23 de agosto de 2017
“É o que se poderia chamar, com a licença do autor, de contínuo empoderamento indispensável à transição humana de um povo objeto para um povo sujeito de direitos” escreve Jacques Távora Alfonsin, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos, sobre o livro “Trincheira da resistência camponesa”.
Frei Sergio Antonio Goergen lançou, em noite de autógrafos de 17 deste agosto, na sede do Sindicato dos bancários em Porto Alegre, mais um dos seus livros sobre a vida e a resistência do povo pobre e trabalhador do meio rural brasileiro, com quem ele convive há mais de 35 anos, prestando-lhe assessoria diária contra toda a poderosa exclusão que o chamado agronegócio procura oprimi-lo, reprimi-lo e excluí-lo.
O seu livro “Trincheira da resistência camponesa” tem por subtítulo “Sob o pacto de poder do agronegócio” (Candiota.RS: Instituto Cultural Padre Josimo, 2017), nisso residindo, quem sabe, a principal desmitificação desse tipo de economia levada ao meio rural do Brasil nas últimas décadas, promotoras de agressão e esbulho da terra e da gente da terra, apoiada com entusiasmo ideológico e midiático com poder suficiente para ocultar o real propósito de transformá-la em reles fonte garante de exploração financeira.
De acordo com suas próprias palavras: “O agronegócio é, portanto, mais do que uma “grife” ou uma “marca”: é um Pacto de Poder. Este pacto de poder significa uma nova conformação da agropecuária da agrosilvicultura no Brasil. É um projeto unificado, sob o comando do capital financeiro e de suas redes de investidores, que transformam alimentos, fibras e matérias primas industriais provindas do campo e produtos industriais provenientes destas matérias primas (alimentação, carnes, energia líquida, medicamentos, óleos, rações, celulose, madeira, princípios ativos, sementes, mudas, etc.) em ativos financeiros e os mercantiliza mundo afora em bolsas de valores”. (página 11). Pouco agro para muito negócio como ele adverte mais tarde.
Apoiado em muitas outras lições de intelectuais e militantes de defesa dos direitos humanos dos camponeses à terra, como Guilherme Costa Delgado, Otávio Ianni, Evanir José Albarello, Horacio Martins de Carvalho, João Batista Libânio, Eduardo Sevilha Gusman, Raul Ristow Kauser, Marcelo Leal, Caio Prado Junior, Ênio Guterres, Leandro Noronha de Freitas, até Albert Eisntein, Jesus de Nazaré e o Papa Francisco, entre outras/os, o livro faz um apanhado histórico fiel do agro brasileiro nas últimas décadas, do permanente e desproporcional confronto entre o poder do agronegócio e a perseverante resistência do camponês organizado.
O Frei desce a detalhes desse confronto, chegando a elencar as frequentes mentiras com que se tenta, pela mídia e outros meios, desmoralizar e criminalizar as manifestações públicas, os protestos políticos dos movimentos populares, particularmente do MST, do MAB e do MPA em defesa de direitos abrigados constitucionalmente pela implementação da reforma agrária, da proteção e defesa do meio ambiente.
É o que se poderia chamar, com a licença do autor, de contínuo empoderamento indispensável à transição humana de um povo objeto para um povo sujeito de direitos. Ele mesmo adverte que a sua preocupação maior é passar às/aos suas/seus leitoras uma visão compreensiva da grande diferença agronômica econômica, política e ambiental dependente do modo como se tem tratado a terra, no Brasil, quando submetida às conveniências do capital financeiro e latifundiário, se for comparada com os métodos de profundo respeito ao meio-ambiente ecologicamente equilibrado e a uma economia solidária capaz de universalizar o direito à segurança e soberania alimentares.
Diferentemente da abordagem academicista, o estudo conta histórias, algumas até vividas e assinadas inclusive por protagonistas companheiras/os do autor, levando as/os leitoras/es a ver o Frei presente com as mãos no arado, na pá na enxada, seja ao rigor da seca, do sol e da chuva, tratando a terra com carinho como o dedicado à mãe, seja no entrevero frequente com as forças públicas e privadas da repressão a serviço do poder econômico e latifundiário.
Desde macro problemas como as causas inspiradoras da revolução verde, da desertificação, do Código Florestal, até detalhes relacionados com o plantio do soja, do fumo, das sementes crioulas, das dificuldades enfrentadas pelos camponeses que vivem da compra e venda do leite, do que é indispensável à mecanização no campo, ao não desperdício ou até desvio dos recursos públicos destinados à agricultura. Mineração, energia, água, crédito e seguro agrícola, dívidas camponesas, enfim, nada escapa à crítica do autor, mas com um rigor cuidadoso de se basear em fatos comprovados de onde houve virtude a ser imitada e defeito a ser evitado, inclusive na abordagem muito atual dos efeitos que a crise sistêmica de representação e reforma política influi diretamente sobre a questão agrária.
Onde o livro, talvez, demonstra a necessidade e urgência de ser lido por todas/os, com a maior atenção, é no capítulo dedicado à força mística da esperança camponesa, no qual a fé, a espiritualidade, o franciscanismo do autor se mostram extraordinariamente fortes e ela está viva, dedicada ao povo camponês e pobre em companhia de quem ele vive, convive, pode até cair mas nunca deixa de se levantar de novo:
“Os Movimentos Camponeses em luta são os alicerces deste novo tempo. Nada será dado, tudo será conquistado. Num mundo onde a natureza e a vida estão ameaçadas em suas raízes, os camponeses e a vida camponesa passam a ter um novo papel civilizatório. Constituem-se no único sujeito coletivo da humanidade com história, tradição e conhecimento para produzir alimentos saudáveis e limpos, e ao mesmo tempo cuidar e preservar a mãe natureza.” {…} “Por isto, a convicção sempre maior: a esperança camponesa derrotará, na luta dura e árdua, o latifúndio e o agronegócio, o modelo agrícola das corporações transnacionais.
E do ventre da terra renascerão todas as formas de vida e as condições necessárias para uma vida feliz e harmoniosa da raça humana.” (páginas 566-567).
Assim seja, Frei Sergio.
Por Instituto Humanitas Unisinos – IHU
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