22 de julho de 2016
O projeto de lei 4059/12, que libera a venda de terras rurais brasileiras para estrangeiros, tem sido motivo de preocupação entre movimentos da causa agrária. De interesse da bancada ruralista do Congresso Nacional, a proposta é vista pelas forças de esquerda como uma ameaça porque implicaria na desnacionalização do solo e comprometeria os recursos naturais e a reforma agrária.
Um dos aspectos mais controversos diz respeito à proposta deregularização dos imóveis rurais que foram adquiridos por estrangeiros no período após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Em 1989, após o início da vigência da nova Constituição, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu um parecer que tratava da invalidação da Lei 5.709. A partir daí, sucederam-se as diversas vendas de terras a estrangeiros sem registro oficial.
“O que se sabe mundo afora é que, se forem organizar os registros de imóveis na Amazônia, por exemplo, vai dar duas ou três Amazônias, porque tem mais dono do que território”, diz o comandante Paulo Cezar Garcia Brandão, do Ministério da Defesa, em referência à quantidade de documentos de posse de imóveis rurais sem qualquer validação oficial.
Após esse período de intensa subnotificação, em 2010, a AGU publicou outro parecer, fixando uma nova interpretação para a legislação correspondente e ressaltando algumas restrições.
Para pessoas jurídicas, é permitida a aquisição de até três módulos rurais, sem necessidade de autorização do Estado; para pessoas físicas, o limite de aquisição sem necessidade de autorização é de até 20 módulos. A lei impõe restrições para os demais casos, em especial quando se trata de área de fronteiras. A proposta do PL é anular as restrições.
O Ministério da Defesa critica o ponto do projeto que não prevê limitações para pessoas jurídicas que sejam controladas direta ou indiretamente por estrangeiros. A aquisição de terras em faixas de fronteira, por exemplo, colocaria em risco a segurança nacional.
“Nós sabemos que há pessoas jurídicas brasileiras que têm, por exemplo, um sócio com capital de R$ 1 e outro sócio representado por uma empresa estrangeira que tem U$ 300 milhões, então, na prática, temos empresas ditas brasileiras que são totalmente estrangeiras. Com o território entregue ao capital estrangeiro, eles vão poder fazer o que quiserem, porque vai ser área particular. O Ministério não é contrário ao investimento estrangeiro, mas é preciso ter um controle sobre isso”, defende o comandante.
O PL foi adotado pela Comissão de Agricultura da Câmara como sendo um projeto do colegiado. A proposta é regulamentar o artigo 190 da Constituição Federal, que trata da aquisição de propriedades rurais por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras, propondo também alterações em outras legislações que tratam do assunto.
Uma delas é a Lei nº 5.709, de 1971, que, ainda que timidamente, impõe limites a esse tipo de aquisição. O PL em discussão objetiva anular as restrições, facilitando a titularidade das terras para estrangeiros.
“Uma proposta como essa é a consolidação do objetivo do golpe que afastou a presidenta Dilma Rousseff, porque a ideia é justamente vender o Brasil. Eles começaram agilizando o projeto do pré-sal e agora colocam essa questão, que é estratégica porque os grandes ativos e laços econômicos que o Brasil tem hoje são as terras. Elas se relacionam à diversidade, à produção de alimentos, aos recursos naturais. Esse projeto visa vender a soberania nacional”, criticou Alexandre Conceição, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Ele alerta para graves consequências que a medida poderia trazer. “A crise ambiental que estamos vivendo tende a avançar cada vez mais, até porque o modelo de produção dos estrangeiros que querem comprar nossas terras polui o meio ambiente e causa devastação. Isso vai ser trágico do ponto de vista da mudança climática”, exemplifica o dirigente.
Além das questões ambientais, o MST se queixa que a medida atingiria negativamente não só os sem-terra, mas também os indígenas e os quilombolas. “Numa ponta, nós lutamos pela distribuição de terras para produzir alimento; na outra, eles querem justamente entregar essas terras e jogar as comunidades para as periferias das grandes cidades, causando todos os problemas que já conhecemos”, alerta.
A Organização das Nações Unidas (ONU) tem demonstrado preocupação com a aquisição de terras por estrangeiros especialmente nos países da África e da América Latina.
O problema ocasiona, entre outras coisas, o avanço do cultivo agrícola em áreas de proteção ambiental; o aumento da especulação imobiliária; o crescimento da venda ilegal de terras públicas; a utilização de recursos de origem ilegal (lavagem de dinheiro, tráfico de drogas, etc.); o aumento da grilagem de terras; a proliferação de “laranjas” na aquisição dessas terras; o aumento da biopirataria na região amazônica; e a ampliação da produção de etanol e o biodiesel sem a devida regulação.
No Brasil, a questão esteve no vácuo nas últimas duas décadas, quando o acesso de estrangeiros à propriedade fundiária aumentou de forma exponencial e sem controle.
“Como resultado, o que se tem na atualidade é uma situação de subnotificação e ninguém sabe mensurar isso, porque os cartórios não têm os registros dessas terras que estão nas mãos deles”, explica Gerson Teixeira, da Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). A entidade defende que seja feito um recadastramento para mapear a situação.
O Brasil de Fato procurou a Advocacia-Geral da União (AGU) para tentar esclarecer os detalhes do parecer editado pelo órgão em 2010, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
Também foi procurado o presidente da Comissão de Agricultura da Câmara, Lázaro Botelho Martins (PP-TO), para tratar das críticas ao PL 4059/12, mas a assessoria do parlamentar não deu retorno.
Por Cristiane Sampaio – Brasil de Fato
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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