30 de agosto de 2016
Apesar dos números cada vez maiores de casos de câncer em regiões rurais e urbanas próximas a áreas agrícolas com larga utilização de agrotóxicos, inclusive entre crianças, o país que mantém políticas de incentivo aos agroquímicos com isenção de impostos e leis frouxas ainda inova ao permitir a pulverização aérea de venenos.
“O Brasil inovou mais uma vez. O governo agora permite que se jogue o veneno em cima das nossas casas. É uma das coisas mais surpreendentes que vi acontecer no Brasil”, lamentou o médico patologista Paulo Saldiva, especialista em saúde ambiental e diretor do Instituto de Estudos Avançados da USP, na manhã de nesta segunda-feira (29), durante audiência pública na Faculdade de Saúde Pública da USP.
Realizada pela Defensoria Pública da União em São Paulo, Ministério Público Federal, Defensoria Pública estadual até o final da tarde desta terça-feira (30), a audiência discute os riscos dos agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente. Os debates ocorrem em meio ao avanço de projetos de lei no Congresso que revogam a atual lei dos agrotóxicos, permitindo ampliar o uso de venenos. O principal deles é o PL 3200/2015, de autoria do deputado federal Luis Antonio Franciscatto Covatti (PP-RS), ao qual estão apensados diversos outros, como o PL 6.299/2002, de autoria do ministro interino da Agricultura Blairo Maggi, que contêm artigos que revogam a atual lei de agrotóxicos e permitem ampliar o uso e consumo dos agroquímicos no território nacional.
“Estudos mostram que malformações congênitas são oito vezes maior entre agricultores quando comparados com outros grupos populacionais. Temos de propor soluções, não podemos ficar esperando por consensos que nunca vão existir devido a disputas. Temos de reunir as evidências, os pontos em comum de tudo o que foi feito e entregar ao Ministério Público já que não temos no país um Parlamento maduro”.
Século 19
O tom de Saldiva converge para o dos demais palestrantes. Professora de Química da Universidade Federal de Santa Catarina e pesquisadora, Sonia Corina Hess comparou a situação atual, em que a sociedade não recebe informações suficientes e adequadas sobre os impactos dos agrotóxicos à saúde humana e ambiental devido ao uso de agrotóxicos, a meados do século 19, quando a cólera dizimava populações inteiras nos Estados Unidos.
“Em 1830 ninguém acreditava que a cólera vinha da água contaminada por bactérias do esgoto. Só passaram a acreditar em 1884, quando o patologista alemão Robert Koch descobriu a bactéria. A alta incidência de casos de câncer em pleno século 21, devido aos agrotóxicos, corresponde à cólera”, comparou. “A situação só não é pior porque o câncer afeta também os ricos. Com isso o tema é discutido e pesquisado”.
Ela destacou o avanço do câncer em regiões agrícolas, como o noroeste gaúcho, que tem taxa acima da média nacional em mortes pela doença. É a mesma região campeã nacional no uso de agrotóxicos segundo um mapa do Laboratório de Geografia Agrária da USP. O Rio Grande do Sul é o estado com o maior índice de mortalidade devido a doença e o primeiro também em estimativas de novos casos de câncer em 2016 conforme o Instituto Nacional do Câncer (Inca), sendo 588,45 homens e 451,89 mulheres para cada 100 mil pessoas de cada sexo. E mencionou São Paulo, onde vem aumentando o número de malformações.
“Isso acontece porque o Brasil é a maior lixeira do mundo. Tudo o que proibem lá fora em termos de veneno trazem para cá porque a gente deixa. Aqui venenos reconhecidamente causadores de câncer são permitidos e nossas leis são frouxas, permitindo altas concentrações de venenos na água, por exemplo”, disse Sonia Hess.
A “cereja do bolo”, conforme a pesquisadora, é a isenção de impostos à produção e comercialização dos venenos. “Estão isentos de ICMS, PIS, Cofins. A indústria está nadando de braçada”.
Por Cida de Oliveira – Rede Brasil Atual
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