24 de maio de 2023
Sebastião Erculino
Vitória (ES)
Estamos vendo nestes últimos dias um alvoroço no Congresso Nacional com a instalação de algumas CPIs. A de 8 de janeiro e a CPI do MST são as mais badaladas. É certo que a CPI dos crimes de terrorismo de 8 de janeiro é para embolar a narrativa e tentar safar o criminoso maior da cadeia, aqui, diga se com todas as letras o Sr. Jair Messias Bolsonaro.
Mas, o que chama a atenção neste Congresso, majoritariamente representantes de direita, é a CPI do MST. Para aqueles e aquelas que acompanham pouco as questões políticas, fiquem sabendo que esta não é a primeira CPI para investigar a forma como movimenta e age o MST dentro da sociedade brasileira.
Bom, na semana de 24 de abril, foi publicitado uma entrevista do coordenador nacional do MST, o líder João Paulo Rodrigues concedida ao jornalista Reinaldo Azevedo no seu canal Rê conversando. Sugiro que assistam, pois foi uma conversa muito esclarecedora. João fala dele, do movimento, da conjuntura, da produção agrícola, da malha agrária e claro da distribuição e ocupações de terras, a reforma agrária.
Perguntado na entrevista, sobre abril vermelho, ele respondeu “foi a imprensa quem batizou o 17 de abril como abril vermelho por causa do sangue de 19 sem terras mortos no Eldorado dos Carajás”. Nós, do MST, só cuidamos de memorizar que a luta por distribuição de terras no Brasil jorra sangue, e, sangue de sem terras.
O MST é o maior produtor de arroz do Brasil, mas, não é qualquer arroz, é arroz orgânico, ou seja, é arroz limpo de veneno (agrotóxicos, agroquímicos, herbicidas, fungicidas) que chegam às nossas mesas. Isto não é pouca coisa. Além do arroz orgânico, o MST tem ainda uma organização invejada no sistema do cooperativismo e com isso as experiências das agroindústria é muito forte na região sul do país.
Tem uma parte da entrevista que me chama a atenção que é quando o líder dos Sem Terra é categórico em dizer “os latifundiários que cumprem a função social de suas terras não precisam ter medo do MST” (…) “Nós temos como luta, democratização da terra, porque não tem como falar em democracia se não democratizarmos o acesso a terra”.
A luta do MST é mostrar, com as ocupações que aquela terra é improdutiva, ou prática trabalho análogo a escravidão, ou aquela propriedade é usada para plantios de ilícitos. Mas, ainda tem ainda as terras devolutas. Estas terras, devem ser identificadas, arrecadadas e destinadas a assentar famílias sem terras. Portanto, se o latifúndio, embora seja latifúndio, esteja dentro daquilo que reza a nossa Constituição, não existe porque se preocupar com o MST.
Mas, qual é mesmo a função social da propriedade? O art. 186 de nossa carta maior vai rezar que a função social da propriedade está alicerçada em quatro pilares: 1) produtividade: a propriedade precisa ser produtiva, ou seja, se a proposta é cultivar bois aquela propriedade precisa ter a quantidade de bois segundo rege as normas para esta produção por hectare; 2) trabalho: aquela propriedade precisa atender às possibilidades de trabalho as pessoas; 3) questão ambiental: aquela propriedade deve atender às normas e leis ambientais e, 4) bem estar social: aquela propriedade deve ser motivo de satisfação para seu entorno e não uma peripécia para as comunidades em seu entorno.
Porque se preocupar com o MST se aquele latifúndio cumpre a tudo isso? Não, não precisa, agora, se aquela propriedade não cumpre estes requisitos da função social, o problema não pode ser do MST, mas, do fazendeiro que está burlando a Constituição. João Paulo na entrevista acentua que a tarefa principal do MST é indicar para o governo as terras em que seus donos estão burlando as leis do país. Quando o movimento ocupa uma determinada área, ele está mostrando para o estado que aquela área está fora das normas e que o governo deve tomar as providências. Normalmente essas normas que estão sendo burladas dizem respeito a posse indevida, trabalho análogo a escravo, crimes ambientais e baixa produtividade.
Mas, a CPI do MST este ano não pelo fato do movimento estar organizando pessoas e ocupando terras que estão fora da lei, não, a CPI é para botar uma cortina de fumaça nos severos crimes praticados pelo agronegócio em várias frentes.
O agronegócio apesar de ser tech, ser pop e ser tudo, como vangloria as propagandas da Globo, ele é mais que isso. O agro paga pouco imposto, vivem das benesses do Estado brasileiro, envenena os alimentos, o ar, a água, o solo e as pessoas, produz fome, desemprega famílias e destrói o meio ambiente.
Para garantir essas mazelas, os latifundiários investem pesado na política, elegendo defensores nos estados (governadores, deputados estaduais, prefeitos e vereadores) e, dentro do Congresso Nacional (Câmara Federal e Senado da República). Com uma bancada farta e atuante eles conseguem se perpetuarem, locupletarem e continuarem com suas estratégias. Numa outra trincheira, os latifundiários usam de forma organizada o judiciário brasileiro como escudo de suas mazelas e o exemplo claro disso é a recente discussão que a empresa Syngenta está travando contra o Ibama sobre o processo de aplicação de multas por irregularidades encontradas em fiscalização daquele órgão na empresa.
Uma matéria que o portal Uol publicou no dia 03.05.2023 mostra com clareza a capacidade que a empresa Syngenta arquiteta para driblar os agentes fiscalizadores do IBAMA. A matéria do portal Uol (que recomendo a leitura) é surreal como é contada a prática da empresa para arrefecer os danos dos crimes praticados quando se trata de uso de agrotóxicos. Não tem surpresa nestes comportamentos, haja vistas que no ramo da cafeicultura, no período da safra dos grãos, as práticas para burlar a fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e do Ministério Público do Trabalho, as engenhocas que “eles” usam se assemelham com o meio usado na ferramenta dos bilhetes trocados entre agentes funcionários do alto escalão da empresa Syngenta.
É assim que vemos crescer a comercialização dos agrotóxicos em nosso país, através das práticas legais, mas, principalmente através das práticas ilegais. Segundo o INCA (Instituto Nacional do Câncer) o Brasil despeja na terra mais de um milhão de toneladas de veneno, o que significa dizer que distribuindo este veneno para cada brasileiro, daria em torno de cinco quilos de veneno por pessoa.
Imagine você leitor, ingerindo cinco quilos de veneno como fica seu sistema imunológico. É fácil imaginar como nossa população está depressiva, cardíaca, diabética e cancerígena.
Também está quentinho as matérias publicadas sobre situações de trabalho análoga a escravidão. A primeira está no chamado celeiro do país quando uma vinícola “estava” produzindo vinhos as custas de trabalhos de pessoas em regime de escravidão. Segundo o portal Terra, a empresa Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton – é considerada as maiores produtoras de vinhos do país estava produzindo vinhos as custas de 207 trabalhadores que foram ludibriados com promessas de salários em torno de quatro mil reais por mês, quando na verdade receberam sim: surras com cabo de vassoura, mordidas, choques elétricos, ataques com spray de pimenta, más condições de trabalho e alojamento. Enquanto o vinho vai às mesas dos brasileiros, o suor do semelhante que trabalha nas vinhas, pinga no chão ao som da chibata e das mazelas.
A segunda vem do Espírito Santo, onde trabalhadores no município de Brejetuba foram resgatados de trabalho análogo a escravidão. Segundo reportagem do G1 sete trabalhadores foram resgatados e contaram que viviam em condições precárias, eram
chicoteados e recebiam os serviços em droga. A lista dos patrões do agronegócio que praticam trabalho análogo a escravidão só cresce, as informações dão conta de que oficialmente a lista completa, que é atualizada em abril e outubro de cada ano, tem 289 empregadores em todo o país. Desta vez, foram acrescentados 132 novos nomes ao documento, maior atualização registrada desde 2017, quando a lista voltou a ser publicada.
Existem duas formas do latifundiário ficar cada vez mais rico, a segunda maneira de enriquecimento já foi brevemente mostrada acima com a exploração do ser humano submetendo – o ao trabalho degradante, como o análogo a escravidão. Já a primeira maneira de enriquecer do agronegócio é sem dúvidas nenhuma os recursos da natureza: água, terra, recursos minerais. Não é à toa que vimos em 2015 e 2019 as lamas da Vale, BHP Billiton, Samarco descerem rios abaixo nos maiores crimes ambientais já vistos em nosso país.
Bom aí você vai perguntar o que tem a ver os casos de rompimentos de barragens da Vale com o agro? Não é tema deste artigo, mas, pode ter certeza que tem muito a ver. Estamos assistindo estarrecidos a situação pela qual os índios Yanomamis estão submetidos com os garimpos ilegais em Roraima, antes, já tínhamos visto o comércio ilegal de madeiras extraídas na Amazônia com a interferência direta para facilitar o comércio desta extração ilegal, do ex Ministro do meio ambiente Ricardo Salles.
Vimos com perplexidade a mata amazônica sendo derrubada e pegando fogo, os dados mostram que o desmatamento só cresce, os fundos financeiros internacionais que ajudaram na luta pela preservação desapareceram no governo anterior. A boa notícia é que estes recursos internacionais tendem a retornar agora com o novo governo. Se buscarmos os dados sobre destruição ambiental no cerrado brasileiro iremos encontrar situação semelhante à da Amazônia. Ou seja, a ganância em ter sempre mais, acumular riquezas, não têm limites para o agronegócio.
As eleições de 2022 permitiram aos eleitores a escolha do(a) Presidente(a) da República, Senador(a) da República, Deputados(as) Federais, Governadores(as) e Deputados(as) Estaduais. Eleição difícil, mas, com muita sabedoria o povo trocou o perfil de presidente: negacionista, fascista e golpista, por um governo: democrático, solidário, defensor da ciência e comprometido com a agenda do crescimento econômico.
Pois bem, só que, quando olhamos para o Congresso Nacional (Câmara e Senado), constatamos que este voto de mudança para presidente, não se materializou no congresso.
Em 2018 quando o ex-presidente foi eleito, no congresso houve uma materialização da vontade de mudança inclusive no congresso nacional, o que não ocorreu em 2022, com isso, temos um Congresso com maioria de extrema direita e direita e um governo de centro.
O perfil dos congressistas que estão alinhados com as pautas do agronegócio se pulveriza entre evangélicos (sem generalizar), latifundiários, defensores das armas e até os congressistas da bola. A chamada bancada BBBB (boi, bíblia, bala e bola) estão lá no congresso para defender a qualquer custo as pautas do agribusiness que são: mais desmatamento amazônico, mais destruição do cerrado, mais agrotóxicos e agroquímicos, burlagem das leis trabalhista, mais garimpos ilegais, grilagem e muito, muito dinheiro dos planos safras. Ou seja, enquanto o campesinato sua a camisa, preserva, produz alimento limpo e responde às demandas de alimento do país com mais de setenta por cento, o agronegócio se locupleta no estado praticando crimes.
Acontece que nem tudo fica abafado o tempo todo. A sociedade já começa a descobrir que estes “caras” do agrobusiness não é esta cereja que o sistema Globo de comunicação desenha. As chagas abertas em Roraima no crime de genocídio dos Ianomâmis, a sonegação e as inadimplências de dividas bilionárias, a crescente destruição da Amazônia e do cerrado, a prática de trabalho análogo a escravidão, os negócios obscuros de envenenamento do solo, do ar, da água e das pessoas com os agrotóxicos, e tantas outra,
precisam ser abafadas.
Como abafar? Respondo: Com a CPI do MST. Em 2003 foi o mesmo filme, bastou o Lula ir a uma agenda do MST e colocar o boné vermelho do movimento na cabeça para a oposição (na época, o PSDB) defender uma CPI para investigar o movimento e assim reverberaram na época: “O MST tem que ser tratado como uma força que se coloca à margem da lei”, disse Virgílio, que era Senador da República e um dos quadros do PSDB e da oposição.
Curioso que nesta mesma época estourava na República os escândalos das evasões de divisas através dos paraísos fiscais e das contas CC5. Um esquema que envolveu políticos, doleiros, o sistema bancário público e privado e ocasionou a abertura da CPMI do Banestado. Parece óbvio né? A estratégia é sempre a mesma: para encobrir as desgraças da elite locupletante, cria – se uma cortina de fumaça contra o maior movimento social da América Latina. Na verdade, como fez a elite em 2003/2004 se movimentando para encobrir suas mazelas na CPMI do Banestado fazendo a contra ofensiva de narrativa na CPI do MST. Agora não é diferente.
Para encobrir seus crimes que nos envergonham e envergonham o mundo, eles estão assinando embaixo suas culpas, mas, querem que o juízo assina a sentença. “Nós cometemos os crimes, mas, o culpado como sempre, é o MST”. Não vamos aceitar, como nunca aceitamos, chega. Viva o MST, viva a luta camponesa. Que os criminosos paguem pelos seus crimes.
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