8 de julho de 2016
Alvo de polêmicas desde seu lançamento, o programa Mais Médicos completa três anos nesta sexta-feira (8) e, apesar da avaliação positiva da população beneficiada e de órgãos internacionais, ainda sofre ataques e pode ser descaracterizado pelas mudanças propostas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) ao Ministério da Saúde.
No final do mês passado, membros do órgão que representa a classe médica participaram de uma reunião com o ministro interino, Ricardo Barros, e reivindicaram que o programa aceite apenas médicos brasileiros. Antes do encontro, Barros já havia sinalizado ser a favor da mudança. A medida, no entanto, é um dos principais riscos à continuidade do programa.
Atualmente, a participação de profissionais estrangeiros é essencial para o atendimento das regiões mais vulneráveis do país, onde 99% do contingente médico que atende os distritos indígenas e o maior grupo nos municípios com mais de 20% da população em extrema pobreza são cubanos, segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS). Os profissionais do país caribenho são os principais alvos das críticas, xenofobia e racismo em torno do programa.
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No total, o Mais Médicos hoje beneficia 63 milhões de pessoas em 4.058 municípios de todo o país, reduzindo as filas de espera em 89%, segundo o Grupo de Desenvolvimento da ONU.
A OPAS aponta que o programa é responsável hoje por “um aumento significativo na disponibilidade de médicos” no atendimento básico de saúde do país, com aumento de 33% na média de consultas por mês e de 32% nas visitas de médicos a domicílios, registrando uma satisfação de 95% da população atendida no âmbito do programa. A maioria conta com o trabalho de médicos estrangeiros, que somam 73% do total de profissionais participantes.
Segundo pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Instituto de Pesquisas Sociais e Políticas e Econômicas de Pernambuco com 14 mil usuários em quase 700 municípios do país, 95% dos usuários estão satisfeitos ou muito satisfeitos com o atendimento dado pelos médicos do programa.
Formação
Antes de ser afastada do cargo, a presidenta Dilma Rousseff publicou uma Medida Provisória (MP) prolongando por mais três anos a permanência dos profissionais estrangeiros no país, já que a lei que instituiu o programa dava prazo para que eles atuassem no Brasil sem revalidar seus diplomas. Caso a MP não seja aprovada em 120 dias, os médicos estrangeiros terão que interromper suas atividades.
Logo após a posse dos ministros interinos do governo interino de Michel Temer, a Saúde divulgou afirmando que o Mais Médicos seria mantido e que os médicos estrangeiros poderiam atender em locais onde os profissionais formados no país não quisessem atuar.
Mas, 65 dias depois de ser promulgada, a MP ainda está sendo avaliada por uma Comissão Mista no Senado, onde 28 emendas ao texto original foram propostas. Algumas delas, na avaliação do professor da Universidade Federal da Paraíba e um dos supervisores do programa Felipe Proença, são capazes de descaracterizar o programa, que, além do atendimento emergencial, prevê a estruturação de atendimento e a criação de novos parâmetros para a formação médica.
“Tem um projeto que foi aprovado na Comissão de Seguridade Social que volta à lógica antiga de criação de cursos de Medicina, em que deputados ou os prefeitos acham que têm que abrir o curso lá, independentemente da necessidade social, se o local tem condições, ou se já existem muitos médicos [na região]. O projeto de lei retira toda a regulamentação que o Mais Médicos fez em relação aos cursos de Medicina e modifica o formato de acesso à residência médica, acabando com a necessidade da área de Medicina de Família, que é área de maior necessidade no Sistema Único de Saúde. Então acho que essa é a primeira grande ameaça que já vinha sendo articulada pelo Congresso desde o ano passado”, pondera.
A implementação do Mais Médicos estabeleceu novos critérios para a abertura de cursos, passando a exigir uma proporção de vagas e número de médicos inferiores à média nacional. Isso garante que a abertura de cursos ocorra em locais onde há necessidade. A média nacional de médicos por 100 mil habitantes é 1,95, ou 2,02 levando em consideração médicos com registro em mais de um estado. O Distrito Federal, por exemplo, tem 4,28 médicos a cada 100 mil habitantes e o Maranhão, 0,79. “A instituição privada por si só tende a manter os cursos onde eles já existem, para conseguir mais lucros”, ressalta Proença.
Outro dispositivo ameaçado é que os cursos agora só podem ser abertos em locais onde haja uma avaliação prévia feita pelo Ministério da Edução dos serviços de saúde, como hospitais, postos de saúde e centros de atenção psicossocial da localidade.
Esses critérios foram responsáveis, pela primeira vez na história, por haver mais cursos de Medicina nos interiores do país do que nas capitais. “São critérios que demostram que é possível modificar a distribuição dos cursos e não deixar ao gosto do lucro os critérios para abrir faculdades de medicina. São dois aspectos estruturantes a longo prazo do programa”, pondera.
Recuo
O recuo do Ministério da Saúde, expresso na nota oficial, tem a ver com a pressão feita por prefeitos. O salário dos médicos ligados ao programa é pago pelo Governo Federal e cabe aos municípios apenas o pagamento da alimentação e da moradia dos profissionais oriundos de outras cidades e países.
As cidades mais pobres têm dificuldade para arcar com os pagamentos, por isso apoiam o projeto. Na última segunda-feira (4), durante reunião do Conselho Político da Confederação Nacional de Municípios (CNM), o presidente da entidade, Paulo Ziulkoski, afirmou estar preocupado com a ameaça do fim do programa.
“A saúde, que já é crítica em todo país, ficará ainda pior, pois o programa da Saúde pode desaparecer e os municípios não terão condições financeiras de manter os profissionais de saúde sozinhos”, declarou.
Rotatividade
A dificuldade de pagar bem e manter médicos nas cidades mais pobres, além da alegação de falta de segurança nas periferias das grandes cidades, também impõe uma rotatividade alta de profissionais, o que tem impacto na qualidade do atendimento.
“Eu e os outros dois médicos do programa estamos na UBS [Unidade Básica de Saúde] há três anos. Os pacientes relatam que antes não paravam médicos aqui. Isso faz muita diferença porque a gente já conhece os pacientes, sabe o histórico deles”, afirma a médica recifense Renata Almeida, de 33 anos.
Em função do programa, ela se mudou para Goiânia (GO), onde atende em uma UBS de um bairro periférico, com alta vulnerabilidade social. “Já tivemos enfermeiras agredidas por pacientes drogados, falta materiais. Mas nada disso impede a realização do meu trabalho, que é muito importante”, defende.
“A falta de continuidade atrapalha o médico a conhecer o paciente por inteiro”, pontua Frederico Soares Lima, ex-conselheiro municipal de Saúde da cidade de São Paulo e membro da coordenação da União dos Movimentos Populares de Saúde.
“O Mais Médicos vai na contramão disso porque está mais ligado ao conceito de saúde da família, ao cuidado integral. E os médicos estrangeiros, especialmente os cubanos, têm uma abordagem mais humana do que é cuidar dos pacientes”, argumenta.
Por Gisele Brito, do Saúde Popular
Edição: Camila Rodrigues da Silva
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