23 de novembro de 2021
Mais de 600 pescadores e pescadoras artesanais de 15 estados participarão em Brasília de atividades de mobilizações e incidências políticas durante a semana do Grito da Pesca Artesanal, entre os dias 21 e 25 de novembro. O evento realizado pelo Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais (MPP) tem como tema “Em defesa da vida, dos Territórios Tradicionais Pesqueiros, da Soberania alimentar e da democracia” e ganha contornos políticos ainda mais fortes devido ao recente e excludente processo de recadastramento profissional dos pescadores, promovido pelo governo federal, que tem dificultado o acesso dos profissionais da pesca à regularização da profissão. O recadastramento será um dos temas discutidos durante a semana de atividades, que tem ainda a intenção de analisar a conjuntura dos desafios e resistências das comunidades tradicionais pesqueiras frente às violações de direitos humanos e socioambientais.
Entre as atividades programadas para semana de mobilizações estão a Marcha do Grito da Pesca Artesanal, na Esplanada dos Ministérios, que terá início às 14:30hs do dia 22 de novembro, data em que é celebrada a Revolta da Chibata, mobilização liderada por João Cândido no ano de 1910 e que inspirou o Grito da Pesca Artesanal. Já no dia 24 de novembro, às 13hs, será realizada uma Audiência Pública na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara de Deputados. Na Audiência os pescadores pretendem denunciar o processo excludente de recadastramento que exige recursos como o uso de celular e de acesso à internet.
“O governo impôs, sem nenhuma conversa com os pescadores, um recadastramento totalmente excludente. Um recadastramento que nos obriga a estar de três em três meses fazendo a prova de vida com reconhecimento facial, como se nós fôssemos bandidos”, critica a coordenadora do MPP e pescadora do Ceará, Martilene Rodrigues. O pescador do Amapá e também coordenador do MPP, Florivaldo Rocha, ainda aponta outros problemas relacionados às exigências para o recadastramento. “Boa parte do nosso povo não sabe nem ler, não tem internet, não tem um aparelho de celular. Então é uma dificuldade imensa que está sendo imposta aí ao nosso povo. Alguns estados, mesmo com muita dificuldade, já fizeram alguns (recadastramentos). Mas a maioria dos estados ainda nem começaram devido a essas dificuldades”, denuncia.
O processo de recadastramento é uma obrigatoriedade imposta pelo Estado para os pescadores exercerem a profissão e a dificuldade na realização do processo é apenas a ponta do Iceberg da relação de invisibilidade e de não reconhecimento de direitos que o Estado brasileiro estabelece com os pescadores e pescadoras artesanais há séculos, mas que têm se intensificado nos últimos anos e que por isso tem mobilizado as manifestações do MPP nesse mês de novembro. “Precisamos fazer essas denúncias e trazer para a sociedade e todo mundo que nós existimos, que nós pescamos, que a pesca artesanal existe e que estamos sendo excluídos e exterminados pelo governo com esses grandes projetos e com essas propostas de lei”, critica Martilene.
Os grandes projetos são empreendimentos econômicos que ameaçam e colocam em risco a permanência dos territórios pesqueiros. Resorts, fazendas de carcinicultura, petrolíferas e mineradoras são alguns exemplos. Para assegurar o direito territorial, atualmente tramita na Câmara dos Deputados o PL 131/2020, que regulamenta os direitos territoriais dos pescadores e das comunidades pesqueiras. A transição lenta pela casa (ainda não foi apreciado por nenhuma comissão) revela a dificuldade do Estado brasileiro em reconhecer a importância das comunidades tradicionais pesqueiras e dos profissionais pescadores artesanais para a manutenção dos ambientes costeiros saudáveis e para a soberania alimentar do país.
“Uma das nossas pautas principais aqui é a perda de território para os mega projetos. Está vindo aí a Economia Azul, um mega projeto destrutivo para as nossas comunidades. Então nós estamos perdendo muito”, avalia Martilene Rodrigues. O Projeto Economia Azul ao qual Martilene se refere é um plano da Marinha do Brasil, que ambiciona avançar na exploração econômica dos recursos marinhos da costa brasileira, o que promete uma série de impactos ambientais. Algo que os pescadores e pescadoras artesanais já conhecem de perto. Do rompimento das barragens de rejeitos de minérios da Vale, em Mariana (MG), em 2015, passando por Brumadinho (MG), em 2019, e pelo derramamento de petróleo no litoral brasileiro em 2019, os pescadores e pescadoras artesanais são algumas das principais vítimas dos maiores crimes ambientais que atingiram o Brasil nos últimos anos e a perda dos territórios pesqueiros mostra-se como um fato concreto, que mobiliza a ação do MPP nos seus 10 anos de existência.
Outra preocupação dos pescadores que motiva a mobilização é a dificuldade de acesso aos benefícios previdenciários do INSS, como aposentadoria e seguro-defeso. “Quando a gente fala, por exemplo, de retirada de direitos, a gente começa com aqueles benefícios que são analisados pelo INSS, como o Seguro defeso, benefícios como a aposentadoria, o auxílio maternidade, pensão e que são analisados com uma demora muito grande. E muitas das vezes até negado”, explica Florivaldo Rocha.
“A gente está denunciando o próprio INSS, que tem nos excluído. Que não tem atendido as nossas pautas como o seguro-defeso, a aposentadoria dos pescadores e a gente não tem tido resposta alguma”, reitera Martilene Rodrigues.
Fundado no ano de 2010, o Movimento dos Pescadores e Pescadoras artesanais completou uma década em 2020 e nesse Grito da Pesca Artesanal, há a intenção de avaliar esse tempo de atuação do movimento.
“A nossa luta não é de agora. Não começa com o surgimento da sigla ou movimento MPP. A nossa luta é de muito tempo. Desde o tempo da colonização que os pescadores lutam pelos seus direitos e tem as suas perdas. Mas o balanço que eu faço é que desde o surgimento do MPP e por causa do MPP que nós ainda estamos nos nossos territórios”, avalia a pescadora Martilene que está no movimento desde a sua fundação.
Ela acredita que a Campanha pelo Território Pesqueiro foi um marco importante no fortalecimento do movimento. “Os pescadores ficaram mais empoderados a partir da Campanha. As mulheres estão tendo mais visibilidade na pesca, porque eram invisíveis. Não vou dizer que está 100% visível, mas a pesca das mulheres está mais visibilizada. Então temos toda essa vitória”, comemora.
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