31 de janeiro de 2023
Redação Brasil de Fato RS*
Na última quinta-feira (26) foi realizada mais uma rodada de conversas com a pauta da seca que está colocando os agricultores familiares e camponeses do RS em situação de desespero. Até o momento 215 municípios noticiaram declaração de Situação de Emergência no RS, sendo que 92 já tem situação homologada pelo estado e 72 pela União.
Este é o terceiro período consecutivo em que estiagens prolongadas castigam o Sul do país. Conforme dados da Defesa Civil do RS, as situações de estresse hídrico severo foram registradas no mesmo período entre os anos de 2020/21 e 2021/22, rescindindo agora em 2022/23.
A assessoria de comunicação da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar do RS (Fetraf-RS) repassou relato de atividade realizada em conjunto com a União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (Unicafes-RS), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) em duas agendas em Porto Alegre, tratando das reivindicações dos atingidos pela estiagem.
A primeira atividade foi realizada no início da tarde e se deu de forma híbrida, com o secretário da Agricultura Familiar e Cooperativismo, Vanderlei Ziguer, e o secretário do Abastecimento e Segurança Alimentar, Milton Fornazieri, ambos do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDAAF) e com o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto.
Na reunião, Edegar Pretto expôs que há dificuldade em atender a demanda dos agricultores, pois a Conab não dispõem de estoque de milho suficiente e, em decorrência do período de entressafra e da baixa disponibilidade do grão no estado, haverá dificuldade em disponibilizar milho a preço acessível e em quantidade suficiente para os agricultores.
As entidades manifestaram a importância da liberação do milho com preço subsidiado para alimentação dos animais, visto que as silagens colhidas foram de péssima qualidade e as pastagens não têm se desenvolvido, obrigando os agricultores a complementar a dieta dos animais, o que tem sido uma dificuldade dado que a produção de milho em grão foi severamente atingida. O presidente da Conab colocou ainda que há compromisso da companhia em ajudar os agricultores e que não medirá esforços para atender as demandas.
O secretário da Agricultura Familiar, Vanderlei Ziguer, informou que o governo já tem informações sobre o impacto orçamentário para implementação do crédito emergencial, porém o orçamento do Ministério não comporta tal medida em decorrência do alto custo pago ao sistema financeiro para operacionalizar a proposta e que, portanto, é necessário fazer um estudo a fim de encontrar alternativas para diminuir os custos de operacionalização. As entidades devem avaliar nos próximos dias as alternativas frente a esta dificuldade, propor ao governo uma ação viável e que atenda as necessidades dos agricultores. Um grupo de trabalho deve ser criado com as entidades e Ministérios afins para tratar das demais reivindicações.
Os dirigentes também se reuniram de forma presencial com o presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, Valdeci Oliveira, e com um conjunto de deputados estaduais, bem como com o deputado federal Elvino Bohn Gass. Foram apresentadas as dificuldades dos agricultores e a pauta de reivindicações em decorrência da estiagem.
Valdeci agradeceu a presença e manifestou a importância do trabalho das entidades para auxiliar os agricultores. Também demonstrou preocupação com a situação e disse que a Assembleia está acompanhando o tema, que apresentaria as demandas das entidades ao secretário da Casa Civil, Arthur Lemos, em reunião prevista para o dia seguinte. Nas palavras do presidente da AL-RS, os deputados devem seguir cobrando o governo a fim de agilizar a liberação de medidas de socorro à agricultura familiar e camponesa.
O coordenador geral da Fetraf-RS, Douglas Cenci, avaliou como positiva as reuniões e acredita que através do diálogo será possível encontrar caminhos para auxiliar os agricultores de forma imediata e através da construção de políticas estruturantes minimizar os impactos das recorrentes estiagens que assolam o estado. Cenci destacou ainda que o gesto do presidente da Assembleia em receber os representantes da agricultura familiar gaúcha demonstra o compromisso e a solidariedade dos parlamentares diante da dramática situação enfrentada pelos agricultores e que as entidades vão continuar trabalhando e precisando o governo.
Representantes do MST e do MPA destacam que os espaços de diálogo têm demonstrado boa vontade dos envolvidos, mas que medidas concretas estão demorando muito para serem efetivadas, o que leva as famílias de pequenos agricultores e assentados da reforma agrária no estado a situação desesperadora.
“O que é importante entender: a seca é muito grave no RS. O governo estadual, de forma muito hábil se antecipou as nossas iniciativas e montou um Fórum sobre a Estiagem, envolvendo as entidades dos movimentos e representações patronais”, explica Adalberto Martins, dirigente do MST. Para ele essa antecipação traz uma aparência de que algo está sendo feito, mas de efetivo até o momento somente a liberação de recurso do SOS Estiagem (R$ 1 mil por família) para 65 mil famílias atingidas pela seca passada, mesmo assim excluindo muita gente por conta dos critérios do programa.
O dirigente alerta ainda que a estiagem poderá servir de argumento para flexibilizar o licenciamento ambiental em áreas de preservação permanente para implantação de barragens em benefício da agricultura de grande extensão, deixando as demandas da agricultura familiar e camponesa apenas para as ações do governo federal.
“Do ponto de vista federal estamos com muita dificuldade: não há milho na Conab”, afirmou Martins, explicando que os estoques atuais estão estimados em 6 mil toneladas e a demanda é de 100 mil. “Então como fazer para alimentar os animais neste período de seca?”, questiona.
Outro ponto destacado pelo dirigente diz respeito ao repasse de cestas básicas, iniciativa que depende de órgãos de governo proceder a compra e o repasse vinculado ao decreto e homologação da situação de Emergência por parte dos municípios: “Mas em alguns municípios os prefeitos e vereadores não querem decretar, pois os representantes do agronegócio temem que a reincidência da seca leve o sistema bancário a mudar o zoneamento agrícola e dificultar a liberação de crédito para cultivos”, complementa.
Já sobre o crédito emergencial, Martins afirma que há boa vontade no Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, mas que essa ação depende do Ministério da Fazenda. A informação é que o alto custo imposto pelo sistema financeiro para as operações de crédito emergencial com longo prazo dificultam essa liberação.
“Primeiramente precisamos reconhecer que depois de quatro anos sem nenhum tipo de diálogo junto a gestão anterior do governo federal, a nova estrutura administrativa implantada pelo presidente Lula está ouvindo os pequenos agricultores e os movimentos sociais ligados ao campo que os representam”, aponta Miquéli Schiavon, dirigente do MPA. “Desde o início do ano nós viemos monitorando esse tema da seca, é uma situação que se agrava ainda mais pela reincidência do estresse hídrico que em alguns lugares se dá há três anos, em outros há quatro anos”, aponta.
Para a organização representada por Schiavon, as ações emergenciais são necessárias e os pequenos não têm mais muito tempo para aguardar, pois a situação é gravíssima, colocando em risco até mesmo a manutenção das famílias junto ao campo. “A cada ano a situação vem piorando, precisamos de ações emergenciais imediatas e de ações planejadas de médio e longo prazo também”, acrescentou.
Quanto à pauta de reivindicações, o dirigente do MPA aponta a necessidade imediata de um cartão-estiagem, de crédito emergencial desburocratizado e de fomento. Embora até o momento não se tenha comentado publicamente a possibilidade de manifestações, o dirigente explica que embora os esforços estejam sendo através do diálogo, ações públicas não estão descartadas.
Além das ações emergenciais, Schiavon destaca que é preciso efetivar ações de médio e longo prazo, citando como exemplo a questão da convivência com os períodos de estiagem, a recuperação de áreas degradadas e a manutenção e recuperação de fontes e nascentes.
“Precisamos estar atentos até mesmo a questão do desmatamento da Amazônia”, alerta o dirigente, relembrando que os ciclos de chuva que chegam até o Sul estão relacionados diretamente com o território amazônico e as correntes de deslocamento denominadas “rios aéreos”. “Essa seca é consequência do avanço desenfreado do agronegócio que devasta a natureza e da super homogeneização da agricultura no Rio Grande do Sul e no Brasil”, denuncia.
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