31 de agosto de 2022
Conselho Indigenista Missionário (CIMI)
O ano de 2021 foi marcado pelo aprofundamento e pela dramática intensificação das violências e das violações contra os povos indígenas no Brasil. O aumento de invasões e ataques contra comunidades e lideranças indígenas e o acirramento de conflitos refletiram, nos territórios, o ambiente institucional de ofensiva contra os direitos constitucionais dos povos originários. É o que aponta o relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2021, publicação anual do Conselho Indigenista Missionário (Cimi).
Em seu terceiro ano, o governo de Jair Bolsonaro manteve a diretriz de paralisação das demarcações de terras indígenas e omissão completa em relação à proteção das terras já demarcadas. Se, do ponto de vista da política indigenista oficial, essa postura representou continuidade em relação aos dois anos anteriores, do ponto de vista dos povos ela representou o agravamento de um cenário que já era violento e estarrecedor.
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A consequência dessa postura foi o aumento, pelo sexto ano consecutivo, dos casos de “invasões possessórias, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio”. Em 2021, o Cimi registrou a ocorrência de 305 casos do tipo, que atingiram pelo menos 226 Terras Indígenas (TIs) em 22 estados do país.
No ano anterior, 263 casos de invasão haviam afetado 201 terras em 19 estados. A quantidade de casos em 2021 é quase três vezes maior do que a registrada em 2018, quando foram contabilizados 109 casos do tipo.
O relatório registrou aumento em 15 das 19 categorias de violência sistematizadas pela publicação em relação ao ano anterior, e uma quantidade enorme de vidas indígenas interrompidas
Além do aumento quantitativo de casos e terras afetadas pela ação ilegal de garimpeiros, madeireiros, caçadores, pescadores e grileiros, entre outros, os invasores intensificaram sua presença e a truculência de suas ações nos territórios indígenas. Essa situação ficou explícita em casos como o dos povos Munduruku, no Pará, e Yanomami, em Roraima e Amazonas.
Na Terra Indígena (TI) Yanomami, onde é estimada a presença de mais de 20 mil garimpeiros, os invasores passaram a realizar ataques armados sistemáticos contra as comunidades indígenas, espalhando um clima de terror e provocando mortes, inclusive de crianças.
Os ataques criminosos, com armamento pesado, foram denunciados de forma recorrente pelos indígenas – e ignorados pelo governo federal, que seguiu estimulando a mineração nestes territórios. Os garimpos, além disso, serviram como vetor de doenças como a Covid-19 e a malária para os Yanomami.
No Pará, garimpeiros que atuam ilegalmente na TI Munduruku atacaram a sede de uma associação de mulheres indígenas, tentaram impedir o deslocamento de lideranças do povo para manifestações em Brasília, fizeram ameaças de morte e chegaram a queimar a casa de uma liderança, em represália a seu posicionamento contra a mineração no território. Enquanto essas ações ocorriam, a TI Munduruku seguiu sendo devastada, com rios e igarapés destruídos pelo maquinário pesado utilizado na extração ilegal de ouro.
O relatório registrou aumento em 15 das 19 categorias de violência sistematizadas pela publicação em relação ao ano anterior, e uma quantidade enorme de vidas indígenas interrompidas. Foram registrados 176 assassinatos de indígenas – apenas seis a menos do que em 2020, que registrou o maior número de homicídios desde que o Cimi passou a contabilizar este dado com base em fontes públicas, em 2014. O número de suicídios de indígenas em 2021, 148, foi o maior já registrado neste mesmo período.
O contexto geral de ataques aos territórios, lideranças e comunidades indígenas está relacionado a uma série de medidas do poder Executivo que favoreceram a exploração e a apropriação privada de terras indígenas e à atuação do governo federal e de sua base aliada para aprovar leis voltadas a desmontar a proteção constitucional aos povos indígenas e seus territórios.
É o caso de medidas como a Instrução Normativa 09, publicada pela Funai ainda em 2020, que liberou a certificação de propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas, e a Instrução Normativa Conjunta da Funai e do Ibama que, já em 2021, passou a permitir a exploração econômica de terras indígenas por associações e organizações de “composição mista” entre indígenas e não indígenas.
Também tiveram esse caráter propostas como o Projeto de Lei (PL) 490/2007, que inviabiliza novas demarcações e abre as terras já demarcadas à exploração predatória, e o PL 191/2020, de autoria do próprio governo federal, que pretende liberar a mineração em TIs.
Esse conjunto de ações deu aos invasores confiança para avançarem em suas ações ilegais terras indígenas. Garimpos desenvolveram ampla infraestrutura, invasores ampliaram o desmatamento de áreas de floresta para a abertura de pastos e o plantio de monoculturas, e caçadores, pescadores e madeireiros intensificaram suas incursões aos territórios.
A tentativa de aprovação desses projetos, o contexto de ofensiva contra seus direitos e o agravamento da situação nos territórios motivaram fortes mobilizações dos povos indígenas em todo o país, com dois grandes acampamentos nacionais em Brasília.
Apesar de diversas ações do Ministério Público Federal (MPF), este foi o terceiro ano em que o presidente da República cumpriu sua promessa de não demarcar nenhuma terra indígena
O primeiro capítulo do relatório reúne as “Violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, divididas em três categorias. Nesta seção, foram registrados os seguintes dados: omissão e morosidade na regularização de terras (871 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (118 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (305 casos). Os registros somam, assim, um total de 1.294 casos de violências contra o patrimônio dos povos indígenas em 2021.
Apesar de diversas ações do Ministério Público Federal (MPF), este foi o terceiro ano em que o presidente da República cumpriu sua promessa de não demarcar nenhuma terra indígena. Uma atualização do banco de terras e demandas territoriais indígenas do Cimi identificou que, das 1.393 terras indígenas no Brasil, 871 (62%) seguem com pendências para sua regularização. Destas, 598 são áreas reivindicadas pelos povos indígenas que não contam com nenhuma providência do Estado para dar início ao processo de demarcação.
Também destacam-se, nesta categoria, a queima de Casas de Reza, espaços centrais para a espiritualidade de diversas comunidades indígenas. Foram registrados quatro casos no Mato Grosso do Sul, envolvendo os povos Guarani e Kaiowá, e um no Rio Grande do Sul, com o povo Guarani Mbya.
Entre os casos de conflitos por direitos territoriais destacam-se, também, os diversos registros de sobreposição de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) e de certificações de propriedades privadas sobre terras indígenas. Em alguns casos, como nas TIs Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, e Barra Velha, na Bahia, houve a tentativa de venda de “lotes” de terra por meio de redes sociais.
O primeiro capítulo do relatório reúne as “Violências contra o Patrimônio” dos povos indígenas, divididas em três categorias. Nesta seção, foram registrados os seguintes dados: omissão e morosidade na regularização de terras (871 casos); conflitos relativos a direitos territoriais (118 casos); e invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio (305 casos). Os registros somam, assim, um total de 1.294 casos de violências contra o patrimônio dos povos indígenas em 2021.
Apesar de diversas ações do Ministério Público Federal (MPF), este foi o terceiro ano em que o presidente da República cumpriu sua promessa de não demarcar nenhuma terra indígena. Uma atualização do banco de terras e demandas territoriais indígenas do Cimi identificou que, das 1.393 terras indígenas no Brasil, 871 (62%) seguem com pendências para sua regularização. Destas, 598 são áreas reivindicadas pelos povos indígenas que não contam com nenhuma providência do Estado para dar início ao processo de demarcação.
Também destacam-se, nesta categoria, a queima de Casas de Reza, espaços centrais para a espiritualidade de diversas comunidades indígenas. Foram registrados quatro casos no Mato Grosso do Sul, envolvendo os povos Guarani e Kaiowá, e um no Rio Grande do Sul, com o povo Guarani Mbya.
Entre os casos de conflitos por direitos territoriais destacam-se, também, os diversos registros de sobreposição de Cadastros Ambientais Rurais (CAR) e de certificações de propriedades privadas sobre terras indígenas. Em alguns casos, como nas TIs Uru-Eu-Wau-Wau, em Rondônia, e Barra Velha, na Bahia, houve a tentativa de venda de “lotes” de terra por meio de redes sociais.
O relatório também registra casos de assassinatos de jovens e crianças indígenas praticados com extrema crueldade e brutalidade
Em relação aos casos de “Violência contra a Pessoa”, que são sistematizados no segundo capítulo do relatório, foram registrados os seguintes dados: abuso de poder (33); ameaça de morte (19); ameaças várias (39); assassinatos (176); homicídio culposo (20); lesões corporais dolosas (21); racismo e discriminação étnico cultural (21); tentativa de assassinato (12); e violência sexual (14).
Os registros totalizam 355 casos de violência contra pessoas indígenas em 2021, maior número registrado desde 2013, quando o método de contagem dos casos foi alterado. Em 2020, haviam sido catalogados 304 casos do tipo.
Os estados que registraram maior número de assassinatos de indígenas em 2021, segundo dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e de secretarias estaduais de saúde, foram Amazonas (38), Mato Grosso do Sul (35) e Roraima (32). Os três estados também registraram a maior quantidade de assassinatos em 2020 e em 2019.
Entre os casos que se destacam, nesse contexto, estão dois assassinatos de indígenas do povo Tembé, na TI Alto Rio Guamá, no Pará. Isac Tembé, professor de 24 anos, foi morto por policiais militares quando caçava com outros jovens de seu povo numa área próxima ao território; semanas depois, Benedito Cordeiro de Carvalho, conhecido como Didi Tembé, também foi morto a tiros, em circunstâncias ainda não esclarecidas.
O relatório também registra casos de assassinatos de jovens e crianças indígenas praticados com extrema crueldade e brutalidade. Causaram comoção, em 2021, os assassinatos de Raíssa Cabreira Guarani Kaiowá, de apenas 11 anos, e Daiane Griá Sales, do povo Kaingang, de 14 anos. Ambas foram estupradas e mortas.
Grande parte das ocorrências de omissão e desassistência são ligadas ao contexto da pandemia, especialmente em relação à falta de atendimento e equipes de saúde e falta de acesso a água e saneamento básico
Os casos de “Violência por Omissão do Poder Público”, registrados no terceiro capítulo do relatório, também tiveram um aumento geral e em quase todas as categorias em relação a 2020, com exceção dos casos de “desassistência geral” e da mortalidade na infância.
Com base na Lei de Acesso à Informação (LAI), o Cimi obteve da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) informações parciais sobre as mortes de crianças indígenas de 0 a 5 anos de idade. Os dados, que foram coletados pela secretaria em janeiro de 2022 e estão, provavelmente, defasados, revelam a ocorrência de 744 mortes de crianças indígenas de 0 a 5 anos de idade em 2021.
Os estados com maior quantidade de mortes nesta faixa etária foram Amazonas (178), Roraima (149) e Mato Grosso (106). Apesar da provável defasagem dos dados relativos a 2021, a quantidade de óbitos de crianças só foi maior, na última década, nos anos de 2014 (785), 2019 (825) e 2020 (776).
Dados do SIM e de secretarias estaduais de saúde registram a ocorrência de 148 suicídios de indígenas em 2021. Os estados com mais casos foram Amazonas (51), Mato Grosso do Sul (35) e Roraima (13).
Ainda neste capítulo, foram registrados os seguintes dados: desassistência geral (34 casos); desassistência na área de educação escolar indígena (28); desassistência na área de saúde (107); disseminação de bebida alcóolica e outras drogas (13); e morte por desassistência à saúde (39), totalizando 221 casos; em 2020, os registros nestas categorias haviam somado 177 casos.
Grande parte das ocorrências de omissão e desassistência são ligadas ao contexto da pandemia, especialmente em relação à falta de atendimento e equipes de saúde e falta de acesso a água e saneamento básico. Essa situação foi agravada pelas ações de desinformação sobre as vacinas contra a Covid-19, que ocorreram em diversas regiões.
Muitos povos, especialmente em contexto urbano, relataram casos de negação do acesso à vacina, apesar da determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) de que todos os indígenas deveriam ser incluídos no grupo da imunização prioritária, independentemente do seu local de residência.
Apesar do início da vacinação, dados do SIM analisados pelo Cimi registram 847 mortes de indígenas em função da infecção pelo coronavírus em 2021. O número é mais que o dobro do registrado pela Sesai, que indica a ocorrência de 315 óbitos do tipo no mesmo período.
O SIM unifica os dados sobre óbitos ocorridos no Brasil, enquanto a Sesai abrange apenas a população indígena atendida pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, estimada em cerca de 755 mil pessoas.
Os dados mais abrangentes oferecem uma indicação da possível subnotificação de casos e da ampla quantidade de indígenas que enfrentaram a pandemia e morreram desassistidos e invisibilizados em cidades, acampamentos e retomadas.
A situação dos povos indígenas em isolamento voluntário também atingiu profunda gravidade, com a prática adotada pelo governo Bolsonaro de renovar as portarias que restringem o acesso a áreas com presença destes povos por períodos de apenas seis meses – ou nem sequer renovar, como no caso da TI Jacareúba-Katawixi, que está sem qualquer proteção desde dezembro de 2021.
As invasões atingiram pelo menos 28 TIs onde há presença de povos indígenas isolados, colocando a própria existência desses grupos em risco. Essas áreas concentram 53 do total de 117 registros de povos isolados mantidos pela Equipe de Apoio aos Povos Indígenas Livres do Cimi, que analisa este cenário no quarto capítulo do relatório.
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