21 de fevereiro de 2018
Pesquisadora da Fiocruz relata os impactos à saúde nas negociações entre o Planalto e a maior bancada do Congresso; venenos proibidos já estão voltando à mesa dos brasileiros.
Nas próximas semanas, o governo Temer promete intensificar as articulações no Congresso para aprovar a reforma da Previdência. As próximas sessões da Câmara serão o termômetro para saber se há condições para votar ou não a reforma no dia 28. O governo precisa de 308 votos para aprovar a reforma. Mas encontra dificuldades com a impopularidade da proposta. Para reverter esse quadro, tenta seduzir a bancada ruralista, responsável direta por impedir o avanço das duas denúncias de corrupção contra Michel Temer, em 2017, e por oferecer os votos necessário para o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
Em troca, a bancada promete atender uma pauta que agrada a maioria dos parlamentares ruralistas: a liberação de agrotóxicos. Segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apresentados recentemente no Supremo Tribunal Federal (STF) para discutir a isenção fiscal do setor agroquímico, o número mortes e intoxicações envolvendo agrotóxicos no Brasil dobrou na última década. Em 2007 foram registrados 4.003 casos de intoxicação, diante de 2.093 apresentados em 2017. Além disso, 164 pessoas morreram devido ao contato com o veneno e outras 157 ficaram incapacitadas para o trabalho.
Para saber mais sobre os perigos e riscos dessa negociação, o repórter Cauê Seignemartin Ameni conversou com Karen Friedrich, pesquisadora da Fiocruz.
De Olho nos Ruralistas – Segundo notícias veiculadas nos últimos dias, a bancada ruralista promete dar os votos necessário para a reforma da Previdência caso o Planalto se comprometa a liberar alguns agrotóxicos. Quais agrotóxicos seriam?
Karen Friedrich – Existem alguns projetos de lei, como o 6299 de 2002, que estão sendo apresentados e defendidos pela bancada ruralista. Esses projetos propõem fragilizar a legislação de agrotóxicos. Hoje a gente tem a lei 7.802 de 1989, com pontos muito importantes que são os principais alvos desses novos projetos legislativos. Um deles tenta abrir a possibilidade de registrar produtos que tenham potencial de causar câncer, malformação fetal, alterações endócrinas, alterações no sistema reprodutivo e mutação no material genético. Hoje em dia, segundo a lei vigente de 1989, agrotóxicos que causem esses efeitos nos testes apresentados pelas indústrias no momento de registro são indeferidos pela Anvisa e os agrotóxicos não são registrados.
Esses testes são semelhantes aos testes para registro de medicamentos, cosméticos e outros produtos. São importantes, mas tem algumas limitações problemáticas: são feitos em animais de laboratório em condições controladas, ou seja, diferentes da condição real da exposição dos trabalhadores aos produtos e das pessoas que consomem os alimentos com agrotóxico. Os animais de laboratório só recebem aquele agrotóxico que está sendo registrado e não a mistura que está sendo autorizada para um alimento. Ou a mistura que a área de lavoura acaba recebendo quando esse agrotóxico é aplicado por aviões, tratores etc. Hoje, há uma preocupação que os agrotóxicos registrados nessa situação de mistura possam causar doenças por causa da limitação dos testes e das misturas.
Além disso, muitos dos produtos foram registrados há muitos anos. Antes mesmo da criação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), quando toda a metodologia já era limitada. O que limitava os resultados para se avaliar um efeito, a patologia de órgão e a própria mutação do material genético e alterações moleculares. No Brasil, utilizam-se produtos problemáticos deste ponto de vista e alguns até proibidos em outros países. Por isso nossa situação já é preocupante. Se essa proposta legislativa que a bancada ruralista está usando como moeda de troca para outras questões for aprovada pode-se acabar com o critério de proibição. Ou seja, o agrotóxico que – naquele teste, já limitado – apresentar o potencial de desenvolver um câncer poderá ser utilizado com outros agrotóxicos que também causam outros problemas de saúde. Quando eles interagirem podem causar outras doenças mais graves. Essa é a preocupação.
A negociação não é de um ou outro agrotóxico especifico, mas da liberação da aprovação de um projeto de lei que propõe acabar com os critérios de proibição de registro. Há outros projetos de lei, como o que tira da Anvisa o poder de avaliação sobre os critérios de saúde, ficando a cargo do Ministério da Agricultura ou de uma comissão técnica como a Comissão Técnica Nacional e Biossegurança (CTNBio). Uma comissão que raramente reprova transgênicos. Ela é feita para avaliar plantas transgênicas, mosquitos transgênicos ou qualquer organismo animal geneticamente modificado. Mas a atuação da CTNBio tem deixado preocupados os pesquisadores da saúde e do meio ambiente. Muitos dos membros que aprovam os transgênicos trabalham ou trabalhavam com empresas desenvolvedoras ou comercializadoras de produtos transgênicos e agrotóxicos. Em outras palavras, o CTFito, que poderia ser criado a partir desses projetos de lei no tema dos agrotóxicos, seria muito semelhante à CTNBio.
O benzoato, que segundo estudos neurotóxicos causa malformação, estaria sendo negociado? Qual mais?
Recentemente a Anvisa aprovou o registro do Benzoato de emamectina. Entretanto, alguns anos atrás, o Benzoato tinha sido reprovado pelo mesmo órgão, pois, nos testes encomendados pela indústria, já apresentava efeitos neurotóxicos muito graves. O que foi publicado pela própria agência na época é que todas as doses e espécies estudadas desenvolveram efeitos neurotóxicos graves. Por isso naquele momento não era possível registrar o Benzoato. Em 2013, com a epidemia da lagarta helicoverpa armigera, que atacou várias lavouras, principalmente algodão, a agroindústria química e fazendeiros apresentaram o Benzoato como solução única. Como em 2013 esse agrotóxico continuava sem registro no Brasil, foi aprovada uma lei de emergência fitossanitária, que permitia no Brasil o uso, em condições restritas, de agrotóxicos aqui não permitidos, somente onde houvesse epidemia de algumas espécies que tinham impacto econômico. Essa lei é um absurdo, porque os interesses econômicos não podem se sobrepor à saúde e ao meio ambiente.
No fim de 2017 foi aprovado o Benzoato de forma definitiva. Para isso, a empresa apresentou à Anvisa novos estudos que inocentaram o Benzoato. Infelizmente a gente não tem acesso a esses estudos e não sabe o que aconteceu com os novos testes apresentados e como os antigos efeitos não foram mais observados. É importante a gente ter acesso a esses estudos, nem que seja um resumo ou uma síntese de como foi conduzido e que tipo de efeitos foram observados ou não. Porque é um direito à informação que todos temos. Além disso, existem pesquisadores no Brasil que também poderiam contribuir com a Anvisa, no sentido de ter uma outra visão sobre esses estudos.
Então é difícil de saber se o Benzoato ou qualquer outro agrotóxico está em algum pacote de negociação porque a gente não tem acesso aos processos de registro, que são muito pouco transparentes. Não sabemos os estudos que são apresentados ou como são avaliados. A população não tem acesso ao que ocorre nos relatórios apresentados pela indústria no momento do registro.
Houve diferença em relação à liberação de agrotóxico no atual governo Temer e nos governos anteriores, de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff?
O que marca muito a diferença entre o governo Temer e os governos Lula e Dilma é a participação social. Hoje a gente sabe que isso está muito mais restrito. Existe um clima no país de criminalização dos movimentos sociais. Existem muitos movimentos sociais do campo que vem desenvolvendo prática de produção orgânica e agroecologia e eles estão sendo criminalizados. O apoio da grande mídia está fomentando esse processo. E isso se acirrou muito no governo Temer.
Além disso, há um estrangulamento das políticas de agricultura familiar que é o tipo de agricultura onde é possível produzir sem venenos. Esse clima, se não está de forma declarada, está de forma velada. Diferente dos governos anteriores que foram eleitos democraticamente.
O governo atual não foi eleito e foi alçado ao poder para defender certos interesses. Quais interesses são esses? No mesmo pacote da legislação de agrotóxicos, temos outras leis, decretos e emendas que estão sendo negociados, como a demarcação das terras indígenas e quilombolas. Elas também são comunidades que vem praticando agricultura saudável com sua tradição e cultura e têm muito a ensinar para a gente como fazer isso preservando a natureza e a biodiversidade. Se todas essas propostas de legislação forem aprovadas a gente não sabe o que vai acontecer com elas.
O licenciamento ambiental também é outra pauta que está tramitando e quer liberar vários empreendimentos. Isso também terá um impacto nas áreas preservadas. Além do orçamento que está sendo restringido nas áreas da saúde, educação e agricultura familiar. Isso tudo faz parte do mesmo pacote onde a liberação de agrotóxicos é um dos componentes.
A bancada ruralista quer modificar a lei 7.802/89, sobre regulamentação de agrotóxicos, para garantir segurança jurídica. Como essa flexibilização impactaria no uso de agrotóxicos?
Esse processo visa acabar com a Anvisa, passando para o Ministério da Agricultura a regulamentação de agrotóxicos. Outra questão é acabar com os critérios proibitivos de registro. Ou seja, agrotóxicos que causem, nos testes mais simples, apresentados pela indústria, câncer, alteração reprodutiva endócrina, malformação fetal e mutação do material genético. Esses agrotóxicos já podem ser registrados no Brasil.
A gente teme também que os agrotóxicos proibidos voltem ao mercado, como o Paraquat, que é um herbicida altamente tóxico, proibido em vários países. O Paraquat foi indicado para proibição do registro pela Anvisa. No entanto, a Anvisa o liberou por mais três anos e alegou que se a indústria apresentar testes que o inocentem, assim como deve ter ocorrido pelo Benzoato, ele pode retornar a ser utilizado.
Temos uma situação no país muito crítica, num cenário geral de crise social, ética e ambiental, onde não só a segurança das pessoas que trabalham e consomem alimentos com agrotóxicos está ameaçada, assim como outras questões que estão sendo negociadas. Trocar veneno por aposentadoria precoce ilustra bem o que o cenário está apontando. Liberação de agrotóxicos, reforma da Previdência, reforma trabalhista, acabar com as terras indígenas, acabar com a reforma agrária, agricultura familiar etc. São perdas muito importantes para o Brasil.
E isso não atingirá somente as pessoas do campo e da floresta. Vai atingir toda a população brasileira. Temos que lutar para que essas propostas não sejam aprovadas e nossos direitos sejam negociados num balcão.
Por Cauê Seignemartin Ameni – De Olho no Ruralistas
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