14 de junho de 2016
Adentramos uma nova fase da luta política em nosso país. As votações no Congresso Nacional que autorizaram a farsa do impeachment da Presidenta Dilma escancararam para o povo brasileiro o caráter de nosso sistema político. Mesmo os setores que acreditaram de forma sincera que tal processo se relacionava ao combate à corrupção puderam ver o caráter autocrático e fisiológico ainda marcante no Estado brasileiro. Era impossível revelar os reais interesses que motivavam os votos que afastaram a presidenta: a subserviência das classes dominantes aos interesses do capital financeiro internacional que necessita avançar sobre as riquezas do povo brasileiro como forma de recompor, no curto prazo, as taxas de lucro como forma de saída da crise capitalista internacional. Além disso, o golpe em curso resgata uma estratégia de autoprivilegiamento dos diversos setores da burguesia brasileira voltando- se contra o conjunto de políticas voltadas para a classe trabalhadora e os mais pobres implementadas nos últimos 13 anos.A entrada em cena do governo interino de Michel Temer e seu grupo de conspiradores nos insere num novo momento da luta política que, embora ainda desfavorável às forças populares, abre caminho para a construção de força social pelos setores progressistas com possibilidades de alteração da correlação de forças. Enquanto as forças golpistas se retiram das ruas, cresce a construção de atos e da organização popular contra o governo golpista. A unidade da esquerda em torno da palavra de ordem “Fora Temer!” amplia nossa capacidade de diálogo com setores cada vez mais amplos do povo brasileiro. As lutas atuais, no entanto, ainda não foram capazes de possibilitar a entrada em cena da classe trabalhadora e dos setores mais pobres das periferias das grandes cidades. Para derrotar o governo golpista é necessário enraizar a unidade construída em torno da Frente Brasil Popular diversificando as formas de luta e apresentando propostas capazes de possibilitar a entrada em cena desses setores, decisivos para derrotar a direita nas ruas.
A luta pela democracia e o “Fora Temer!” tem agora a possibilidade disputar corações e mentes inclusive dos setores médios que há pouco apoiavam ou estavam complacentes com a estratégia golpista e vêem agora a que servia o estímulo ao conservadorismo nas ruas. A burguesia brasileira e o imperialismo, ao revelarem sua face mais autoritária e conservadora, retiram da inércia diversos setores que percebem o que está em jogo: a soberania do povo brasileiro. A capacidade de disputar os setores médios exigirá das forças populares uma construção, atenção aos interesses e palavras de ordem que possam atrair esse setor que foi ganho nos últimos anos pelo discurso conservador.
A votação no senado, prevista para os próximos meses, decidirá se os rumos da nação serão novamente entregues aos interesses do capital estrangeiro ou se poderemos implementar um projeto de desenvolvimento nacional fundamentado na soberania popular. Decidirá sobre a garantia e o aprofundamento dos direitos duramente conquistados na Constituinte de 1988 ou se abrirá caminho para completar a obra de desmonte do Estado brasileiro iniciada nos anos 1990.
Somente a pressão popular pode ser capaz de alterar a correlação de forças no Senado. Já não existem brechas para negociações pelo alto, O atual sistema político, que possibilitou a movimentação das forças golpistas, aprofunda o caráter autocrático das classes dominantes ora voltadas para a divisão do butim oriundo da alienação bilionária do patrimônio nacional ao capital estrangeiro prevista na rodada anunciada de privatizações. Somente uma imensa mobilização popular pelo retorno de Dilma pode reverter votos no senado.
A esquerda brasileira e os setores democráticos não devem hesitar nesse momento decisivo. Dilma deve ser reconduzida pelas forças populares ao governo para completar o seu mandato e realizar as mudanças estruturais que nosso povo necessita. A proposta de antecipação da eleição presidencial, defendida por setores do campo democrático, esgota-se em uma tentativa de oferecer uma saída de pactuação com as classes dominantes no intuito de fornecer uma rápida saída da crise resolvendo a atual instabilidade política. Essa proposta é inviável, entre outros motivos, por não interessar a nenhuma das classes em disputa. À grande burguesia brasileira subserviente ao capital estrangeiro internacional interessa a continuidade do governo ilegítimo de Michel Temer. Para acelerar a consecução de seu programa de caráter impopular e acabar com os direitos dos trabalhadores inscritos na Constituição de 1988 o neoliberalismo requer o aprofundamento da instabilidade política com um governo acuado e que não precise prestar contas aos anseios da maioria da população brasileira. De outro lado, às forças populares, em franca ascensão contra o governo golpista, também não interessa uma pactuação que signifique a admissão da interrupção do mandato da Presidenta eleita pelo voto popular. Além disso, no momento de possibilidades de acúmulo de forças ao campo democrático popular, não interessa à classe trabalhadora deslocar o cenário da luta das ruas para o processo político eleitoral, contaminado pelo poderio do financiamento privado das campanhas e pela comercialização do voto. E nem se diga que o financiamento privado das campanhas eleitorais seria tolhido pelo Poder Judiciário quando este já demonstrou até por sua mais alta instância, por suas decisões e atitudes, constituir uma das forças integrantes da aliança golpista.
A Presidenta Dilma simboliza, nesse momento, a resistência de nosso povo por democracia e deve fazer jus à missão que a história lhe deu: resistir e retornar ao cargo para avançar nas conquistas populares e na superação do neoliberalismo. A antecipação das eleições não é, dessa forma, a saída para as forças populares. A saída definitiva da crise política deve buscar a sustentação do governo na mobilização popular por reformas estruturais e por um Projeto Popular de Nação. Não há mais espaço na política atual para o intento de acomodar interesses do imperialismo, da burguesia brasileira e da classe trabalhadora no mesmo governo. Um projeto de desenvolvimento nacional soberano deve ancorar-se na construção de força popular e na abertura de canais cada vez mais amplos de participação do povo na política. Isso só pode se viabilizar a partir da convocação de uma Constituinte Soberana, feita por fora do atual Congresso conservador, ampliando a participação para um conjunto mais amplo da sociedade brasileira, capaz de dar fim ao sistema político herdado da ditadura e abrir caminho para as reformas populares e a construção de uma nação voltada para os interesses de quem nela habita e trabalha. A primeira medida da Presidenta, quando obtenhamos vitória, deve ser convocar a população para opinar sobre a possibilidade de uma Constituinte Soberana para mudar a política e aprofundar os direitos conquistados na Constituinte de 1988.
Sabemos que esse caminho não será fácil e, sem dúvida, deverá aprofundar a atual polarização da sociedade em torno de projetos antagônicos. Entretanto, é nesses momentos que a história nos exige ousar arrancar das contradições do presente os caminhos de realização da nação brasileira. A única saída é fazer com que o povo tome em suas mãos o destino de sua história. Foi esse povo, com sua diversidade e utopia, que levou a Presidenta Dilma a seguir no comando do Estado brasileiro. E é para o povo e com o povo brasileiro que ela poderá e deverá voltar a governar.
Tenha fé no nosso povo que ele resiste
Tenha fé no nosso povo que ele insiste
E acordar novo, forte, alegre, cheio de paixão…
(Milton Nascimento)
Consulta Popular, 13 de junho de 2016
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