26 de julho de 2025
Missão Josué de Castro entrega Carta Política ao Governo da Bahia em defesa da soberania alimentar
Documento elaborado durante seminário propõe ações concretas para o combate à fome e o fortalecimento da agricultura familiar e da agroecologia. Confira abaixo a íntegra da Carta Política.
Fonte: SASOP – Agroecologia e Direitos
A Missão Josué de Castro deu um passo importante na Bahia com a realização do seu primeiro seminário estadual, entre os dias 23 e 25 de julho, no Instituto Anísio Teixeira (IAT), em Salvador. O evento foi encerrado na manhã desta sexta-feira (25) com um Ato Político de entrega da Carta Política da Missão, que contou com a presença de representantes do governo estadual, parlamentares, conselhos de políticas públicas e organizações da sociedade civil.
A Carta Política da Missão Josué de Castro na Bahia reúne propostas e compromissos voltados à Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (SSAN) e reafirma a urgência de políticas públicas que garantam abastecimento alimentar, acesso à terra, valorização das sementes crioulas, produção agroecológica e fortalecimento da agricultura familiar.
“O primeiro desafio é manter esse espírito que foi construído durante o seminário”, afirmou Leomárcio Araújo, do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), durante o ato de encerramento. “Fazer com que essa carta ganhe um aspecto de plano de ação da Missão Josué de Castro é um desafio no próximo período. A missão não trata apenas da fome como ausência, mas propõe uma nova perspectiva: a valorização do alimento como direito e da soberania alimentar.”
Presenças e articulação institucional
A mesa do ato contou com a participação da Superintendência de Inclusão e Segurança Alimentar da Seades, representada por Fernanda Silva; do coordenador-geral do Programa Bahia Sem Fome, Tiago Pereira; da presidenta do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA-BA), Débora Rodrigues; do deputado estadual Marcelino Galo (PT); e do superintendente de Agricultura Familiar, Mazinho Carneiro.
“Esse é um momento histórico. A Missão Josué de Castro representa uma mobilização coletiva em torno de um dos maiores desafios do nosso tempo: garantir comida de verdade no prato de todos os baianos e baianas”, destacou Tiago Pereira, coordenador do Bahia Sem Fome.
Para o coordenador executivo da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), Cícero Félix, a construção da carta é fruto de um processo intenso de escuta e articulação:
“Realizamos três dias de trabalho intenso para compreender a realidade da fome e pensar estrategicamente como a missão pode se concretizar no estado. Apresentamos compromissos da sociedade civil e propostas para o governo. A mesa política foi receptiva ao documento e se comprometeu em apoiar essa estratégia, com o alimento como elo central para enfrentar estruturalmente a fome, a pobreza e a extrema pobreza.”
Um espaço de articulação política
A realização do seminário ocorre em um contexto de recrudescimento da fome e das desigualdades no Brasil, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. Para os participantes, discutir soberania alimentar é essencial para enfrentar as causas estruturais da insegurança alimentar.
“Discutir soberania alimentar é discutir o direito dos povos de produzirem e consumirem seus próprios alimentos. Isso passa por políticas públicas, mas também por vontade política e articulação social”, afirmou Carlos Eduardo de Souza Leite, coordenador do SASOP e integrante do Núcleo de Coordenação da Articulação de Agroecologia da Bahia (AABA).
A programação do seminário contou com mesas de debate, trabalhos em grupo, sistematização de diagnósticos territoriais e definição de estratégias conjuntas. A Carta Política representa, agora, um marco para que a Missão avance com ações nos territórios e dialogue de forma permanente com o poder público.
“Reconhecemos no Bahia Sem Fome a principal mediação entre a Missão e o governo estadual, e esperamos que esse diálogo fortaleça as políticas públicas já em curso e amplie os espaços de participação popular na construção de soluções permanentes para o combate à fome”, reforçou Leomárcio.
Sobre a Missão Josué de Castro
A Missão Josué de Castro é uma articulação nacional inspirada na obra do médico, geógrafo e político Josué de Castro, pioneiro na denúncia da fome como problema político e estrutural. A Missão reúne organizações populares, pesquisadores, gestores públicos e movimentos sociais para construir estratégias de enfrentamento à fome, promoção da alimentação adequada e saudável, e fortalecimento da soberania alimentar nos territórios.
CONFIRA ABAIXO A ÍNTEGRA DA CARTA POLÍTICA:
CARTA POLÍTICA:
1º Seminário da Missão Josué de Castro na Bahia
Missão Josué de Castro: transição de sistemas alimentares.
A Missão Josué de Castro é uma construção coletiva, plural e nacional, que reúne organizações, articulações e movimentos sociais de todas as regiões e biomas brasileiros. Essa iniciativa busca mobilizar mais de 1 milhão de famílias, tanto do campo como da cidade, na transição ecológica dos sistemas alimentares, garantindo o acesso à comida saudável para 5 milhões de brasileiras e brasileiros. Na Bahia, a Missão está sendo conduzida por importantes organizações com significativa presença política e atuação no campo e na cidade, como o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA), o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), a UNISOL, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a Articulação de Agroecologia na Bahia (AABA), a Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional (FASE) e o Grupo Geografar/UFBA.
A Missão Josué de Castro nasce em resposta a um cenário de crise climática, acentuado pela perda da biodiversidade, da transição geopolítica à multipolaridade e do aumento das desigualdades sociais. Esses desafios contemporâneos foram agravados pelas políticas dos governos de destruição nacional entre 2016 e 2022, que aprofundaram as políticas econômicas neoliberais e conduziram o desmonte de importantes políticas públicas voltadas à segurança alimentar, energética e hídrica. Neste contexto, a extinção de órgãos estratégicos, como o CONSEA e o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), junto ao enfraquecimento financeiro de programas essenciais como o PAA, o PNAE e os estoques públicos da CONAB, trouxe consequências devastadoras. Esse desmonte impactou diretamente a produção camponesa e aumentou a insegurança alimentar, resultando no retorno do Brasil ao mapa da fome e na intensificação da desigualdade social.
A eleição do governo Lula em 2022 e a continuidade do Governo do PT na Bahia trouxeram novamente perspectivas de melhoria significativa na qualidade de vida para milhares de trabalhadoras e trabalhadores. Esses governos adotaram políticas como o incentivo à alimentação adequada e saudável, as cozinhas solidárias nas cidades, a construção de tecnologias de captação de água, assistência técnica para a agricultura familiar e camponesa e a participação ativa da sociedade na proposição e implementação de políticas públicas.
A transformação dos sistemas alimentares é reconhecida pela ciência e pela FAO como um desafio permanente. Como exemplo, a fome, enquanto indicador mais brutal de um sistema alimentar injusto hegemonizado pelo agronegócio, evidencia esse drama. Atualmente, em torno de 8.7 milhões de brasileiros(as) enfrentam a fome, sendo que, na Bahia, a fome ainda afeta cerca de 833 mil de trabalhadoras(es). A fome não é neutra. Ela tem cor, gênero e endereço, avançando sobre as casas das mulheres, da população negra, rural, periférica e nordestina, revelando os profundos desafios impostos tanto no campo quanto na cidade.
Neste contexto, o III Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (2025-2027) reforça que a superação da fome e a garantia da alimentação como direito devem ser encaradas como tarefas contínuas, que não combatam apenas os efeitos imediatos da fome, mas os determinantes estruturais das diferentes formas de insegurança alimentar e nutricional. Ele aponta que a fome não deve ser vista como um fenômeno contingente, mas resultado de processos socioeconômicos e ambientais complexos. Tais processos precisam ser transformados por meio de ações políticas integradas e transformadoras.
Essa visão coincide com o diagnóstico da Missão Josué de Castro, que propõe inaugurar uma nova etapa nas políticas públicas voltadas à segurança alimentar combinadas à transição agroecológica, o abastecimento popular de alimentos e o programa cozinha solidária no quadro de uma organicidade ativa entre sociedade civil e Estado. Desta etapa devem emergir ações cada vez mais sistêmicas, estruturantes e emancipatórias, capazes de enfrentar os desafios atuais. Nesse contexto, a transição dos sistemas alimentares surge como fator estratégico tanto para o combate à crise climática e à perda de biodiversidade, quanto para a redução da fome, das desigualdades sociais e das pressões sobre a saúde pública.
Reunidos/as no 1o Seminário da Missão Josué de Castro na Bahia, entre os dias 23 a 25 de julho, em Salvador, o conjunto das organizações, articulações e movimentos aqui presentes pauta o compromisso do Governo do Estado com o processo de construção da Missão Josué de Castro na Bahia e, movidos pela força material e simbólica do alimento, apresentamos as ações prioritárias para contribuir para a transição dos sistemas alimentares e o enfrentamento da fome, ancorando-se em estratégias de fortalecimento da participação social e da agricultura familiar e camponesa, de abastecimento alimentar, hídrico e energético. Essas ações dialogam diretamente com políticas públicas estruturantes e buscam potencializar a convivência com os biomas, fortalecendo, assim, as capacidades socioeconômicas do estado da Bahia e a soberania alimentar para o povo baiano.
Neste caminho, temos como propostas iniciais e prioritárias da Missão:
1) Monitorar as ações oriundas do III Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional, Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica (PLEAPO), da Política Estadual de Convivência com o Semiárido e da Política Nacional de Abastecimento Alimentar (PNAAB) e do Programa das Cozinhas Solidárias, com vistas a garantir o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) e saudável e a soberania alimentar, assim como os orçamentos correlatos a estas políticas;
2) A Missão entende que há uma insuficiência de dados sistematizados e disponíveis sobre a produção e abastecimento alimentar pela agricultura familiar e camponesa na Bahia, com vistas a orientar as políticas públicas. Sendo assim é necessário o esforço dos órgãos públicos para sanar esta debilidade;
3) Fortalecer os processos de comercialização nos territórios rurais e urbanos, apoiando iniciativas produtivas que nascem das comunidades rurais e urbanas, garantindo o escoamento da produção através de mercados locais, feiras populares, redes solidárias, programas públicos (PAA, PNAE), mercados populares, aproximando quem produz de quem consome, desenvolvendo, neste processo, estratégias de abastecimento alimentar nos territórios;
4) Ampliar e qualificar a produção agroecológica nos territórios, garantindo a diversidade, a recuperação ambiental, as práticas sustentáveis e segurança alimentar e nutricional com base nos modos de vida e saberes tradicionais, afirmando a agroecologia como prática transformadora e protagonizada pelos territórios, com centralidade nas mulheres, juventudes, população negra, povos e comunidades tradicionais e povos originários;
5) Reconhecer a importância da reforma urbana e agrária popular e da luta pela terra e território, reafirmando a identidade e os direitos dos povos do campo, das águas e das florestas, reconhecendo sua diversidade étnico-racial, cultural e territorial, fortalecendo suas formas de vida, produção de alimentos, organização e resistências diante das ameaças das grandes empresas de mineração, energia (hidrelétrica, eólica, solares), agronegócio e outros;
6) Fortalecer a reflexão rumo a construção de uma Política Estadual de Abastecimento Alimentar e a Política Estadual de Agricultura Urbana e Periurbana na Bahia à luz dos marcos nacionais e desafios estaduais;
7) Reconhecer as mudanças climáticas como uma das questões centrais do nosso tempo e afirmar que a transição dos sistemas alimentares e energética devem ser construídas a partir dos territórios, com participação popular, justiça social e climática, valorizando a convivência com os biomas;
8) Fortalecer os processos de participação social, ativa e popular na construção das políticas e programas públicos. Destaca-se a importância de debater com a sociedade a criação de um fórum interconselhos;
9) Incentivar a inovação tecnológica e pesquisa contextualizada à realidade da agricultura familiar e camponesa.
Instituto Anísio Teixeira (IAT), Salvador – BA, 25 de julho de 2025.
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