2 de março de 2021
Comunicado La Via Campesina
Harare | Zimbábue
Estamos a mais de um ano da crise causada pela pandemia de COVID19 em todo o mundo. Essa crise de saúde já causou a morte de aproximadamente 2 milhões de pessoas, e são mais de 77 milhões de infectados, segundo informações oficiais. No entanto, se os números não oficiais forem levados em consideração, eles podem ser ainda maiores. Dos infectados, muitos sofrerão consequências para a saúde física e mental ao longo da vida.
O conjunto de crises que vivemos simultaneamente como sociedades, incluindo econômicas, políticas, sanitárias e ambientais, tem como consequência imediata uma profunda crise social, com graves retrocessos de direitos, desemprego, corrupção, miséria, fome e violência em todas as partes do mundo, especialmente nos chamados países “subdesenvolvidos”.
A quarentena social imposta pelos Estados foi uma medida necessária, mas teve consequências muito graves para a classe trabalhadora. Foram poucos países que responderam à sua população com políticas de apoio econômico e social, muitos foram demitidos, outros viram seus salários cortados pela metade e a grande maioria das pessoas que dependem do trabalho informal para ganhar renda e sustentar suas famílias, trabalhadores migrantes no campo, famílias de camponeses em suas roças, pescadores em seus territórios, tiveram que viver a pior face desta crise, sem políticas de renda complementar para que as famílias pudessem ficar em casa.
As áreas rurais são totalmente abandonadas e os trabalhadores agrícolas, obrigados a trabalhar em condições ameaçadoras para sobreviver, embora alimentem o mundo, não possuem políticas que os protejam do vírus ou lhes proporcionem acesso digno aos cuidados de saúde.
Alguns governantes, especialmente aqueles ligados à nova direita política fascista, têm vindo a público minimizar os efeitos da COVID19, tentando proteger a economia e a comunidade empresarial e banalizar a vida e a morte da maioria.
Direito gratuito e público à saúde!
Enquanto La Via Campesina reivindicamos o direito à saúde pública e gratuita para todos os povos, tanto no processo de prevenção, vacinação e tratamento prolongado. Lutamos para que a saúde seja reconhecida como um direito humano, especialmente neste momento de crise.
Exigimos que os governos respondam à sua obrigação de proteger suas populações e garantir que todos tenham acesso a cuidados preventivos, curativos e de saúde de qualidade. Conforme reconhecido pela Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos do Camponês (UNDROP), aprovada pelos governos em 2018, em seu artigo 23, que define o direito de acesso nas áreas rurais aos serviços de saúde e tratamento necessário, incluindo a proteção de seus medicamentos e práticas tradicionais.
Porém, a maioria dos tratamentos e vacinas estão sob o controle de grandes empresas e Estados, que de forma não transparente, com muita corrupção, estão especulando com a vida e buscando aumentar os lucros, distribuindo as vacinas disponíveis, principalmente entre países ricos, também brincando com a competição entre esses governos, colocando-os à disposição de quem paga melhor.
Além disso, alguns governos ricos estão acumulando vacinas, comprando até cinco vezes do número de sua população. Enquanto em dezenas de países pobres e explorados, as vacinas ainda não chegaram.
Com a comercialização da vacina e sua politização, teremos um enorme fosso entre as pessoas que vivem em países ricos e as que vivem em países pobres que não podem pagar por ela. Essas pessoas são totalmente dependentes da disponibilidade do mercado e da disposição e capacidade dos governos de negociar com as empresas farmacêuticas. São as mesmas empresas multinacionais que dominam os mercados e que detêm a tecnologia para fabricar vacinas, dominando o mercado de equipamentos, material médico e logística de transporte, armazenamento e distribuição da vacina.
Como a Via Campesina, afirmamos que a ciência deve estar a serviço da humanidade e que a sociedade deve ter acesso à informação e poder de avaliar os tratamentos oferecidos. Exigimos também o reconhecimento da saúde intercultural e popular, saberes ancestrais que existiram em nossas sociedades e que concebem a saúde de forma integral, e que durante a pandemia têm sustentado comunidades. Afirmamos que a saúde deve começar com uma alimentação saudável, que fortaleça o sistema imunológico e seja sustentável, como propõe a Soberania Alimentar, que também cuida da saúde das pessoas e do planeta.
As pesquisas e o desenvolvimento de vacinas e medicamentos para estas doenças precisam sempre de financiamento público, que, pelos impostos que pagamos já deviam estar à disposição do público de forma gratuita. É inadmissível que as vacinas sejam patenteadas, deixando-as sob o controlo das grandes empresas transnacionais e do mercado, que busca mercantilizar a vida. Exigimos o fim das patentes e o restabelecimento do direito à informação e ao controle público, que garantam a boa qualidade e o conteúdo das vacinas, bem como a responsabilidade pelos possíveis efeitos adversos.
Para a LVC, o direito à saúde implica o acesso igual e gratuito à vacinação contra COVID-19 para as pessoas e populações que dela necessitam, ao mesmo tempo em que respeita o direito de escolher outras vias de saúde que não as vacinas para essas pessoas e populações que decidam tão livremente, rejeitando toda imposição forçada ou coercitiva da mesma.
Hoje a pandemia é um problema global, e temos que nos mobilizar como sociedades para que a ONU, por meio da OMS (Organização Mundial da Saúde) e os governos garantam a vacinação pública, gratuitamente, para toda a população mundial. Como La Via Campesina, afirmamos o direito à saúde pública gratuita e ao acesso oportuno à prevenção, vacinação e tratamento em todos os países do mundo.
Lutamos pelo direito à vida, a viver de forma digna e saudável!
Internacionalizemos a luta, internacionalizemos a esperança!
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