6 de julho de 2016
Durante debate no I Encontro Nacional da Frente Brasil de Juristas pela Democracia (FBJD), que acontece em Brasília (DF), o advogado Andrei Mantovani, filiado à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Pará, defendeu que esse processo de oposição seja ampliado para além da atuação da Ordem.
“Não podemos ficar só em debates e teorias. A ideia é que voltemos às nossas bases sociais, que voltemos a ter interlocuções com determinados setores da sociedade, sejam eles quais forem. E, principalmente, que consigamos voltar a fazer uma luta política dentro da classe jurídica, mas não somente na OAB, como também nas faculdades, nos tribunais e no Ministério Público, porque entendemos que este é um golpe jurídico, midiático e político”, afirmou nesta terça (5).
Mais de 300 advogados de todo o país estão reunidos esta semana em Brasília (DF) com o objetivo de reafirmar o discurso de oposição ao processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
O grupo discute até quarta-feira (6) temas relacionados à atual conjuntura política, contando com a participação de representantes de movimentos populares, acadêmicos, parlamentares e profissionais do sistema de Justiça em geral.
“Estamos vivendo uma ditadura das togas, por isso precisamos nos unir para compartilhar as angústias e somar nossas energias em todo o país, de norte a sul e de leste a oeste”, disse Marília Lomanto, professora aposentada da Faculdade de Direito de Feira de Santana (BA) e membro da Rede Nacional de Advogados Populares (Renap), na abertura da programação desta terça.
Durante o debate, os participantes ressaltaram a importância de tentar reformar a opinião da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) sobre o processo de impeachment em curso.
“Essa postura golpista não representa o pensamento de toda a categoria. Ao assumir esse posicionamento, a OAB agiu de maneira equivocada, colocando-se na contramão da sua própria história. (…) Precisamos mudar isso porque, inclusive, este golpe não é só contra o PT e a Dilma não; é contra a democracia e o processo civilizatório, que, bem ou mal, se acentuou no Brasil nos últimos 12-13 anos”, disse o jurista e ex-presidente da Ordem Marcello Levenère.
Na visão dele, as articulações políticas que levaram à instauração do processo de impeachment se explicariam pela reação de grupos conservadores a projetos democráticos da história recente do país.
“Pela primeira vez na história tivemos – não totalmente, mas pelo menos parcialmente – um projeto de inclusão voltado para os pobres. Claro que os latifundiários e outros grupos, por exemplo, ganharam muito no governo do PT. Nós sabemos disso. Mas também pela primeira vez os pobres se viram na pauta nacional. Uma iniciativa ainda tímida, mas que produziu efeitos extraordinários, que desagradaram o ‘establishment’ e tornaram a elite brasileira uma das mais reacionárias e atrasadas do mundo, que não tem sequer sentimento nacionalista porque apoia um governo que desnacionaliza tudo neste país”, refletiu Levenère.
Em sua fala, ele conclamou todos os juristas presentes a iniciarem uma grande articulação nacional no sentido de sensibilizar os membros das diversas seccionais da OAB sobre a importância de oficializar um outro posicionamento sobre o impeachment.
“O espetáculo que se viu no Conselho Federal da Ordem não é tão grotesco como o do Congresso, mas infelizmente é muito próximo. Das 27 seccionais, apenas uma disse que era contra, que foi a do Pará. Isso é uma vergonha. Precisamos reverter esse quadro”, completou.
Intelectuais contra o impeachment
O processo de impeachment também tem movimentado, entre outros atores, pesquisadores e acadêmicos de diversas faculdades de Direito pelo país.
Na opinião da professora Carol Proner, da Faculdade de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o contexto atual pede uma reformulação do papel da academia diante do cenário político que se apresenta.
“Nós precisamos agora disputar a hegemonia da narrativa do golpe. (…) Temos atualmente uma agenda inversa mexendo em projetos estruturais da sociedade brasileira e precisamos nos reorganizar diante deste retorno ao ultraliberalismo, que tem assumido contornos dramáticos, com novas formas de regressão de direitos. Se nós, da academia, éramos vitrine, agora vamos voltar a ser pedra. A academia jurídica precisa voltar aos grandes temas, pensar a teoria crítica e o Estado, porque, nos últimos anos, por estar acostumada à democracia, ela tinha se acomodado um pouco diante de outras urgências”, considerou Carol.
Como iniciativa dos juristas que hoje se posicionam contra o afastamento de Dilma, ela destaca o livro intitulado “A resistência ao golpe de 2016” (Projeto Editorial Praxis, 2016).
A obra foi escrita por 105 autores ao todo, incluindo não só operadores do direito, mas também cientistas políticos e economistas que, numa espécie de intercâmbio intelectual, refletem sobre o contexto político que resultou no processo de impeachment.
“É uma tentativa de mostrar a força intelectual de oposição dentro desse campo e já estamos preparando um segundo volume, que trata resistência internacional ao golpe”, antecipa.
Esquerda unida contra impeachment
Uma das convidadas da programação desta terça-feira (5), a deputada federal Jandira Feghalli (PcdoB-RJ) destacou em sua fala a importância da aglutinação das forças de esquerda no atual contexto político nacional. “Este é um momento em que a consciência democrática acorda, se fortalece e coloca as pessoas em movimento. Nesta ruptura democrática, em que se perderam os parâmetros da legalidade, inclusive do parlamento, a saída é a nossa união”, disse.
Ela também criticou o capitalismo contemporâneo em associação com as figuras políticas que hoje dominam o Executivo e o Legislativo federais.
“O problema não são Michel e Cunha. Eles são a expressão mais baixa e desqualificada deste golpe atual. Mas, na verdade, tudo isso é construído a partir do conluio com outros atores que querem impor uma agenda extremamente capitalista e voltada aos interesses externos”, ressaltou Jandira.
A partir do mesmo raciocínio, o dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Alexandre Conceição destacou a necessidade de se lançar um olhar multifacetado sobre o atual cenário.
“A crise do capital que estamos vivendo se conjuga com outras grandes crises: a econômica; a política, inclusive a de representatividade; a social, com desemprego, retirada de direitos e aumento dos índices de miséria e fome; e a crise ambiental, fruto do modelo de exploração do capitalismo internacional que pretende se apropriar das nossas riquezas, como o que ocorreu em Mariana (MG), por exemplo”, analisou.
Na visão dele, o momento pede uma forte articulação diante das forças conservadoras ligadas aos poderes político e econômico dominantes. “A grande tarefa dos movimentos sociais hoje é construir um projeto popular para o Brasil com um modelo que faça oposição a isso e que nos represente originalmente”, arrematou.
Por Cristiane Sampaio – Brasil de Fato
Edição: Camila Rodrigues da Silva – Brasil de Fato
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