19 de fevereiro de 2021
Confira a íntegra do documento redigido durante a última reunião da Direção Nacional do MPA, realizada remotamente a partir de Salvador (BA) no dia 22 de janeiro. No texto, compartilhado com a militância e enviado às organizações parceiras e veículos da imprensa progressista o MPA apresenta sua análise para a conjuntura nacional em seus vários aspectos e orienta a militância para as lutas do próximo período histórico.
MPA ACOMPANHANDO A CONJUNTURA
1 – Elementos novos na conjuntura
Olhando para a conjuntura nacional percebemos que 2021 apresenta elementos novos que precisamos levar em conta na nossa militância e no posicionamento do MPA no cenário nacional. Entre eles, destacamos:
Apareceram algumas divisões (cisões) na direita em relação ao apoio a Bolsonaro. O governador Dória, de São Paulo, Rodrigo Maia do DEM, Baleia Rossi do MDB, jornais e meios de comunicação da direita (Globo, Estadão, Folha) demonstram insatisfação com Bolsonaro. Eles representam grupos econômicos, frações da classe burguesa descontente. Porém, na agenda econômica neoliberal de Paulo Guedes, continuam todos unidos.
A crise econômica, porém, se aprofunda e a economia não cresce. Empresas abandam o país e a saída da FORD é só um sinal entre tantas. Com isto o desemprego aumenta e a crise social se torna cada vem mais grave.
Com o fim do auxílio emergencial, a baixa oferta de alimentos e a inflação dos alimentos, a fome volta e corrói o poder de compra do salário mínimo.
E estamos em plena “Segunda Onda” da pandemia da Covid19 no país. A “Tragédia de Manaus” com pessoas morrendo por falta de oxigênio revelou não só o descaso do Governo com a vida e a saúde do povo, como um caos administrativo no Ministério da Saúde dirigido por um general da ativa, do núcleo militar do governo. Por ironia, quem socorreu Manaus com oxigênio foi a Venezuela, tão atacada.
Bolsonaro travou a “Batalha da Vacina” negando sua necessidade, debochando (“vai virar jacaré”), questionando a eficácia. Foi derrotado porque o povo está correndo atrás da vacinação como sua tábua de salvação diante da peste. Mas o atraso do governo Bolsonaro em providenciar vacinas na quantidade necessária para imunizar a população está custando milhares de vidas e atrasando ainda mais a recuperação da economia e do emprego.
Outro acontecimento importante é a derrota de Trump nas eleições americanas, o que tira um importante ponto de apoio internacional ao governo Bolsonaro. Os ataques à China levaram a uma contrapressão do país asiático forçando o governo a recuar para ter acesso matéria prima para vacina, fabricadas na China.
Considerar também a liberação, pelo STF, das provas para a defesa de Lula que demonstram a maracutaia do Juiz Moro e da Lava Jato para condenar Lula e tirá-lo das eleições de 2018. Junto com isto, o Ministério Público decretou o fim da força-tarefa da Lava Jato.
E começaram a aparecer as primeiras quedas consistentes nos níveis de aprovação e dos índices de popularidade do governo e do presidente. Ainda insuficientes para impulsionar de forma poderosa um processo de impedimento.
Por outro lado Bolsonaro demonstrou capacidade de reação, consolidou sua aliança com Centrão na Câmara dos Deputados e obteve uma importante vitória na Presidência da Câmara dos Deputados, o que melhora sua sustentação parlamentar e torna a luta pelo impedimento ainda mais difícil.
Aceno forte à burguesia financeira ancorada em Guedes foi o Bolsonaro e Centrão aprovar a de lavada a dita autonomia do Banco Central entregando a gestão financeira da Nação e do Estado aos bancos privados.
Não podemos deixar de considerar que vivemos ainda sob os efeitos da derrota estratégica sofrida em 2016 e que os tempos continuam sendo de resistência ativa.
2 – Estrutura de Poder do Bolsonarismo
Precisamos prestar atenção à estrutura de poder do Governo Bolsonaro, cada vez mais transparente.
– BLOCO EMPRESARIAL FIRME E ATIVO: as cadeias do AGRONEGÓCIO. Tem enraizamento territorial em quase todo o Brasil.
– SISTEMA ORGANIZACIONAL ESTÁVEL: Polícias militares estaduais e milícias. Tem disciplina, ideologia de direita e armas. São perigosos.
– SUSTENTAÇÃO POLÍTICA E UNIDADE IDEOLÓGICA: Máquina de propaganda através das redes sociais e de parte da Grande Mídia ( Record e SBT), Militares e base parlamentar através do Centrão. Aliado a essa estrutura adotam a estratégia de pauta diversionista para fragilizar a unidade de ação e enfrentamento da oposição, quando um assunto começa a incomodar o governo, o presidente se encarrega de uma declaração que vira o assunto predominante.
– DESMONTE DA “DIREITA TRADICIONAL” – a direita tradicional preferiu se aliar a Bolsonaro em 2018, bem explicitado pelo “bolsodória” em São Paulo. Uma vez na presidência Bolsonaro tem tido êxito em abalar ou inviabilizar politicamente seus “ex-aliados”, a lista tem até o momento: Witzel -RJ, Dória – SP, Sergio Moro, Rodrigo Maia, Mandetta, dentre vários outros. Assim vai ficando como única opção viável à direita para enfrentar a esquerda em 2022.
– BASE POPULAR: fundamentalismo religioso popular, evangélico e católico. Fanatismo, pauta moral, messianismo de direita, oportunismo de lideranças religiosas.
– ESTRANGULAMENTO DA ESQUERDA E SUAS ORGANIZAÇÕES. Foram implementadas medidas que retiraram recursos dos sindicatos, projetos sociais foram cortados, combate diuturno aos partidos de esquerda. Nos partidos de esquerda há risco de que não tenham a capacidade de ter votos suficientes em 2022, o que impediria o acesso ao fundo partidário, daí esses partidos entram em modo de “auto salvação”, em que a prioridade é fazer acordos e costuras que garantam votos em 2022, passando assim a ter limitações no enfrentamento da pauta econômica do governo Bolsonaro.
Por isto, desmoralizar o agronegócio como causador da fome, embora milhões de toneladas de soja exportadas e denunciar a crise social, pode desgastar dois pontos de sustentação: o agronegócio e a base social. Isto enfraquecendo, vai impactar na base parlamentar, porque lá no Congresso Nacional, como já dizia Ulisses Guimarães, “ninguém carrega caixão”, querendo dizer que aquela turma se afasta de governante sem apoio popular.
3 – Dificuldades, Fragilidades e Desafios das Organizações Populares e da Esquerda
Os Movimentos e Organizações populares e de esquerda, resultado de vários fatores, revelam uma crise orgânica/organizativa que precisa ser enfrentada e superada como um fator importante para a retomada do protagonismo político e das lutas de massa.
Importante considerar que as fragilidades e as dificuldades vêm de três grandes fontes, interligadas: a) uma de caráter mais interno (crise orgânica e ideológica); b) outra resultante do forte ataque que a esquerda vem sofrendo desde sempre, e radicalizado desde 2012, para a qual não se conseguiu ter reação à altura; c) e a terceira provocada pela falta de debate e formulação de projeto estratégico no conjunto da militância nos últimos anos.
Grande parte da militância apresenta sintomas de crise ideológica, desânimo, falta de perspectiva, incapacidade de reação e de encantamento diante das dificuldades do momento, dos desafios do futuro, dúvidas e divisões sobre o caminho a seguir. Isto se supera com intensificação do processo de formação, debate político, ampliação de pequenas iniciativas e lutas concretas, gestos de indignação (exemplo do Padre Lancelotti quebrando pedras), e protagonismo intenso da juventude dos movimentos e organizações populares e de esquerda na militância. E o desafio de retomar o debate de programa, de estratégia, ir além da projeção de táticas dispersas e é fundamental também para a reconstrução imediata.
4 – Preço dos Alimentos
Temos prestado uma atenção especial a este elemento da conjuntura. É nossa praia. Somos um Movimento de gente que produz alimentos e faz disso sua razão de ser e de viver.
O que se observa é uma tendência de aumento dos preços, porque a produção de alimentos de consumo popular não aumentou e não vai aumentar porque o agronegócio vai continuar produzindo soja e milho (os preços são compensadores) e o governo não constrói nenhum programa de apoio à agricultura camponesa. Uma pesquisa DIESE (Departamento Intersindical de Estudos Sócio-Econômicos) informa que a Cesta Básica nas capitais custa mais de 60% do salário mínimo. Inflação dos alimentos em janeiro foi superior a 1% enquanto a inflação geral foi de 0,25%.
É provável que nos próximos meses outros alimentos tenham forte elevação de preços, principalmente os industrializados que são dependentes de milho, soja e petróleo. A soja e o milho tendem a ter pressão de demanda externa, demanda para uso como combustíveis e demanda para uso na fabricação de ração, portanto, preços ainda maiores destes produtos deverão ser observados em 2021, isso afetará toda a cadeia de alimentos que utilizam os subprodutos do milho e soja na fabricação, o que afetará duramente o povo trabalhador, que já tem abandonado as frutas e verduras.
5 – Preços do Gás de Cozinha e dos Combustíveis
E vem aí a inflação do gás e dos combustíveis. Os preços internacionais do petróleo voltaram a subir. Estão no patamar de 60 dólares ao barril e com tendência de alta.
O Brasil, desde Temer, vem diminuindo a produção interna, enfraqueceu a Petrobrás, está privatizando refinarias, distribuidoras, oleodutos e poços de petróleo.
Passou a importar combustíveis. Alinhou os preços internos aos preços internacionais.
O real foi desvalorizado e importar custa cada vez mais caro.
O preço do gás de cozinha, gasolina e diesel passaram a ter aumentos constantes e sinais claros de que isto vai continuar.
A alta do diesel impacta em todas as cadeias produtivas, principalmente, transporte e agricultura. Piora ainda mais a situação do povo.
Combustível caro torna rentável a produção de óleo combustível a partir da soja e etanol de milho, impactando assim uma vez mais os preços dos alimentos.
6 – Os Crimes e as Crueldades da Lava Jato
Com as revelações recentes, estão ficando cada vez mais claros os crimes e as crueldades da Lava Jata e seus reais objetivos: destruição da Petrobrás; destruição de empresas estratégicas; desindustrialização do país; destruição de milhões de empregos; golpe contra a democracia; destruição de direitos na previdência, direitos trabalhistas, redução de recursos na saúde e educação; desmonte dos instrumentos e dos recursos para a agricultura camponesa. Por fim: Temer, a condenação fraudulenta de Lula e a eleição de Bolsonaro.
7 – Sobre o Vírus e Vacinas
Esta área também exige atenção do nosso Movimento. O Brasil apresenta baixa capacidade de produção de vacinas em alta escala, o que vai prolongar o tempo de vacinação de toda a população. Além disso, há novas variantes do vírus e não se sabe muito sobre a eficácia das vacinas para as variantes do vírus que tem surgido em vários pontos do mundo. A verdade é que pouco se sabe, ainda, sobre esta doença. Não é só uma doença respiratória, não ataca só o pulmão. O padrão de transmissão é diferente de qualquer outro vírus conhecido. Pouco se sabe sobre suas variantes, como se formam, porque é tão mutante. Poderemos ter surpresas no horizonte e precisamos estar atentos e preparados.
8 – Tarefas da Militância em relação à Pandemia
1 – Vacinar os grupos de riscos – idosos e doentes.
2 – Continuar com medidas de proteção e cuidado: usar máscara, evitar aglomerações, álcool gel, lavar as mãos, reforçar a imunidade.
3- Conduzir processos de educação popular sobre saúde, alimentação, uso da fitoterapia e homeopatia e vida saudável.
9 – Pautas Unitárias
– Vacina gratuita para toda a população através do SUS.
– Prorrogação do Auxílio Emergencial de R$ 600,00 até o fim da pandemia.
– Alimento na mesa do todo o povo.
– Emprego e renda.
– Fora Bolsonaro.
10 – Posição do MPA e nossas tarefas para a construção estratégica
Manter nossa militância informada e animada, convicta e atuante na construção das tarefas táticas e estratégicas, com trabalho nos territórios, acumulando para a construção do poder popular.
Construir nos estados e nacionalmente o Plano de Ação do MPA, preservando nossa organicidade e o funcionamento das instâncias.
Dar continuidade ao processo de formação da militância, da direção e da base social, aprofundando o debate da estratégia.
Marcar presença nos territórios
Formular, a partir da base, uma pauta de reivindicações para que esta seja uma ferramenta de trabalho com o povo.
Continuar e ampliar as ações e a dimensão organizativa da Campanha Mutirão Contra a Fome, vinculando o debate da fome com os sistemas de produção de alimentos e o abastecimento popular.
Ampliar nosso trabalho com as sementes crioulas e a luta pelo acesso às mesmas.
Participar ativamente dos espaços de luta, participação e alianças, em âmbito regional estadual e nacional, das frentes de esquerda, das pautas comuns e da campanha Fora Bolsonaro, com desdobramentos de ações e atividades nos territórios. Neste processo propor sempre a necessidade do debate do programa e da estratégia da esquerda, da unidade política e construção de frentes com pautas comuns e fora Bolsonaro.
Construir relação para políticas públicas com os municípios, pautar programas para agricultura, abastecimento popular, cultura, mulheres, saúde popular, entre outros.
Consolidar e ampliar relações e alianças com os movimentos urbanos.
Cuidar da vacinação dos grupos de risco da nossa base.
Construir em nossos territórios as lutas táticas da conjuntura: Renda Emergencial, Vacina para todos/as, Alimento Acessível, Emprego e Fora Bolsonaro.
Luta pela derrubada do veto da lei Assis Carvalho.
Defender o SUS como instrumento de saúde pública.
DIREÇÃO NACIONAL DO MPA
Salvador, Bahia, 17 de fevereiro de 2021.
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