Depois de uma semana de intensas mobilizações, movimentos camponeses destacam abertura de negociações com governo federal e estadual como primeiras vitórias da jornada de lutas
Segue valendo a velha premissa dos movimentos sociais ligados ao campo: tudo o que o camponês e a camponesa conquistaram historicamente, foi obtido na luta. A frase que norteia milhões de homens e mulheres que dedicam sua vida ao trabalho no cultivo da terra e na produção de alimentos foi reafirmada na última semana com jornadas de luta que mobilizaram o país de norte a sul. O Rio Grande do Sul, em especial, esteve em destaque com o levante camponês que colocou duas mil pessoas na estrada, interrompendo a rodovia que leva ao porto de Rio Grande por dois dias consecutivos. Ali, além das pautas simbólicas em defesa da democracia e pela garantia de eleições livres e diretas em outubro, o que estava em debate eram questões centrais para a própria sobrevivência dos camponeses: ações emergenciais em socorro dos atingidos pela seca na região do bioma Pampa, continuidade do Programa Camponês e retomada das ações da reforma agrária popular.
Em Brasília, na quarta-feira, 18, pela manhã, os dirigentes camponeses Frei Sérgio Görgen (Via Campesina) e Bruno Pilon (Movimento dos Pequenos Agricultores), foram recebidos pelo ministro-chefe da Secretaria de Governo, Carlos Marun, que também é responsável pela coordenação política da presidência. No mesmo dia, à tarde, em Porto Alegre, o secretário-chefe da Casa Civil do Governo do Estado, Cleber Benvegnú, recebeu uma delegação de lideranças ligadas aos movimentos sociais do campo e parlamentares do campo progressista. As mobilizações que vinham se desenvolvendo desde segunda-feira, integrando a Jornada Nacional de Lutas, foram consideradas decisivas para romper a barreira que era imposta pela oficialidade e levava até então a ignorar a pauta de reivindicação apresentada pelo campesinato.
– Em Brasília as negociações começaram a se abrir quando as filas de carretas passaram a aumentar nas estradas trancadas no sul do Rio Grande -, exemplifica Görgen, fazendo menção ao trancamento das estradas pelo ato público executado pelo grupo que contava com a presença de militantes do MPA, MST, Levante Popular da Juventude, metalúrgicos, outros segmentos de trabalhadores urbanos e representações de outros movimentos sociais, além de trabalhadores e trabalhadoras do campo e da cidade desvinculados de organizações formais que aceitaram o chamado para integrar a mobilização.
Resultados: Conforme relato de Görgen e Pilon, Marun informou já ter recebido reivindicações de forma individual de prefeitos e prefeitas dos 42 municípios que foram atingidos pela seca no bioma pampa, da região Sul e de parte da região da Campanha do Rio Grande do Sul. Questionou os dirigentes a respeito da extensão do problema, quantas famílias camponesas prejudicadas e o que o governo poderia fazer, ao que ofi informado que o número ultrapassa as 45 mil famílias atingidas, em um prejuízo que estima-se ultrapassar os R$ 2 bilhões, a maior parte das quais encontrando-se em condições de extrema dificuldade para manter o sustento das necessidades mais básicas e incapacidade de honrar compromissos formais como parcelas de financiamentos e custeios da produção que foi perdida em virtude da estiagem. “A partir dessa primeira conversa os procedimentos ganharam encaminhamentos técnicos, para ministérios e setores específicos que tem poder de gestão para viabilizar as pautas apresentadas”, explica Pilon. Segundo o dirigente, Marun comprometeu-se a apresentar um estudo com cada área de governo para em uma semana dar respostas a cada item apresentado.
MDS: A delegação de lideranças camponesas foi recebida na Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). As reivindicações apresentadas ali centraram-se na demanda de sementes para o próximo plantio, além da solicitação de recursos para programas de instalação de cisternas e abertura de açudes. “Fomos informados que já foi liberado recurso para o Governo do Estado proceder a ocnstrução de 521 micro-açudes na região da seca, inicialmente prevendo o atendimento aos municípios de Amaral Ferrador (26), Camaquã (20), Canguçu (149), Cerrito (58), Chuvisca (19), Dom Feliciano (25), Encruzilhada do Sul (39), Herval (59), Pinheiro Machado (14), Piratini (40), Santana da Boa Vista (55) e São Lourenço do Sul (17)”, esclareceu Görgen em relato apresentado aos demais. A iniciativa, embora seja saudada como positiva pelos dirigentes, mereceu ressalva por não atender a todos os municípios atingidos e oferecer uma perspectiva de resultados muito tímidos e de prazo prolongado frente a real envergadura e urgência do problema enfrentado pelos agricultores. “Quanto à demanda por sementes para viabilizar o plantio da próxima safra, o indicativo é de que não há recursos disponíveis, porém fomos orientados a leitear essa pauta junto à Emater, através da qual se pode acessar R$ 2,5 milhões para doação de sementes de milho, feijão e hortaliças para as famílias dos municípios afetados pela seca, uma vez que esse recurso foi disponibilizado para os estados e como muitos não o utilizam ele será deslocado para o Rio Grande do Sul. “O programa de construção de cisternas também não tem recursos disponíveis, mas em caso de o Governo destinar alguma rúbrica para o MDS, a gestão comprometeu-se em abrir um Chamamento Público especificamente para esse fim, destinado à região da seca.
SEAD: Na Secretaria Especial de Desenvolvimento Agrário (estrutura que recebeu a atribuição de substituir o antigo Ministério do Desenvolvimento Agrário), depois de informar a respeito da pauta e das mobilizações, os dirigentes ouviram que algumas ações já estão sendo propostas, a exemplo da criação de um Pronaf Emergencial Especial, para o qual os movimentos sociais do campo deverão encaminhar uma proposta. “A intenção do governo é lançar essa ação juntamente com Plano Safra, em junho”, detalhou Görgen. “Quanto à problemática das dívidas acumuladas pelos produtores e sem possibilidade de quitação devido a perda da safra, eles acham possível incluir o ano de 2017/2018 na lei aprovada de renegociação das dívidas (Lei 13.606/2017), para os municípios atingidos pela seca.
Cartão e Milho: Outros dois pontos de reivindicação que foram tratados e seguem em aberto dizem respeito ao “Cartão Estiagem” e à doação de milho para ração. Görgem explicou que no primeiro caso o termo técnico utilizado é “Auxílio Emergencial Financeiro” e em outros momentos já foi viabilizado através do Ministério da Integração Nacional. Embora não tenham efetivado audiência nesse órgão, os dirigentes receberam a informação de a Coordenação Política do governo estaria consultando sobre o tema, com possibilidade de realização de uma audiência nos próximos dias. Quanto ao milho, a CONAB confirmou a existência de estoque que poderia atender à demanda, mas que estaria impedida de ceder o produto sem o pagamento do preço de mercado. “Poderia se propor um preço com desconto, mas mesmo assim ainda seria muito alto”, destacou o dirigente camponês. Essa pauta passa a receber atenção especia na bancada gaúcha junto à Câmara dos Deputados e no Senado, uma vez que pode ser necessário a edição de uma lei específica para viabilizar a doação do milho. As tratativas junto aos deputados e senadores deve iniciar nos próximos dias. Neste sentido, o coordenador da bancada gaúcha na Câmara, deputado Giovane Cherini, já recebeu as lideranças e se propôs a expor o problema para os demais parlamentares, de modo a buscar apoio de todos os integrantes para a pauta camponesa, uma vez que com certeza haverá questões para serem resolvidas ali, como suplementações orçamentárias, por exemplo.
Porto Alegre: A capital dos gaúchos esteve em destaque no noticiário na última quarta-feira, quando cerca de 500 militantes do MST e MPA realizaram ocupação da Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) como parte das mobilizações em defesa do Programa Camponês, pela retomada da Reforma Agrária Popular, além da busca por ações em socorro das famílias de agricultores atingidas pela seca no Pampa e Campanha. Enquanto na capital a SDR era ocupada, no extremo sul o grupo de dois mil camponeses que havia se posto em marcha fechava a rodovia que dá acesso ao porto de Rio Grande, causando congestionamento de dezenas de quilômetros na via. Através da mobilização se garantiu que lideranças representantes dos movimentos fossem recebidos no Governo do Estado, pelo secretário-chefe da Casa Civil, Cleber Benvegnú, pelo secretário do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo, Tarcisio José Minetto, e pelo coronel Alexandre Martins, representando a Defesa Civil. Na pauta de reivindicações estava, entre outros pontos, a liberação de recursos para as famílias assentadas, de terras para a reforma agrária e recursos para famílias atingidas pela estiagem. Conforme as lideranças que acompanharam as negociações, após a audiência os manifestantes decidiram em assembleia pelo encerramento do bloqueio que realizavam desde o dia anterior na BR-392, nas proximidades de Pelotas.
Reinvidicações: Uma das pautas defendidas diz respeito ao Programa Camponês, que prevê investimentos de R$ 50 milhões na cadeia produtiva de alimentos saudáveis, sendo R$ 25 milhões oriundos do governo estadual e R$ 25 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES – Fundo Social). A estimativa inicial era envolver 15.150 famílias camponesas e ampliar a participação no Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), no Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e nas compras governamentais. A primeira etapa foi executada pelo então governo Tarso Genro, com recursos do Estado, no valor de R$ 25 milhões em projetos. Com a troca de governo, se iniciou o debate para o acesso de mais R$ 25 milhões, que agora seriam disponibilizados pelo BNDES. Quanto às demandas da estiagem, os camponeses pressionam o governo do Estado a apresentar soluções para o problema. Segundo eles, mesmo após inúmeras audiências a grande maioria das famílias atingidas pela estiagem continua desassistida. “Não há nenhuma sinalização de que o poder público vá nos ajudar nesse momento difícil. Será que os nossos municípios não fazem mais parte do Rio Grande do Sul?”, questiona Ildo Pereira, dirigente do MST. Foram apresentadas demandas urgentes como o fornecimento de cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade; milho para os animais; perfuração de poços artesianos e construção de redes d’água; óleo diesel para as prefeituras; máquinas para limpeza de açudes e bebedouros; doação de caixas d’água; decreto coletivo de situação de emergência; anistia do sistema troca-troca de sementes, bem como de dívidas e parcelas de financiamentos bancários que vencem este ano; cartão estiagem; e crédito emergencial para aquisição de sementes crioulas, mudas e insumos agroecológicos, com arrebate de 80% de pagamento, para pastagem de inverno e recuperação da produção. A Via Campesina reivindica ainda a assinatura imediata dos contratos de uma chamada pública de R$ 10 milhões, que tramita desde novembro de 2017, para compra de alimentos oriundos da agricultura familiar e a retomada da Reforma Agrária para viabilizar o assentamento de mais de 2 mil famílias acampadas no território gaúcho.
Conclusões: “Temos certeza de que a organização e a luta até aqui tem papel decisivo no que conseguimos avançar”, destacou Frei Sérgio, citando mais uma vez a importância do povo na estrada e o trancamento dos caminhões que rumavam ao porto de Rio Grande. “Agora é seguir em frente até conseguir resultados concretos, precisamos continuar mobilizados, propor, cobrar e fazer luta de novo para exigir que o prometido seja cumprido”. Já Bruno Pilon relembrou a palavra de ordem que foi pronunciada nestes dias, no Sul do RS: “A seca não secou tudo, pois não secou nossa esperança nem nossa capacidade de lutar”. O relato das lideranças encerra reafirmando o lema do Mutirão da Esperança Camponesa, ação do MPA que leva o movimento ao encontro de suas instâncias de base: “Quem alimenta o Brasil, exige respeito!”