já está acontecendo no campo. E seus efeitos, conforme afirmam pesquisadores, podem levar à uberização da economia agrícola. Além da concentração de poder sobre informação de grande parte dos recursos naturais do planeta.
“Todos essas empresas, de áreas distintas da cadeia do mercado alimentício, estão fazendo ações de coleta de dados, de como o agricultor trabalha, estão mapeando o solo, as plantas e tudo mais que eles puderem. O objetivo é ter o controle, do financiamento, da produção e da distribuição de alimentos no planeta”, afirma Sérgio Amadeu, sociólogo e pesquisador da Universidade Federal do ABC (UFABC) sobre redes digitais.
A expansão das gigantes da tecnologia pelo campo acontece por meio das antigas empresas de agro, Sygenta, Bayer e Basf, que possuem aplicativos com serviços informativos consumido por milhões de produtores de mundo.
Nesses aplicativos, informações sobre qualidade do solo, quantidade de água e forma de produção são inseridas diariamente. Juntos, esses dados se tornam informação privilegiada sobre a cadeira produtiva do campo e da localização precisa dos grande parte dos recursos naturais do planeta.
Um dos exemplos é o aplicativo Climate FieldView, desenvolvido pela Monsanto, hoje integrada à Bayer, conforme conta Larissa Packer, advogada popular ambiental que estuda o tema: “São 24 milhões de hectares, entre Estados Unidos, Canadá, Brasil, Argentina e Europa, integrados a esse aplicativo. Todo mundo postando dados sobre seu solo, quantidade de água, fertilidade, etc. E esses dados sendo processados pela Amazon”.
Segundo ela, há riscos muito grandes de a digitalização levar à captura dessas áreas para o monocultivo, o que coloca em risco a agroecologia.
“Quando o pequeno agricultor adere a um aplicativo para ter um receituário agrícola, ele adere a todo uma lógica do agronegócio, que vai utilizar milhares de hectares de pequenos e grandes, para inserção nos monocultivos”, explica Packer.
Além do fortalecimento das indústrias de sementes e agrotóxicos, parceiras das big techs, essas plataformas também são vistas como oportunidades pelo mercado financeiro.
“A Microsoft tem uma parceria com a Climate Edge, que é uma startup faz a corretagem dos dados. A partir das informações cedidas pela Microsoft, essa empresa vende serviços para seguradas, para a indústria do agrotóxicos, a indústria de sementes. Justamente para que se amplie a capacidade de venda e consumo”, afirma a advogada.
Os efeitos de tais conglomerados na cadeia produtiva já estão sendo sentidos. A tomada do mercado de alimentação do Quênia pela americana Goldman Sachs e a cadeia de supermercados francês Auchan é um exemplo recente, que deriva da experiência da expansão dessas plataformas no país.
Outro exemplo é o da Índia, onde camponeses realizaram das maiores greves da história recente, colocando milhões de pessoas nas ruas contra a expansão da atuação de empresas como Walmart no país. A multinacional concentra atualmente cerca de dois terços do mercado varejista da nação.
Segundo Sérgio Amadeu, a atuação das big techs no mercado da alimentação é a nova fronteira do capitalismo digital. E vai levar para uma precarização do trabalho e degradação do meio ambiente, assim como já tem acontecido com os outras plataformas para o mundo do entretenimento e transporte:
“Eles num primeiro momento se colocam como neutros e em seguida começam a criar uma cadeia específica de agrotóxicos e começam a eliminar o intermediário e concentrar nos seus sistemas logaritmizados. Eles mudam a cara do negócio, concentram renda, tiram renda do local, e levam para suas matrizes.”
Para Amadeu, é importante regular a entrada e atuação dessas empresas fora de seus país. “É preciso pensar um marco regulatório dessas empresas no campo. Porque elas vão obter informações estratégicas e levar para fora do país. É preciso criar limites de transferência de dados sobre nosso solo, nossa agricultura”, afirma.
Para além das multinacionais, alternativas de uso de tecnologia por agricultores existem. Um dos exemplos é a InfoCesta, organizada pelo Movimento dos Pequenos Agricultores no Rio de Janeiro e o Armazém do Campo, que realiza venda online de produtos de assentamentos e acampamentos ligados ao MST.
“Nós temos uma conversa muito importante nesse momento de pandemia, para aprofundar um pouco mais, porque alimentação é um ato político. Porque todo dia você pode comprar determinados produtos você está financiando um sistema de produção e não outro”, alerta Packer.
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