25 de abril de 2022
Anelize Moreira
Edição: Douglas Matos
Brasil de Fato | Brasília (DF)
O Cerrado é o segundo maior bioma brasileiro e foi o mais desmatado em 2021. No último ano as verbas destinadas à fiscalização do bioma pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foram cortadas pela metade. Mesmo com equipe de monitoramento reduzida, o órgão tem resistido e conseguiu estender a previsão orçamentária até junho, para continuar a produzir dados sobre desmatamento.
De acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, em um ano, o Cerrado perdeu uma área equivalente a seis cidades de São Paulo. A destruição, que causa a perda da biodiversidade, é provocada principalmente pelas lavouras do agronegócio.
“A região do Matopiba concentrou em torno de 60% desse desmatamento. Essa região é conhecida como a mais nova fronteira agrícola do país sendo utilizada para o cultivo de milho e soja. Hoje a produção dessas commodities agrícolas é responsável por desalojar povos tradicionais que há centenas de anos habitam áreas planejadas coletivamente que hoje são de interesse de grandes empresas do agro”, explica Terena Peres de Castro, assessora técnica do Instituto Sociedade, População e Natureza.
O Cerrado já perdeu metade da sua cobertura vegetal. Quem vive nele teme que a biodiversidade, as plantas e os alimentos que só ocorrem neste bioma desapareçam junto com o desmatamento.
Maria Luzinete Alves Santos, mais conhecida como Natinha, é agricultora há mais de 20 anos, e moradora do Assentamento Oziel Alves III, Núcleo Rural Pipiripau, em Planaltina, Distrito Federal. Ela e os filhos dependem da produção dos frutos, raízes e folhas que servem tanto para o próprio consumo, quanto para comercialização.
“O maior desafio é conseguir continuar colhendo esses frutos por causa do desmatamento desgovernado. Essa preocupação que daqui mais um tempo a gente não consiga trabalhar com frutos do Cerrado”. E completa dizendo que atualmente a região é cercada por produções agrícolas que ameaçam a biodiversidade local.
“Nessa região tem muitos plantadores de soja, milho, sorgo e a cada ano que passa eles vão invadindo as áreas verdes, reservas, APPs e nascentes”.
Natinha planta frutos típicos da região como pequi, jatobá e araticum. Natinha comenta que a esperança é que os agricultores tenham mais incentivos para conseguirem plantar diferentes espécies nativas do bioma. Uma parcela da sua roça já foram plantadas espécies como pequi, jatobá, cagaita e mama cadela.
“Tem uma esperança de futuramente ter essas variedades de Cerrado na nossa terra. Então isso é um sonho a ser realizado, que é ter um Cerrado no nosso quintal, porque o desafio é a grande questão do fogo, das queimadas e a questão do desmatamento também que prejudica muito porque nós praticamente sobrevivemos de frutos desse bioma”.
Segundo a agricultora, é através da produção de frutos que ocorre a renda e subsistência das famílias que vivem no campo.
“Através do Cerrado muitas mulheres que são chefes de famílias através desses frutos processa e beneficia eles, e muitas companheiras trazem o alimento para dentro de casa por meio do Cerrado”.
Os frutos são utilizados para fazer geleias, pães, bolos, licores e remédios. “Como por exemplo o jatobá é bem rico em vitaminas, ele é um fortificante natural, eles é bom para bronquite, dores nas costas, dor no estômago e a gente trabalha bastante com esse fruto que é uma maravilha”, ensina.
Um dos principais impactos da destruição do Cerrado é a ameaça à biodiversidade e a expulsão desses povos tradicionais, segundo a especialista.
“O avanço do desmatamento é uma ameaça à existência descoberta desses frutos ricos em nutrientes por duas razões: primeiro, porque de fato destrói a vegetação e a biodiversidade. Segundo porque esse desmatamento desloca ou até mesmo extermina os povos indígenas, quilombolas, geraizeiros, habitantes que importam o conhecimento sobre o bioma sobre as espécies e seus usos, comprometendo a difusão a propagação desses saberes”.
Segundo Terena, o Cerrado é um dos biomas que menos destinam a área para a criação de unidades de conservação e proteção e hoje apenas 12% de sua vegetação nativa está em terras indígenas ou unidades de conservação.
“Iniciativas voltadas para ampliar a área sobre proteção e uso sustentável do bioma são necessárias para contribuir para a manutenção do Cerrado e dos serviços ecossistêmicos que ele oferece, como a produção de água, por exemplo”.
O Tribunal Permanente dos Povos do Cerrado foi instaurado para julgar crime de ecocídio no ano passado. Nas últimas audiências em março foram inúmeras as denúncias sobre grilagem de terras e uso massivo de agrotóxicos pelo agronegócio impactando a saúde nas áreas ligadas às práticas tradicionais de plantio e coleta, e pelo uso das águas contaminadas e resíduos nocivos na alimentação. O julgamento envolveu 15 casos e mais de 20 comunidades.
Um dos destaques da declaração do júri foi a participação ativa do estado brasileiro nas violações contra as comunidades tradicionais, com a facilitação desse modelo do grande monocultivo e do uso intensivo de agrotóxicos.
“O Brasil é atualmente o maior usuário de agrotóxicos do mundo, e o segundo maior nas lavouras transgênicas, que implicam um aumento ainda maior do uso de agrotóxicos”, apontou a declaração.
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