13 de janeiro de 2020
Esta é a segunda matéria de uma série produzida pelo Coletivo de Comunicação do MPA no RS, abordando os efeitos da estiagem que está atingindo o estado. Siga acompanhando através do site do movimento, mídias sociais e parceiros. O primeiro texto aborda os efeitos na cultura do milho e está disponível AQUI!
A severa estiagem que vem atingindo o Rio Grande do Sul – algumas regiões do estado estão com baixa precipitação desde o início de novembro – vem alertando diferentes segmentos para a escassez de gêneros alimentícios importantes para o autoconsumo das famílias camponesas e também para as populações urbanas. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) está reforçando seu alerta junto às autoridades para que não se espere mais tempo para colocar em prática políticas emergenciais de suporte aos pequenos produtores atingidos, especialmente àqueles que tem nas culturas afetadas o principal meio de sustento de suas famílias.
Rosiele Ludke, dirigente do movimento e camponesa que integra o coletivo de produção agroecológica “Flor(e)Ser Agroecológico”, no município de Paraíso do Sul, faz um relato da situação: “Ficamos um bom tempo sem chuva nenhuma e quando ela veio foi desigual, alguns lugares com boa precipitação e outros com praticamente nada”. A respeito dos camponeses que se dedicam à produção de itens que tradicionalmente são vendidos diretamente aos consumidores nas feiras agroecológicas, a leitura de Ludke é pontual: “Quem tem possibilidade de usar irrigação – e é sempre bom deixar claro que esse tipo de recurso faz aumentar o custo da produção – está conseguindo manter, mas quem não tem está perdendo tudo, isso já deve ser notado pelos consumidores nas feiras desta e da próxima semana”.
Se confirmadas as previsões que apontam para manutenção da estiagem entrando fevereiro, mesmo os cultivos irrigados vão ser atingidos. “Água de beber já está faltando para muita gente e isso vai se agravando diariamente”, aponta a camponesa, explicando que não tardará a faltar água também para manter o ritmo de irrigação necessário aos cultivos, uma vez que os reservatórios estão ficando com volume muito baixo também. “Verduras, legumes e frutas vão escassear nas bancas, feiras e mercados, obrigando os comerciantes a comprar mais produtos vindos de longe, que são mais caros e normalmente são produzidos utilizando adubos e venenos químicos altamente nocivos para a saúde”, explica ela.
Vanderléia Chittó, a Léia, relata a situação dos municípios do vale do Taquari, de modo especial, em Gramado Xavier – RS, onde relata a falta de água para consumo humano e a perda quase total da produção de subsistência, hortaliças, frutas, feijão. De acordo com Léia “muitas famílias aqui já dependem de ‘caminhão pipa’, a situação é desoladora”.
Vai faltar feijão
Uma cultura em especial está sofrendo muito com a seca no RS: o feijão. Alimento tradicional na mesa do brasileiro, já está sendo notado um viés de alta nos preços pela anunciada queda na produção devido os efeitos da estiagem. Produtores ligados à base do MPA relatam que há duas semanas a saca era vendida ao valor de R$ 120,00 e agora já há relatos de ofertas de R$ 200,00 a saca. “É uma pena que um produto tão importante só esteja sendo valorizado em uma situação como essa, de seca, de perda de produção”, aponta Frei Sérgio Görgen.
O feijão, conforme aponta o MPA, já teve uma perda de área de produção a partir da alta do dólar, que levou muitos produtores a abandonar a cultura e apostar no soja. “Agora, com os efeitos da estiagem, ao que tudo indica, poderemos em breve notar a falta do produto em prateleiras e, em consequência, na mesa do trabalhador”, explica. Outro alerta é sinalizado pelo dirigente camponês, uma vez que é tradição na agricultura de pequeno porte que a família produtora primeiro garanta o alimento de sua subsistência e, no caso do feijão, nem o autoconsumo está garantido.
Segundo as estimativas divulgadas pela Emater, as perdas na cultura do feijão já teriam atingido 35%. Os camponeses e camponesas da base do MPA relatam uma situação diferente e muito mais alarmante: “Já se pode falar de uma média de 50% de perdas, sendo que em muitas unidades produtivas a perda foi total”, arremata Görgen.
A mesma impressão tem o camponês Leomar Fiúza, guardião de sementes em Arroio do Tigre, que aponta quebra de 50% da produção na maior parte dos produtores da base do movimento. Para ele, uma saída voltada a subsistência seria a safrinha, cujo plantio ainda está por ser encaminhado, com data limite prevista para 20 de janeiro. “Aqui nós tivemos chuva essa semana, o que dá indicativo de que conseguiríamos plantar a safrinha, mas sabemos que é uma situação que não se repete no estado inteiro e a maior parte da base do movimento está sem chuva há mais de 60 dias”, relata. Mas de nada adianta a chuva que caiu em Arroio do Tigre, pois, segundo ele “tem agricultores que não tem feijão para colocar na panela, muito menos semente pra plantar”.
Segue a seca, agravando-se a cada dia. E segue o silêncio das instâncias dos governos estadual e federal que deveriam estar agindo junto aos pequenos para evitar danos maiores.
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