14 de maio de 2023
Nicolau Soares
Brasil de Fato | São Paulo (SP)
Garantir a continuidade da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Combate à Fome (MDA) é um passo central para a reestruturação das políticas de apoio à reforma agrária. Além disso, a manutenção também serve para aquela que tem sido sempre lembrada como prioridade pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): o combate à fome. A estatal, no entanto, é alvo da cobiça do agronegócio, que pressiona por seu retorno à esfera do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA).
Essa foi uma das tônicas das discussões do seminário “As Políticas Públicas e a Reforma Agrária Popular”, realizado na tarde desta sexta-feira (12), na Feira Nacional da Reforma Agrária do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que acontece no Parque da Água Branca, em São Paulo.
“Temos que lutar para que a Conab fique no MDA. Conab é nossa referência, nossa força para garantir que o abastecimento chegue, por toda a sua capilaridade em todos os estados”, defendeu Fornazieri, Secretário de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar do MDA, em sua participação no evento.
Presente em todos os estados brasileiros, a empresa conta com 64 Unidades Armazenadoras (armazéns, silos, graneleiros etc), capazes de estocar produtos agrícolas para garantir o suprimento alimentar da população. Essa capilaridade é fundamental para a execução de programas que ajudam a garantir a segurança alimentar dos brasileiros, como o PAA e o PNAE.
Os estoques geridos pela estatal são responsáveis pela política de controle de preços de produtos agrícolas, abandonada por Bolsonaro – o que ajudou a impulsionar o preço dos alimentos, que cresceram muito acima da inflação média nos últimos anos.
“A Conab tem a missão de levar comida para quem precisa, seja como cesta de alimentos, seja pela compra de estoques. Todo mundo deve estar lembrando o que aconteceu em 2020, 21, quando o preço do arroz foi lá para as alturas e o povo pobre deixou de comer arroz, que é uma mudança na cultura das pessoas”, relembra Fornazieri.
Lenildo Moraes, diretor executivo de gestão de pessoas da Conab, explica que a estatal hoje está passando por uma “profunda reformulação”, após sucessivos ataques sofridos durante o governo Bolsonaro. “A gente passou por esses tempos nebulosos, um processo de extinção. A Conab estava no programa de privatização do governo anterior”, lembra Lenildo.
De fato, a presença da empresa no território já foi ainda maior: eram mais de 90 unidades, antes do governo Bolsonaro, que tentou privatizar e acabou desativando 27 ainda em 2019. Em 2022, colocou 124 imóveis da empresa no programa de privatização, o que foi barrado pela vitória de Lula.
Entre os despachos assinados por Lula no dia de sua posse, estava um que retirou oito empresas públicas do programa de privatizações e concessões – entre elas, a Conab.
No mesmo dia, Lula também definiu a mudança de casa da Conab, que deixou o MAPA e passou para o MDA, consolidando seu papel como parte da estrutura de garantia da soberania alimentar.
No entanto, o agronegócio não engoliu bem a mudança, e atua para trazer de volta a empresa para a órbita do MAPA, tradicionalmente sob sua influência. As pressões começam na bancada ruralista e chegam até o próprio governo. No último dia 3 de maio, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro defendeu o retorno da Companhia para sua pasta, durante reunião com a Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), nome oficial da bancada ruralista.
“Não existe Ministério da Agricultura sem uma companhia de apoio à comercialização, não existe Secretaria de Política Agrícola sem um braço operador de apoio às políticas públicas”, disse Fávaro. “Não estou conspirando contra o governo, estou pondo uma posição técnica importante para o bom andamento da política agrícola brasileira”, completou.
O carro chefe entre as ações cuja operacionalização depende da Conab é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – também alvo do desmonte promovido pelos governos Temer e Bolsonaro.
“Se perguntarmos para cada feirante que está aqui, seja de cooperativa, associação ou iniciativa própria, ele um dia entregou para o PAA, para o PNAE, ou ainda entrega. Ele organizou a produção para entregar ao mercado institucional, que permitiu que ele estivesse hoje aqui”, afirmou Milton Fornazieri, Secretário de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar do MDA, em sua participação.
A queda do orçamento ilustra o sufocamento do programa. Em 2012, no governo de Dilma Rousseff (PT), o PAA teve R$ 587 milhões em recursos. Em 2019, primeiro ano de Bolsonaro, o valor foi de R$ 41,3 milhões, apenas 7% do anterior.
Em 2020, o orçamento foi turbinado pelos recursos emergenciais no contexto da pandemia de covid-19, chegando a R$ 500 milhões, mas apenas R$ 291,9 milhões foram efetivamente executados pelo Ministério da Cidadania. O valor voltou a cair a partir de 2021, quando o orçamento foi de R$ 135.
O desmonte chegou ao limite no orçamento proposto por Bolsonaro para 2023, que previa apenas R$ 2,6 milhões para o programa.
Segundo Fornazieri, o impacto do sufocamento do PAA e outras políticas de compras governamentais, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), foi sentido fortemente entre os pequenos produtores. “Nos últimos 7 anos, perdemos um grande número de cooperativas, que haviam sido criadas por incentivo das compras governamentais”, ele explica.
Resgatar esses pequenos produtores é uma das metas do MDA. Para Ana Terra, do instituto de Políticas Públicas e RI da UNESP, o caminho passa por incluir entre as prioridades das políticas agrárias do governo o fomento ao que chamou de “comércio justo”, exemplificado no nos programas de compras governamentais. “O PAA foi esse grande aprendizado, que a gente precisa remunerar bem nossos agricultores”, explica.
“Temos que dar conta de alimentar 33 milhões de pessoas. É para esse povo que a gente tem que produzir e garantir que esse agricultor vai ser muito bem remunerado”, defende Terra, para quem é preciso “encurtar distância entre o agricultor e a população que precisa”.
Diversidade e participação
Com a PEC da Transição, o governo Lula conseguiu garantir R$ 500 milhões para a retomada do programa, que voltou a se chamar PAA.
De acordo com Lenildo Moraes, diretor executivo de gestão de pessoas da Conab, o programa retorna com novidades, como prioridade para projetos apresentados por mulheres, jovens, negros, populações indígenas, quilombolas e assentados da reforma agrária, além da produção agroecológica.
“Nessas linhas prioritárias, os recursos serão garantidos pela Conab”, afirma Moraes. “O PAA tem essa lógica. Contribuir com a renda do campo, as pessoas melhoram de vida, mas faz também com que a gente melhore a segurança alimentar, porque tem muita gente passando fome, sobretudo na periferia das grandes cidades.”
Ele destaca também a importância de um trabalho de mobilização social com os beneficiários desses programas. “É muito importante que as pessoas melhorem de vida, se alimente, comam, mas elas precisam saber como aquele alimento chegou ali. Precisamos dialogar com a sociedade sobre as políticas públicas que estamos construindo. Inclusive para ter a defesa das nossas políticas públicas em uma necessidade, o que não aconteceu em 2016”, defende.
Segundo Keli Mafort, da secretaria Nacional de Diálogos Sociais e Articulação de Políticas Públicas da secretaria geral da Presidência da República, o fomento a participação e organização popular é uma diretriz do governo Lula. “Governo é curto, então é importante a gente fazer as entregas deixando um processo organizativo, para que esses programas e políticas não dependam de um governo, mas tenham apoio e sejam o projeto de um povo”, defende.
Parte desse esforço aparece na criação do Sistema Interministerial de Participação Social e Diversidade, um assessoramento para esses temas presente em todas as pastas e coordenado pela SGPR. “Temos garantia de técnicos pensando em como receber o povo, independente de quem esteja à frente do ministério”, explica.
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