11 de agosto de 2016
Passados quatro meses desde o afastamento da presidenta eleita Dilma Rousseff e as vésperas da definição do senado do futuro político do país, as consequências do golpe parlamentar-empresarial já se tornam nítidas.
As manifestações pelo impeachment podiam se abrigar em bandeiras genéricas e mesmo populares, como o combate à corrupção. Os sinais poderiam ser, propositalmente, confusos ou amplos. Mas, na prática, os quatro meses de governo Temer deixam claro para que serviu o golpe a quem serviu.
Desde 2008, a economia mundial enfrenta uma grave crise gerada pelo descontrole da especulação do capital especulativo. A receita para a saída desta crise pelas grandes empresas transnacionais, muito mais poderosas do que quaisquer Estados ou governos, tem sido aplicada uniformemente tanto em países do centro, como a França, ou em periferias do sistema, como o Brasil e a Argentina. Basicamente, se trata de acelerar a exploração de recursos naturais, em especial os energéticos, e reduzir ao máximo os direitos de trabalhadores. Desta forma, reduzindo os preços das matérias-primas e o “custo” com direitos trabalhistas e sociais, o capital espera recuperar o equilíbrio da sua taxa de lucro. Obviamente, a consequência deste modelo será a acentuação da crise ambiental e social.
Se há dúvidas de que é a este projeto que o governo golpista está a serviço, basta recapitularmos suas principais medidas nestes quatro meses.
Agricultura familiar
Assim como outros Ministérios dedicados às questões sociais, o Ministério do Desenvolvimento Agrário foi extinto. As políticas que estavam neste órgão foram transferidas para o Ministério de Desenvolvimento Social e Agrário ou espalhados para outras esferas, como a Casa Civil. Extinto o MDA, a agricultura familiar também foi excluída da Câmara do Comércio Exterior, retirando este setor de quaisquer debate sobre negociações internacionais, que possam promover ou prejudicar os pequenos agricultores.
Prova de que a extinção e a reorganização do Ministério atinge diretamente a agricultura familiar está na retirada de R$ 160 milhões dos recursos do Programa de Aquisição de Alimentos, que adquiria produtos dos pequenos agricultores para escolas, creches, assistência social, etc. Com a medida, foram excluídos 40 mil agricultores e 2 mil cooperativas.
O governo golpista também revogou a chamada pública de seleção de entidades prestadoras de serviço para a assistência técnica, deixando desassistidos 188 mil famílias de agricultores.
Habitação
A primeira medida do ministro das Cidades Bruno Araújo foi abandonar a meta do governo Dilma de contratar 2 milhões de moradias do Minha Casa Minha Vida nos próximos dois anos. Com a decisão, o governo golpista conseguiu num só gesto prejudicar 6,1 milhões de pessoas atingidas pelo déficit habitacional e deixando de gerar 1,3 milhão de vagas de trabalho, sendo 660 mil diretamente nas obras e outras 682 mil ao longo da cadeia, segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Na prática, são R$ 70 bilhões que deixam de ser gerados no Produto Interno Bruto (PIB).
Saúde
Antes de ser Ministro da Saúde, Ricardo Barros foi eleito deputado federal com polpudas contribuições de empresas e planos de saúde. Agora, o ministro golpista tem a oportunidade de agradecer aos seus financiadores. Baros já anunciou que está discutindo com o “mercado” – e não com a sociedade – as mudanças no Sistema Único de Saúde.
O Ministério criou um grupo de trabalho para a criação de “Planos de Saúde populares”. O nome engana mas, na prática, exclui o princípio constitucional da gratuidade da saúde e submete os trabalhadores a planos com baixa abrangência e sem qualidade.
Repressão e Direitos Humanos
O Ministro golpista Alexandre de Moraes foi escolhido por sua trajetória exemplar. Por exemplar, despejar adolescentes que ocupavam escolas públicas em São Paulo sem mandato. Como seus pares, Moraes tem pouco apreço pela Constituição e pelos direitos. Não à toa, sua primeira medida foi a suspensão de todas as ações vinculadas com direitos humanos, mantendo apenas as áreas policiais em funcionamento no Ministério.
Sabe aquela delegação de refugiados aplaudida na abertura das Olímpiadas? Provavelmente será a última vez que veremos refugiados sendo bem recebidos no país, porque Moraes suspendeu as negociações com a União Europeia para receber recursos e 100 mil refugiados da guerra da Síria nos próximos cinco anos.
Educação
Quatro grandes programas da área da educação foram cortados nestes meses: o Pronatec, o ProUni, o Fies e o Ciências Sem Fronteiras. Na prática a medida atinge mais de 2 milhões de estudantes. Além disso, o governo destituiu os membros do Conselho Nacional de Educação, escolhidas anteriormente por consulta à sociedade.
Internet
Se até então, o Brasil era modelo e pioneiro internacional de legislação sobre a rede mundial de computadores, agora, o novo Ministério de Ciência, Tecnologia e Comunicação pretende diminuir a representação da sociedade civil na gestão da Internet brasileira e aumentar a participação das operadoras telefônicas, as mesmas aquelas que querem acabar com a neutralidade da rede, ou seja, acabar com o princípio básico de que todos devem ter acesso às informações e tráfego, sem discriminação, por exemplo, por tipo de plano ou pagamento.
Pré-sal
Nem pedaladas, nem corrupção. O motor do golpe é quem irá explorar as reservas do Pré-sal brasileiro. Segundo documentos vazados pelo Wikileaks, o senador José Serra, atual ministro golpista das relações exteriores, comprometeu-se com a petrolífera norte-americana Chevron mudar as regras de exploração do pré-sal. O governo Dilma já havia vacilado e concordado com o projeto do então senador. E agora a proposta voa no Congresso, onde já foi aprovado no senado e está em regime de urgência na Câmara. Ao retirar a obrigatoriedade da Petrobrás na exploração do Pré-Sal, o projeto apoiado pelos golpistas, retirará recursos que eram repassados da exploração para o Fundo Social e que destinava 25% para a saúde e 75% para a educação, diminui os investimentos na indústria naval e petrolífera nacional.
Estado para poucos
Se o Governo golpista prioriza a privatização da saúde, da Educação e do Pré-sal, para que Estado? Por isso, todos os concursos públicos estão suspensos até 2018. Por isso, também a proposta de congelar o teto dos investimentos pelos próximos 20 anos.
Significa que o governo vai gastar menos. Sim, vai gastar menos com a população e gastar mais com os amigos, apoiadores e financiadores. Afinal, ao mesmo tempo em que reclamou de um estouro de R$ 170 bilhões nas contas públicas, o presidente golpista distribuiu fartamente um reajuste para o funcionalismo público com impacto de ao menos R$ 58 bilhões até 2019. E vejam só: os maiores beneficiários são os Ministros do Supremo Tribunal Federal, que julgarão o Impeachment, com um aumento do salário. Além do aumento do teto do funcionalismo para R$ 39.293. De quebra, a Câmara dos deputados aprovou simultaneamente a criação de 14.419 cargos federais, quase quatro vezes o número de cargos comissionados que Michel Temer prometeu extinguir neste ano.
Há quem tenha ido às ruas acreditando que o Impeachment era a contra a corrupção, ainda que nenhuma denúncia se refira exatamente à Presidenta Dilma. Certamente, estes estão satisfeitos com a escalação do ministério de notáveis de Temer: seis Ministros respondem a inquéritos no STF, outros sete foram citados na Lava Jato e ainda doze receberam doações de empresas da Lava Jato.
As gravações de Sérgio Machado, ex-presidente da Transpetro, com Romero Jucá revelaram os motivos do PMDB e PSDB para o impeachment: barrar a lava-jato. Os vazamentos derrubaram Jucá. Em seguida, as gravações derrubaram o Ministro da Transparência (!!!!) Fabiano Silveira, por também criticar a lava-jato.
Como se não bastasse escalar investigados, Temer alterou a estrutura da Controladoria Geral da União (CGU) e retirou a urgência do pacote anti-corrupção, enviado por Dilma para o Congresso, que criminalizava o caixa dois em campanhas eleitorais e alterava o código penal para combater a corrupção.
Se em apenas quatro meses, o retrocesso e as consequências sociais do golpe empresarial-militar tiveram esta abrangência, imagine-se a gravidade social e econômica que ele terá permanecendo. Trata-se portanto não apenas de impedir a continuidade deste projeto ilegítimo e impopular, como em caso de retorno da Presidenta, alterar o curso da economia brasileira em direção a um projeto soberano, autônomo e sustentável, em que o Estado não esteja a serviço de marionetes de financiadores eleitorais e nem de grandes empresas transnacionais.
Por Miguel Enrique Stédile é da Coordenação Nacional do MST
Publicado por Sul 21
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