14 de maio de 2020
Reunidos através de uma plataforma virtual, dirigentes de movimentos sociais, sindicatos e entidades organizadas em torno da agricultura familiar, da reforma agrária, dos povos e comunidades tradicionais, da agroecologia e da soberania alimentar apresentaram à sociedade brasileira, nesta quarta-feira (13), um conjunto de propostas emergenciais para lidar com os efeitos da pandemia de covid-19. São medidas para recuperar a capacidade produtiva e retomar uma política de abastecimento para reconstituir os estoques de alimentos e enfrentar a ameaça de agravamento da fome que se anuncia diante desta crise. Ao todo são 26 organizações que subscrevem o documento original, já disponível para download.
Elisângela Araújo, da secretaria agrária do Partido dos Trabalhadores (PT), relembrou na abertura da transmissão que o documento apresentado sintetiza pautas que já vêm sendo trabalhadas por cada organização individualmente, em ações e campanhas próprias. “São ações voltadas a esse momento de pandemia, mas também servem para fortalecer a nossa luta no campo”, frisou. A Plataforma Emergencial do Campo, das Florestas e das Águas, em Defesa da Vida e para o enfrentamento da Fome diante da pandemia do coronavírus resultou de um trabalho de cerca de um mês de conversas, debates e formulações, estabelecida a partir de um processo participativo no conjunto das organizações.
“Precisamos que a sociedade compreenda e conheça quem realmente produz alimento, quem realmente pode resolver o nosso problema da soberania e da segurança alimentar desse país, que é a agricultura familiar e camponesa e as populações do campo, das águas e das florestas”, acrescentou Araújo, relembrando que hoje esses mesmos povos, além de enfrentar os desafios da produção de alimentos, estão também na vanguarda da defesa da vida e da democracia.
Marcos Rochinski, da coordenação geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf Brasil), também destacou a importância dos demais segmentos reconhecerem o papel da agricultura familiar e camponesa e abraçar os pontos abordados no documento como pautas suas. “Ficar em casa na propriedade do agricultor familiar ou no assentamento da reforma agrária, significa continuar produzindo alimento para sustentar a sociedade brasileira. O agricultor não tem como deixar de tirar o leite da vaca, de arrancar a mandioca, de cultivar e dar andamento as suas atividades”, destacou.
Outro ponto destacado por Rochinski é a consciência de classe do agricultor e da agricultora familiar, que neste momento de crise estão prontos a fazer valer a importância estratégica de sua atividade para a sociedade brasileira, garantindo que logo à frente não estejamos sujeitos ao desabastecimento e ao aumento de preços. “Assim como é necessário garantir a preservação da saúde, é de fundamental importância que nós preservemos as condições objetivas para esses povos continuarem seu processo produtivo, tendo inclusive garantia da logística de escoamento, para que a sua produção continue alimentando a população brasileira”, afirmou, ressaltando as três etapas do processo, partindo da produção, passando pelo abastecimento e chegando até a consolidação da segurança alimentar.
Pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), quem se manifestou foi a secretária-geral Carmen Foro, afirmando a necessidade de se garantir dignidade aos povos que vivem no campo e produção de alimentos saudáveis para as demais parcelas da sociedade que vivem preocupadas como abastecimento e o preço do alimento. Relembrando os momentos de enfrentamento à fome, no passado recente, e as políticas públicas oportunizadas nos governos Lula e Dilma, depois desconstituídas quando o governo passou a ser tutelado por Temer e Bolsonaro, afirmou a tristeza de receber no momento atual a notícia da provável volta do Brasil ao mapa da fome.
“Conseguimos construir um documento que expressa a força da agricultura familiar e camponesa e a possibilidade muito clara de articular caminhos para toda a sociedade brasileira”, afirmou Foro. “Nós não somos iguais e ainda bem que não somos”, afirmou a dirigente, destacando que a construção da plataforma emergencial foi também um exercício de unidade e de reconhecimento à diversidade. Por fim, relembrou a necessidade de enfrentar com muita força várias medidas que estão tramitando no congresso nacional – citou como exemplo a 910 – de modo que o somatório de forças na construção do documento comum possa se expressar também possibilitando mais mobilização e pressão.
Para Alexandre Pires, da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), é preciso colocar em evidência a situação de risco a que a população brasileira está submetida com o avanço do vírus que rapidamente está colocando o país em um ranking incômodo, aproximando-se dos cinco que mais têm casos e óbitos registrados (em 13 de maio, os números indicavam mais de 188 mil casos e mais de 13 mil mortos). E mais grave, a realidade pode ser muito pior do que os números, visto que ainda não foi possível fazer uma testagem em massa, gerando forte possibilidade de subnotificação.
“Esta plataforma busca apresentar propostas muito concretas por onde o estado brasileiro deve caminhar e para dar respostas eficientes que ainda não conseguiu e atender as necessidades da população”, pontua Pires. Para ele dois pontos estratégicos são a retomada e o fortalecimento dos programas de aquisição de alimentos (PAA) e de alimentação escolar (PNAE), que foram fragilizados de 2016 para cá, tanto para garantir ao campo condições de produzir alimentos saudáveis quanto para que sirvam de canais de acesso às populações urbanas para que tenham acesso a essa produção. “Queremos que esse documento seja um instrumento dentro da Câmara, do Congresso Nacional e junto aos órgãos de governo que o campo popular ainda mantém alguma possibilidade de diálogo”, completou.
Givania Maria da Silva manifestou-se em nome da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) e colocou em evidência os aspectos de agravamento das desigualdades que a população negra e indígena, de modo especial, estão sujeitas. Nesse sentido ressaltou que o processo de construção da plataforma foi pedagógica para todos e todas, tendo gerado muito aprendizado apesar da impossibilidade de acessar as ruas no momento. “Todos sabem como é duro o marcador racial presente na vida das pessoas e o grau de desigualdades que tem”, afirmou.
Para Silva um aspecto a ser valorizado é a construção coletiva do documento pelas diferentes organizações, fortalecendo laços e aproximando pautas tão diversas. “Esse documento vem com essa capacidade de juntar e fortalecer os laços do campo, das águas e da floresta quando estamos vivendo um momento de pandemia, onde as desigualdades se aprofundam”, acrescentou Silva. Denunciou que quilombolas e indígenas morrem diariamente sem qualquer meio de assistência, de modo que a plataforma emergencial deve ser apropriada por todos como um instrumento de luta. “Pedimos que todos leiam e divulguem esse manifesto, essa plataforma é emergencial, mas também é um instrumento de luta”.
Aristides Santos, da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (CONTAG), expressou a importância da unidade construída em torno do documento e destacou a forma como diversos segmentos têm se manifestado repensando seus processos. “A unidade nunca esteve tão presente e se mostrou importante como agora, com movimento sociais e populares, universidades, oposição e setores da sociedade que estão se mostrando dispostos a repensar o que está acontecendo no país”, refletiu.
“Nossa plataforma dialoga com um conjunto de medidas importantes e ações estruturadoras complementares a política pública, mas tem também representa uma conotação política, chama para a unidade e para o reconhecimento da importância da agricultura familiar e camponesa para a economia brasileira”, afirma Santos. “Não vamos ter cidades desenvolvidas sem o campo dar a sua contribuição, não vamos sair dessa crise se não garantir que os agricultores possam produzir e comercializar”, acrescentou. Para o dirigente está claro que a alimentação é estratégica, sendo necessário que o Estado brasileiro e a sociedade precisam ajudar nesse processo, “juntos temos que construir um caminho para que a produção de alimentos continue e a comercialização aconteça, é preciso focar na alimentação da população”.
A representante da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN), Maria Emília Pacheco, apontou que, apesar da plataforma construída coletivamente ter caráter emergencial, ela se destaca pelos eixos estruturantes que propõe, chegando justamente em um momento em que a pandemia descortina as mais diversas situações de injustiça social. “Precisamos encontrar uma ressignificação do que é uma sociedade pluriétnica, uma sociedade em que os povos e suas comunidades construíram o paradigma do bem comum”.
Pacheco relembra que a situação excepcional que vivemos por conta da pandemia serve também para nos alertar a respeito da artificialização da agricultura e para a financeirização da natureza. Tais aspectos são, para a dirigente, estratégicos para que se possa assegurar alimentação de qualidade, com comida de verdade, com direitos de segurança alimentar e as condições para que se efetivem as mudanças necessárias do sistema alimentar. Afirmou ainda que a agroecologia e a soberania alimentar caminham de forma conjugada com o debate da retomada de direitos essenciais que têm sido atacados e a defesa da democracia.
A Via Campesina – que no Brasil conta com a participação de 14 organizações e movimentos – foi representada por Frei Sérgio Görgen (Movimento dos Pequenos Agricultores, MPA), Michela Calaça (Movimento das Mulehres Camponesas, MMC) e Alexandre Conceição (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, MST). Görgen foi o primeiro a se pronunciar e apontou que a volta do Brasil ao Mapa da Fome é resultado direto do desmonte das políticas públicas de incentivo à produção camponesa, praticada desde o golpe de 2016 e agravada na atual gestão. “Não há produção de alimentos e abastecimento popular em larga escala, em qualquer lugar do mundo, sem apoio do governo, sem políticas fortes do Estado”, afirmou.
“A Plataforma Emergencial para a produção de alimentos saudáveis e abastecimento popular vem em boa hora e deve se tornar uma proposta para envolver e mobilizar toda a sociedade e disputar na Câmara e no Senado recursos e instrumentos para viabilizá-la”, afirmou Görgen, expressando ainda que o documento final apresentado à sociedade brasileira é a contribuição dos Movimentos do Campo, dispostos a produzir alimentos saudáveis e diversificados para evitar o desastre da fome nos grandes centros urbanos. A Via Campesina convoca para a luta contra o vírus e contra a fome, “se a gente não plantar agora, não vai ter comida disponível para o povo em 2021”.
Calaça ressaltou a importância dos segmentos que se mantêm em luta apesar da situação de isolamento social a que todos estão impostos. “Qualquer ação de emergência para salvar a vida do povo precisa contar com dois elementos: o reconhecimento de que todas as políticas pensadas para o rural precisam ter ações específicas para mulheres, jovens, povos e comunidades tradicionais”, apontou a dirigente, explicando que se estes pontos não forem contemplados, as políticas tendem a dar errado. “Outro ponto fundamental é luta pelo Fora Bolsonaro”, acrescenta Calaça, reafirmando que enquanto ele estiver à frente do Poder Executivo, “o parlamento pode fazer belas leis, mas ele não executará, ou fará da pior forma, como está fazendo com o auxílio emergencial que os movimentos e a oposição lutaram para garantir e ele executa de maneira a colocar o povo em risco”.
Conceição procurou trazer para o debate os cuidados que precisam ser tomados em defesa da vida. Uma preocupação do dirigente sem-terra é o avanço do coronavírus no campo, nas pequenas comunidades e nas periferias, sem que se tenha viabilizado condições de atendimento adequadas para as pessoas que vivem e trabalham nesses espaços. Para ele, ao mesmo tempo que se toma posição ativa no enfrentamento aos efeitos do vírus com solidariedade ativa, é preciso de muita organização e participação popular para que se possa interromper as violações que são cometidas diariamente por parte do governo Bolsonaro.
No campo político, o ato teve pronunciamentos do deputado federal Nilto Tatto (Núcleo Agrário da bancada do PT na Câmara dos Deputados), Gleisi Hoffmann (deputada federal e presidente do PT) e Fernando Haddad (ex ministro da Educação). Tatto apontou que o país hoje tem que enfrentar os riscos inerentes à pandemia da covid-19 e também ao “verme” que está na Presidência da República, aludindo a Jair Bolsonaro. No tocante às pautas debatidas pelos povos do campo, da floresta e das águas já há um déficit de políticas públicas que se agravam no momento de pandemia, se fazendo necessário o conjunto de proposições elencadas a partir da plataforma emergencial para que se produza o enfrentamento adequado às crises de saúde, política e crise econômica que acontecem concomitantemente.
Hoffmann colocou em destaque no seu pronunciamento a contradição que representa a reinserção do Brasil no Mapa da Fome da ONU, sendo que o país é tão rico e fértil na produção de alimentos. “O lançamento dessa plataforma é um marco para afirmar dentro da crise que nós estamos vivendo quais são as propostas das organizações que representam a agricultura familiar e camponesa”, apontou. Para a deputada está claro que para proteger o povo é preciso ter soberania alimentar, e para ter soberania alimentar é preciso fortalecer a agricultura familiar e camponesa, defender o agricultor e a agricultora e políticas públicas estruturadas para o setor.
Fechando as falas, Haddad alinhavou a reflexão relembrando as experiências de fomento à produção de alimentos que foram desenvolvidas no Brasil até 2016 e que foram desconstituídas, mas seguem sendo utilizadas como referência pelas Nações Unidas em diversos países onde a fome precisa ser enfrentada. Quanto à plataforma emergencial proposta pelos movimentos e organizações, expressou apoio total e associou a produção e o acesso aos alimentos como elemento estratégico no momento de crise social e de enfrentamento aos riscos da pandemia. “Sem produção de alimentos não teremos solução para o país, precisamos de um governo que dialogue com os movimentos sociais, que abra as portas dos palácios para ouvir o povo e construir a muitas mãos as políticas públicas transformadoras”.
Além destas organizações representadas nos espaços de fala, estiveram presentes e subscrevem os documentos a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), a Rede ATER Nordeste de Agroecologia, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), a Pastoral da Juventude Rural (PJR), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), o Levante Popular da Juventude (LPJ), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a Cáritas Brasileira, a União Nacional das Cooperativas da Agricultura Familiar e Economia Solidária (UNICAFES), a União Nacional das Organizações Cooperativistas Solidárias (UNICOPAS), a Central de Movimentos Populares (CMP) e a Secretaria Nacional de Meio Ambiente e Desenvolvimento do PT.
Para acessar em PDF a “Plataforma Emergencial do Campo, das Florestas e das Águas, em Defesa da Vida e para o enfrentamento da Fome diante da pandemia do coronavírus”, CLIQUE AQUI:
Assista à íntegra dos pronunciamentos dos dirigentes dos movimentos e organizações que participaram do lançamento da Plataforma, em vídeo transmitido pelo canal do Youtube do Partido dos Trabalhadores:
Marcos Antonio CorbariBrasil de Fato | Porto Alegre (RS)Edição: Marcelo Ferreira
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