A ação emergencial Sementes de Solidariedade, desenvolvida por movimentos sociais, populares e pastorais e que tem forte protagonismo do MPA e de cooperativas vinculadas ao movimento, em socorro aos pequenos agricultores de matriz camponesa e familiar atingidos pelas enchentes e deslizamentos resultantes das chuvas de abril e maio de 2024 no Rio Grande do Sul (RS), realizou um encontro de prestação de contas na segunda-feira (25) no convento franciscano São Boaventura, em Imigrante (RS). Representantes da maior parte das 23 organizações que compõem o coletivo da missão estiveram presentes, juntamente com voluntários e voluntárias e também representantes dos atingidos e atingidas para celebrar os resultados alcançados e avaliar até onde ainda será possível chegar.
“Foi um encontro construtivo, de avaliar o que se fez na Missão Sementes da Solidariedade e projetar a continuidade”, aponta Frei Sérgio Görgen, integrante da direção nacional do MPA e um dos mobilizadores da Missão. “Não se supera um desastre climático deste tamanho em pouco tempo, agora é hora de ações estruturantes de médio e longo prazo”, completa.
A Missão Sementes de Solidariedade conseguiu auxiliar 5.162 famílias em 278 comunidades atingidas, localizadas em 77 municípios. Foram realizadas as doações de kits para a retomada da produção de subsistência (produção de alimentos para a família, animais e trocas ou comercialização do excedente) contendo sementes de milho, feijão e hortaliças, ramas de mandioca, bem como mudas de árvores (frutíferas e nativas) e batata-doce, entre outros itens. Imagens das roças replantadas depois da tragédia com as sementes compartilhadas pela Missão têm sido compartilhadas quase todos os dias entre os participantes.
“A dor da Mãe Terra e de quem nela habita nos chama à conversão ecológica, para que tenhamos um lugar mais seguro e habitável, bom de se viver”, afirma Jacira Ruiz, secretária Executiva da Cárita-RS. “A Missão Sementes de Solidariedade nasceu como uma campanha e está se tornando um movimento. Para quem participa dela, a experiência se torna um divisor na vida porque a realidade vista, vivida e ouvida penetra na consciência e no coração de todos”.
Ao todo foram arrecadados pela campanha, valores superiores a R$ 1,2 milhão, através de doações recebidas de praticamente todo o território nacional e até do exterior. Além dos custos operacionais, os valores arrecadados viabilizaram a destinação de 59.318 kg de sementes de milho, 16.140 kg de sementes de feijão, 37.331 sachês de sementes de hortaliças, 4.800 kg de sementes de arroz, 3.563 feixes de ramas de mandioca, 33.031 mudas de árvores nativas, 18.818 mudas de árvores frutíferas, 2.953 mudas de batata-doce.
Para Maurício Queiroz, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Missão “tem sido fundamental no apoio as famílias camponesas atingidas pelas tragédias climáticas, este encontro de hoje, foi momento especial para avaliarmos caminhada até aqui e planejarmos as próximas ações”. Queiroz destacou o ânimo elevado para seguir a atuação de forma continuada: “Importante destacar que a equipe de voluntários e voluntárias, está com muita esperança e energia para seguir em frente a Missão, que deve ser permanente”.
“Nossos voluntários passaram pelos territórios atingidos no Vale do Taquari, Rio Pardo e Jacuí, mais Região Norte. Também foram beneficiadas comunidades quilombolas e indígenas em todo o RS, abrangendo as etnias Kaingang e Mbya Guarani”, apontou Frei Sérgio, explicando que ainda foram realizadas outras ações em paralelo à Missão que garantiram ainda doações de sementes e mudas para indígenas Kaingang, Terenas, Mbya Guarani e Guarani Kayowá de alguns território de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul.
Alunos e atingidos deixam seus testemunhos
A Missão Sementes de Solidariedade centrou a maior parte das suas atividades em ações diretamente relacionadas com as famílias de pequenos agricultores de matriz camponesa e familiar atingidas pelas enchentes e deslizamentos, mas reverberou outras ações no entorno social da tragédia socioambiental que se abateu sobre o estado. Uma mostra disso foi o trabalhoeco pedagógico desenvolvido na Escola Estadual de Ensino Médio de Capitão, no Vale do Taquari. Um grupo de professoras e alunos participaram da atividade para deixar seu testemunho.
Manuela Salton, de 16 anos, foi a porta-voz do grupo para agradecer aos voluntários que foram até a escola e levaram as sementes crioulas e mudas compartilhadas no projeto: “Aprendemos sobre os benefícios para a saúde, que semente boa é a semente sem veneno”. No mesmo sentido o jovem Lucas Maders, 15 anos, lembrou da palestra que receberam como motivação antes da partilha das sementes e relatou o que pretende fazer depois de colher: “Vamos utilizar na nossa alimentação uma parte, e quero também guardar outra parte de sementes para no ano que vem compartilhar na escola e na comunidade.
Kauane Ritt, 16 anos, contou que ao chegar em casa com as sementes e mudas recebidas na escola, teve boa acolhida do pai, que se prontificou a plantar e ainda complementou a explicação que recebeu na escola, contando sobre a importância de se produzir alimentos sem utilizar veneno. Já Riquelme Giareta, 16 anos, mostrou-se orgulhoso, relatando o caso do milho crioulo que ele mesmo plantou e cuidou de forma agroecológica, comparando com o milho transgênico plantado nas proximidades e manejado com químicos: “O meu milho está melhor, maior, mais bonito que o outro”.
Representantes das famílias visitadas pelos voluntários e voluntárias da Missão e depois receberam os kits para retomada da produção deixaram seus relatos atualizando o momento atual, onde as sementes recebidas e plantadas nos novos roçados já estão prestes a chegar no momento da primeira colheita.
Arlete da Rosa, da localidade de Maravalha, Cruzeiro do Sul, contou que pouco conhecia dos movimentos que fazem parte dessa Missão, foi justamente com a atuação dos voluntários e voluntárias que passou a conhecer. “Receber essas sementes foi muito bom, a mandioca que plantamos já nasceu e está vindo bem, o milho também está bonito, todas as sementes já estão produzindo”, contou. Explicou que a chegada da Missão levou mais do que sementes para os atingidos e atingidas: “A gente se sente agradecidos de ter alguém para nos doar esperança. As sementes e as mudas que recebemos é isso: esperança”.
Dona Sandra Maia, de Travessão Mariante, Venâncio Aires, também agradeceu a todos e todas que participam da ação e deixou como exemplo o plantio do milho recebido na partilha: “Quando recebemos as sementes em mudas já plantamos tudo em seguida, hoje estamos começando a colher o milho verde, servindo tanto para a alimentação da família, quanto para comercializar e agregar renda”.
No final da atividade, os participantes realizaram um momento de espiritualidade no jardim do convento e receberam mudas de flores, como forma de gratidão pelo seu envolvimento na ação. Segundo os organizadores, todos foram convocados a manter ativa a mobilização, garantindo que a Missão Sementes de Solidariedade passe a ter caráter permanente. Nos meses de dezembro e janeiro está previsto retorno aos territórios atingidos para seguir com o trabalho de mobilização.
A diretora do Brasil de Fato RS, Saraí Brixner, participou da atividade e afirmou que durante os meses de dezembro e janeiro o jornal vai produzir uma edição especial, que vai circular em modo virtual e também impresso, no começo de 2025.
Campanha segue recebendo doações
Além da Cáritas, Instituto Cultural Padre Josimo, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), e Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Missão Sementes de Solidariedade conta ainda com a participação de organizações, movimentos e cooperativas como: Movimento dos Atingidos e das Atingidas por Barragens (MAB), Diocese de Santa Cruz do Sul, Rede de Agroecologia Ecovida, Articulação pela Economia de Francisco e Clara, Gritos dos Excluídos, Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Instituto Koinós, Freis Franciscanos (Serviço Justiça Paz e Integridade da Criação), Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras), Sindicato dos Petroleiros (Sindipetro-RS), Canoas Tec, Movimento dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Sem Teto (MTST), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Eletrobras. Também fazem parte da missão as cooperativas Certel, Cooperbio, Origem Camponesa, Coptil e Creluz.
Com a opção de seguir em estado de mobilização permanente, as organizações que integram a Missão informaram que as ações de arrecadação de fundos e de doações seguirá aberta. Doações podem ser encaminhadas para o PIX da Cáritas, com a chave: 33654419.0010-07 (CNPJ). Outra possibilidade de colaboração se dá por meio de depósito bancário para a Conta Corrente: 55.450-2 / Agência 1248-3 (Banco do Brasil). Os recursos financeiros seguem sendo diretamente administrados pelo escritório regional da Cáritas no Rio Grande do Sul e sendo objeto de prestações de contas continuadas. Doações de sementes, insumos e outros itens podem ser encaminhadas através das organizações que participam da Missão.