27 de abril de 2017
A proibição do trabalho de menores de 14 anos foi consagrada no país em 1943, com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Assim como o pagamento de 50% no caso de horas extras. Essas demandas, entretanto, já faziam parte das reivindicações do movimento operário no Brasil desde o início de século 20.
Essas foram algumas das bandeiras da primeira Greve Geral realizada no país, que completa cem anos no mês de julho. Além de questões relacionadas ao ambiente fabril, o movimento operário também pautava assuntos como o controle de preços de alimentos e dos aluguéis.
Localizada principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, a paralisação de 1917 durou mais de um mês e não foi pensada originalmente para ter um caráter geral. Em tempos em que a questão social era tratada como questão de polícia, um dos estopins da generalização da greve foi a morte do operário espanhol José Ineguez Martinez, causada pelas forças policiais.
O enterro de Ineguez ocorreu no Cemitério do Araçá, zona oeste da capital paulista. No dia, milhares de operários atravessaram a cidade ao realizarem uma marcha de bairros da região leste – como Mooca e Belenzinho – até o local.
Para Armando Boito, professor de Ciência Política da Unicamp e estudioso do mundo sindical, a Greve Geral de 1917 é um exemplo e nos ajuda a desmistificar a origem dos direitos trabalhistas. Segundo ele, as condições do movimento sindical – formado por imigrantes que sequer compartilhavam a língua – eram muito mais difíceis que as de hoje. “ No caso do Brasil da Primeira República, há um fator que diferencia demais a classe operária: a língua. Dificultava a unificação. Além disso, havia disparidades muito grandes no que diz respeito, por exemplo, à remuneração”.
Além desta heterogeneidade, as condições políticas não eram favoráveis aos operários.
“A classe operária não tinha nem direito a voto. Era muito perseguida politicamente. As lideranças eram banidas para estados distantes do Brasil, ou expulsas para seus países de origem. Era muito difícil fazer sindicalismo na Primeira República. Apesar disso, os anarcossindicalistas conseguiram colocar em pé o movimento operário, fundaram a Confederação Operária Brasileira em 1906 e organizaram muitas greves”, diz.
O cientista político entende que a classe operária, em algum grau, sempre foi complexa e dividida em todos os países, citando como exemplo a descrição feita pelo historiador britânico Eric Hobsbawn sobre os trabalhadores europeus.
“Como é possível que uma classe tão heterogênea, no nível linguístico, nas condições de trabalho e de remuneração consiga se unificar? Na verdade, foi o movimento operário que criou a ideia e a realidade da classe operária, e não o contrário. É a luta que unifica”, defende.
Boito lembra que a mobilização operária continuou após a Revolução de 1930, inclusive por meio da Aliança Nacional Libertadora, que chegou a ter mais de 500 mil militantes no país. Foi nesse contexto que o então presidente Getúlio Vargas – que também precisava de apoio contra a reação da oligarquia cafeeira – aprovou a legislação trabalhista.
“Vargas sempre apresentou os direitos trabalhistas que vão sendo estabelecidos em seu governo, e finalmente consolidados na CLT de 1943 como uma dádiva do Estado brasileiro, subliminarmente, dele próprio. Isso é mitologia. Quando o governo o Vargas estabelece direitos ele está respondendo a uma pressão real que existe desde o início do século 20 e que se acumulou ao longo das décadas de 10, 20 e 30”, aponta. Nesse contexto, a disputa entre Vargas e as elites cafeeiras teria aberto uma brecha que potencializou as demandas operárias.
Presente
O papel das greves continuou marcando a história do Brasil. Luiz Ribeiro, técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), cita, por exemplo, o papel do movimento sindical na redemocratização do país após a Ditadura Militar.
“A greve é um dos principais instrumentos do trabalhador para se fazer ouvir e expressar suas reivindicações. Quando recuperamos a história de conquista de direito se percebe que, na origem – por exemplo, redução da jornada, garantir piso e salário mínimo – há um movimento grevista. Olhando os processos políticos, como a redemocratização, as greves tiveram um papel essencial”, afirma.
Ribeiro explica que há, basicamente, dois tipos de greves: as defensivas e as propositivas.
“Na década de 90 eram muito mais defensivas, para manter direitos ou para que a lei fosse cumprida. A partir de 2003, há uma estabilização do número de greves e elas passam a ter uma característica bem própria: são propositivas, ou seja, que visam ampliação de direitos ou conquistas salariais”, aponta. A explicação para o fenômeno mais recente, entre outros fatores, foi a oferta de vagas, que criava uma tendência em direção ao pleno emprego, favorecendo a luta sindical.
No entanto, para Ribeiro, a próxima greve geral que está sendo puxada pelas centrais sindicais para o próximo dia 28 de abril foge dessa classificação. Na pauta deste ano estão a denúncia das alterações das regras da Previdência – que adia aposentadorias e diminui benefícios – e a defesa de direitos trabalhistas, muitos deles conquistados por meio da luta que tem como marco 1917.
“Nós consideramos a greve chamada para o dia 28 como política, porque reivindica a defesa de direitos universais, de toda a classe trabalhadora. A greve geralmente se relaciona de forma direta com uma empresa. A greve política transcende essa relação imediata, envolve os grandes temas nacionais”, analisa.
Por Rafael Tatemoto – Brasil de Fato
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