18 de março de 2022
Nanci Pittelkow
De Olho nos Ruralistas | São Paulo (SP)
A combinação entre o governo Bolsonaro e a pandemia de Covid-19 dificultou muito a vida e a organização política dos jovens do campo. Com a retomada das atividades e a proximidade das eleições, a juventude rural deu início a encontros presenciais e formações políticas para o voto consciente, além de organizar reivindicações que serão apresentadas aos candidatos ao Congresso e às Assembleias Legislativas. O mote é “se a juventude do campo some, a cidade passa fome”.
As demandas dos jovens que querem continuar a viver no campo passam pelo acesso à educação, a ampliação da reforma agrária e de políticas de habitação, criação de espaços de sociabilidade, trabalho e geração de renda. “Enquanto jovens mulheres, temos nos organizado por meio da perspectiva da agroecologia”, explica Edcleide da Rocha Silva, a Flor, coordenadora nacional do Movimento das Mulheres Camponesas (MMC), filha de assentados da reforma agrária e recém estabelecida em Maceió (AL) para fazer doutorado. “É uma bandeira de luta e não só produzir sem veneno, é a defesa da não violência”.
Uma das ameaças à permanência no campo é justamente a violência. “Aqui a gente testemunha o desmatamento para dar lugar à expansão da fronteira agrícola”, conta Daniel Sobczak de Souza, de Ariquemes (RO), coordenador do coletivo nacional de juventude do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). “Expulsam camponeses e indígenas das terras para começar a criação de gado, e onde tem gado depois entra a soja”, diz, resumindo uma rotina em Rondônia já retratada pelo De Olho nos Ruralistas.
Os casos de violência incluem ataques aéreos de agrotóxicos, invasões em comunidades isoladas e o fim de políticas de educação rural, como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera). “Os cortes de verbas para Bolsa Permanência e para pesquisa inviabilizam que os jovens continuem seus estudos”, relata Felipe Eduardo Lopes Oliveira, de Tocantins, coordenador da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que vem denunciando o fechamento de escolas camponesas pelas prefeituras. “Os governos municipais dificultam quando não oferecem soluções para o deslocamento desses jovens entre municípios para acessar a universidade”.
A mobilização da juventude camponesa é tema desta edição do programa De Olho na Resistência, nosso boletim semanal sobre a luta dos povos do campo. Confira abaixo:
Com o isolamento para combater a Covid-19, a organização dos movimentos migrou para o online, junto com as aulas, e muitas comunidades tiveram de bancar a conexão de internet para que os estudantes continuassem acompanhando seus cursos. Ainda assim, testemunharam o adoecimento mental de muitos jovens com o isolamento e o momento de desesperança.
“A vida sempre foi dura para a classe trabalhadora, mas quem nasceu e cresceu a partir dos anos 2000 viu os pais serem assentados, terem crédito para a produção e para construir moradia”, relembra Maria Eduarda Lima Vasconcelos, a Duda, que está na coordenação nacional da Pastoral da Juventude Rural (PJR). Sua família é assentada na Paraíba.
— Os jovens antes de nós acessaram as universidades pela interiorização dos câmpus. Agora, na nossa vez de buscar o ensino superior, acontece a pandemia e esse governo.
Parte das mobilizações foram voltadas para ações de solidariedade, como a distribuição de alimentos, máscaras e álcool gel e suporte à inscrição de trabalhadores para receber o auxílio emergencial. “Com a vacinação e o aprendizado do uso de máscaras e distanciamentos, foi possível retomar as atividades presenciais”, relata Raiara Pires, coordenadora nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), atuando em Minas Gerais. “Assim como o trabalho no campo, a mineração nunca parou e continuamos denunciando o racismo ambiental, pois as principais vítimas de desastre são negras”.
Com o avanço da vacinação, jovens camponeses de todo o Brasil ligados à Via Campesina devem se reunir em junho durante a Semana do Meio Ambiente, no Acampamento Nacional da Juventude. A ação é vista como uma forma de engajamento para o processo eleitoral e para estabelecer pautas de construção de um novo projeto de país pós-Bolsonaro. “Vivemos um retrocesso econômico e civilizatório nos últimos anos”, analisa Raiara.
“A gente veio de um período em que o direito de ser jovem foi capturado após o golpe, com a precarização da educação e a falta de trabalho”, diz Jailma Lopes Dutra Serafim, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e integrante do coletivo de juventude no Rio Grande do Norte. Para ela, a perspectiva de mudança de governo é um bom momento para se mobilizar. “Ninguém luta porque é bonito, mas quando vislumbram resolver suas necessidades concretas”.
Além do acampamento, caravanas e brigadas regionais serão organizadas. “Atuaremos pelo voto consciente e trabalharemos temas relacionando com as demandas dessa nova juventude camponesa”, explica Mateus Meneses Quevedo, de Salvador (BA), coordenador do coletivo de comunicação do MPA. “As propostas são relacionadas desde a diversidade sexual e de gênero, até acesso ao trabalho e redistribuição de terra via reforma agrária”.
Para engajar e mobilizar as juventudes no campo, os desafios passam pela comunicação. “A esquerda tem métodos de outro tempo que não dialogam com a juventude”, opina Jailma, do MST. Do outro lado, na escola tradicional e na cultura e meios de comunicação dominantes, as ideias reforçam valores hegemônicos do individualismo, capitalismo, empreendedorismo. A saída é partir das mesmas ferramentas para combater os valores do capital agro-hidro-mineral.
Essas ferramentas também ajudam na desconstrução das mentiras que permearam as eleições de 2018 e colocaram Bolsonaro como uma figura popular, até hoje, porque “conversa com o povo pelas redes sociais”, comenta Flor, do MMC.
Para Duda, da PJR, é possível engajar os jovens que participam na igreja, oferecendo espaços para um estudo contextualizado a partir da vida do povo e do contexto histórico. Para os camponeses universitários, o movimento mantêm grupos na cidade para que os jovens não percam seus vínculos com a terra.
Os representantes dos movimentos confirmam que buscam articulação e construção de unidade com juventudes do campo, das águas, das florestas e da periferia para propostas de programa antes e organização da luta depois das eleições.
A proporção de jovens no campo vem diminuindo, como demonstram os dados dos Censos Agropecuários de 2006 e 2017. A parcela com menos de 25 anos caiu de 3,3% para 2%, enquanto aqueles com mais de 65 anos foram de 17,5% para 23,2%. Os jovens que foram para a cidade estão nas periferias, onde a luta pelo território continua e os problemas se repetem: desemprego, falta de acesso à educação, violência.
Assim como no campo, os jovens nas periferias não querem mais sair de seus espaços para terem acesso a direitos e demandas. “Querer combater os problemas relacionados ao território propicia que os jovens procurem se organizar”, explica Bia Morine, coordenadora nacional da juventude periférica Fogo no Pavio, ligada ao Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Para o movimento é fundamental dialogar com todas as juventudes possíveis, para além do programa das eleições. “A gente não quer só o mesmo governo que o Lula fez anos atrás, a gente quer passos à frente”, conclui Bia.
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