13 de junho de 2022
Guilherme Weimann
Sindipetro Unificado | São Paulo (SP)
No dia 30 de maio deste ano, o presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou existir risco de desabastecimento de óleo diesel, o que poderia levar à implantação de um racionamento do combustível no país. Alguns dias antes, a própria Petrobrás já havia enviado um ofício ao Ministério de Minas e Energia (MME) alertando sobre a possibilidade de o óleo faltar no mercado nacional.
A Petrobrás e o governo federal têm na ponta da língua a explicação para o risco iminente: redução das exportações russas do produto (resultado da guerra com a Ucrânia e das sanções impostas ao país), aumento da demanda internacional pelo combustível e queda da oferta advinda dos Estados Unidos e países do Caribe, em virtude da temporada de furacões e tempestades na região.
Quer dizer: de acordo com o entendimento da petroleira e do Planalto, se faltar diesel no Brasil, não será por culpa do governo nem da Petrobrás.
Já de acordo com especialistas do setor, documentos e estudos produzidos por entidades federais e os números da produção de diesel no país nos últimos anos, o risco de desabastecimento tem relação direta com políticas postas em prática pelas autoridades brasileiras e com a desmoralização da Petrobrás gerada pela atuação de procuradores da Operação Lava Jato.
Mais do que isso: trata-se de uma tragédia anunciada não é de hoje, mas sim desde quando fatores sazonais ou a guerra na Ucrânia sequer podiam ser previstos. Entenda, abaixo, o porquê.
No dia 5 de agosto de 2021, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou relatório (amplamente divulgado na imprensa) em que afirmava com todas as letras: a venda de refinarias da Petrobras levaria ao risco de desabastecimento de combustíveis, em especial o óleo diesel.
Na ocasião, o órgão de controle explicou que, conforme divulgado no Plano de Negócios e Gestão da Petrobrás para o horizonte 2017-2021 (PNG 2017- 2021), em 2016, a companhia havia adotado novo posicionamento estratégico a partir do qual passou a perseguir a maximização de margens na cadeia de valor do petróleo (lucro dos acionistas), assumindo novo papel na política energética nacional – que rompeu com o modelo anterior de atuação da estatal.
Desde então, a empresa tem priorizado a exploração e produção do petróleo do pré-sal em detrimento de novos investimentos em refino, distribuição, gás, eletricidade e fertilizantes. Para essas atividades, a estatal passou a buscar redução de risco por meio de desinvestimentos (privatizações) e parcerias.
Como resultado de tal política, a produção brasileira de diesel imediatamente passou a apresentar queda. De acordo com dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP), em 2016, o Brasil produziu 45,36 milhões de metros cúbicos do combustível. Em 2019, houve uma redução, fechando o ano em 40,99 milhões. Já em 2021, a produção ficou em 47,67 milhões.
No mesmo período, o país passou de uma importação de 7,4 milhões de metros cúbicos (2016) para 12,9 milhões (2019) e 14,43 milhões (2021), nada menos do que um aumento de 95% em cinco anos.
Com isso, o percentual do diesel vendido no país com origem estrangeira foi de 23,24% em 2021, o segundo maior percentual da série histórica, iniciada em 2000, e inferior somente ao registrado em 2017 (23,65%).
Assim, se o país enfrenta, hoje em dia, risco iminente de desabastecimento de óleo diesel, tal cenário tem causa direta na política de desinvestimento da Petrobrás na área de refino, que aumentou a exposição do mercado interno a conjunturas internacionais e flutuações de preço e produção.
O próprio presidente da República admite que a queda de refino no Brasil está levando ao risco de desabastecimento. No dia 28 de maio, ele disse, em um programa de televisão: “Nós precisamos de refino. Se o mundo subir muito o preço dos combustíveis, não destilar lá fora, não refinar, pode faltar, não só para nós, para o mundo todo. Temos que importar gasolina e diesel porque não temos capacidade de refino”.
Só se esqueceu de dizer que, se o refino é insuficiente no país, é diretamente por causa das políticas implementadas em seu governo.
Conforme explica o economista e professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC), Giorgio Romano, as escolhas recentes do Brasil e da Petrobrás geram um quadro de difícil saída para o país.
“Como expandir (como agora Bolsonaro admite ser necessário) a capacidade de refino? Para comprar uma refinaria já pronta há interessados, mas para construir, algo de longo prazo, sem a participação da Petrobrás, do Estado, é muito difícil. Abrir mão da Petrobrás, vender as refinarias existentes é planejar uma dependência futura”, afirma o especialista.
Ele explica ainda que, mesmo que existam investidores privados interessados em adquirir refinarias no Brasil, a simples negociação desses ativos não pode alterar por si só o quadro atual, “porque é improvável que os compradores venham a expandi-las. Eles têm interesse na previsibilidade dos preços e na margem de lucro garantidos, não querem preocupação com questões sociais e impacto dos preços.”
O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), localizado no município de Itaboraí, na região metropolitana da capital fluminense, é tido como um dos maiores empreendimentos da Petrobrás no setor de refino de petróleo, gás natural e derivados.
Quando teve suas obras iniciadas no governo Lula, em 2008, o Comperj previa uma refinaria com capacidade para processar 150 mil barris de petróleo por dia, cercada por fábricas de produtos químicos.
Tudo começou a mudar quando teve início a Operação Lava Jato (2013), criada para combater a corrupção que teria existido dentro da empresa, a fim de otimizar sua produção e resultados financeiros.
Ocorreu, porém, que a exposição da companhia a passivos jurídicos em outros países (gerada pela parceria entre os procuradores brasileiros e credores e autoridades persecutórias internacionais) gerou uma fuga de investimentos da empresa. Em decorrência disso, as obras da refinaria foram paralisadas em 2015.
As empresas do consórcio construtor da unidade, formado pelas empresas Queiroz Galvão, Iesa Óleo e Gás e Tecna – as duas primeiras investigadas pela Lava Jato – tentaram na época uma renegociação do contrato, mas não houve acordo com a Petrobrás. O resultado foi a demissão de mais de 800 trabalhadores.
No governo Michel Temer (2018), a estatal chegou a tentar retomar o projeto original, buscando parceria com a empresa chinesa CNPC, mas o plano foi abandonado em 2019, já no governo Bolsonaro, sob a justificativa de que o negócio não teria viabilidade econômica.
Então, ainda no mesmo ano, a empresa anunciou que pretendia converter parte das instalações onde seria refinado o petróleo em uma fábrica de lubrificantes. O sonho do refino de 150 mil barris por dia foi abandonado.
Destino semelhante tiveram outras refinarias e seus planos de investimentos, tolhidos no bojo da operação que deveria servir para aumentar a lucratividade e o valor da Petrobrás, mas que acabou por deixar a empresa e o país mais dependentes da produção internacional.
Um dos casos mais marcantes é o da refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Suape (PE), cujas obras tiveram início em 2005. É a primeira refinaria inteiramente construída com tecnologia nacional. Em 2014, com parte das obras concluídas, já tinha capacidade de refino de 100 mil barris por dia, e o projeto era chegar a 150 mil barris.
Mas, no mesmo ano de 2014, sob ataque da Operação Lava Jato, teve suas obras paralisadas e saída de investidores. Foi só em novembro de 2021 que a Petrobrás divulgou no seu Plano Estratégico 2022-2026 que vai investir US$ 1 bilhão (mais de R$ 5 bilhões) para concluir a obra.
A diretora do Sindicato Unificado dos Petroleiros do Estado de São Paulo (Sindipetro-SP) e da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cibele Vieira, sintetiza a forma como as políticas nacionais dos últimos anos são as maiores responsáveis pelo iminente risco de desabastecimento de óleo diesel: “Em 2015, sob a pressão da Lava Jato, a Petrobrás apresentou um plano de desinvestimento que jogou fora o bebê com a água do banho. Naquela época, já existia uma previsão de que o Brasil tinha necessidade urgente de ampliar seu parque de refino, o que estava sendo feito. Eis que então as obras são paralisadas, a produção é reduzida e as refinarias passam a ser vendidas”.
A sindicalista ainda conclui: “Para piorar, as refinarias vendidas não passaram por aumento de produção, por escolha de seus investidores e novos proprietários. Privatizar as que ainda restam vai só ter a consequência de aumentar nossa vulnerabilidade a guerras, conjunturas e interesses internacionais”.
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