28 de abril de 2020
Os camponeses e camponesas do quilombo de Santa Isabel e Santa Justina criaram uma grupo no WhatsApp para garantir a comercialização de produtos da agricultura quilombola na região durante a pandemia do novo coronavírus.
Inhame, limão, leite, jiló, palmito pupunha, queijos, doces, farinhas, galinha caipira e uma imensa diversidade de bananas. Esses são alguns dos alimentos disponíveis na feira virtual organizada pelos quilombolas camponeses do quilombo de Santa Isabel e Santa Justina, localizado em Mangaratiba, na Costa Verde do Rio de Janeiro.
Criada no final de março, a iniciativa foi uma das alternativas da comunidade quilombola para enfrentar a escassez de políticas públicas voltadas a essas populações, que sofrem ainda mais com as restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19).
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A feira acontece através de um grupo no WhatsApp que já conta com aproximadamente 200 participantes. Atendendo diversas regiões do município, os pedidos são realizados às segunda-feiras e as entregas acontecem às sextas.
A vice-presidente da Associação de Moradores Amigos e Amigas das Fazendas Santa Isabel e Santa Justina, Iosana Mathias, afirma que apesar das dificuldades, os produtores do quilombo estão otimistas e pretendem continuar com a feira digital após o fim da quarentena. “Ainda não temos um carro e fazemos as entregas com uma bicicleta de carga, mas os produtores estão muito felizes e otimistas com a iniciativa e muitos pretendem seguir com essa estratégia de vendas”, conta Iosana.
Para a vice-presidente, além de garantir a continuidade da produção e da comercialização dos alimentos, a iniciativa é uma oportunidade de fortalecer e dar maior visibilidade a luta do povo quilombola. “Através dessa feira virtual estamos conseguindo dar visibilidade para nossas atividades e para nossa causa. Nós vivemos da terra. Desta terra que é nossa por herança histórica e cultural”, enfatiza. Desde 2005, o quilombo sofre diversas ameaças em razão da especulação imobiliária que atinge a região.
A produtora Josiele Marques, membro de uma das 60 famílias que integram o quilombo, afirma que, apesar de recente, a iniciativa tem dado bons resultados. Segundo ela, desde a criação do grupo houve até uma melhora nas vendas. “Ficamos um pouco receosos no início, porque não sabíamos se a iniciativa daria certo. Mas logo começamos a ter bons resultados. Um cliente gosta, recomenda para outra pessoa e o grupo vai crescendo. Nós conseguimos nos aproximar dos consumidores e criamos um laço afetivo nessa etapa de comercialização”, explica.
A produção do Quilombo de Mangaratiba é sem veneno e agrotóxico, essa forma de cultivo camponês dialoga com os princípios defendidos pela agroecologia.
Para Josiele, o reconhecimento sobre a qualidade dos alimentos cultivados no quilombo é uma das partes mais gratificantes da etapa de comercialização. “As pessoas começaram a se interessar e a elogiar muito nossos produtos. Vender nossos produtos é muito importante, mas o reconhecimento da qualidade do que produzimos é melhor ainda!”, conta.
Para garantir que os alimentos cheguem frescos à mesa dos consumidores, a maioria é colhida no dia da entrega. “Nós nos preocupamos muito com a qualidade do que entregamos às pessoas. Não utilizamos nenhum tipo de agrotóxico ou pesticidas e fazemos a colheita no dia da entrega para que eles sejam entregues os frescos possível”, explica. As entregas são realizadas em diversas regiões de Mangaratiba, como a Praia do Saco, Muriqui, Praia Grande e Sahy.
A coordenadora estadual do MPA que atua no território, Dinha Dias, informa que “infelizmente não conseguimos atingir toda a costa verde por causa do isolamento” e afirma que, devido à grande produção do quilombo, existe potencial para ampliar as estratégias de abastecimento popular daquele território.
Vicente Victor, presidente da associação, explica que a diversidade da produção alimentar do Quilombo é o resultado de um processo histórico de luta e resistência. Desde que a terra foi ocupada pelos remanescentes, tem-se a tradição de plantar, colher e criar animais. Ele enfatiza que em todos os sítios do quilombo há uma família que produz alimentos. Afinal,
“Viver em um sítio sem plantar, nem produzir? De que adianta? Somos remanescentes quilombolas e também somos historicamente produtores rurais. Nosso nome na história a gente tem deixado com a nossa “caneta” que é o enxadão e a foice! O Quilombo de Mangaratiba é um quilombo forte na agricultura, que produz e que planta!” afirma Vicente.
Seu Vicente denuncia que, apesar da organização e sentimento de resistência da comunidade, os desafios enfrentados pelo território são diversos. Especulação de terras por empreendimentos turísticos e hoteleiros, restrição ao ingresso de materiais de construção na área do quilombo, além do esvaziamento de políticas públicas para a população quilombola são alguns das lutas travadas na região, explicitando o projeto neoliberal em curso no Brasil pelo governo bolsonarista e, ainda mais evidente na época da Covid 19.
Em 2019, em reconhecimento pela luta e resistência do seu território, o Quilombo recebeu a 32ª Medalha Chico Mendes de Resistência, do grupo Tortura Nunca Mais, Beto Palmeira, coordenador nacional do MPA que acompanha as regiões quilombolas pela coordenação nacional do movimento, destaca que os territórios quilombolas são fundamentais na perspectiva da luta pela soberania nacional. “Hoje, as comunidades quilombolas estão no fronte de luta contra o avanço e a expansão do agronegócio no país. Elas também são fundamentais na defesa da soberania nacional, pois cresce a especulação de países imperialistas como os Estados Unidos em territórios estratégicos para o Brasil, como é o caso da Base de Alcântara, no Maranhão.”
Em todo o Brasil, o MPA tem fortalecido o trabalho político organizativo nos territórios quilombolas, compartilhando suas experiências organizativas e produtivas, “Nessa conjuntura, temos que beber na resistência negra e quilombola do Brasil para enfrentar os desafios do próximo período” conclui Beto.
VEJA O VÍDEO PRODUZIDO NO QUILOMBO SANTA ISABEL E SANTA JUSTINA
POR: Bruna Távora e Natasha Mastrangelo – Brigada de Comunicação Popular do MPA/RJ
FOTOS E ARTE: Vicente Vitor e Brigada de Comunicação Popular do MPA/RJ
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