18 de janeiro de 2024
Alice Andersen
Revista Fórum
O Brasil detém a maior reserva de água doce superficial do mundo, representando aproximadamente 12% do total global. Além disso, abriga a maior floresta úmida, a Amazônia, e vastas extensões de áreas continentais alagadas, como o Pantanal e o Araguaia, e extensas bacias hidrográficas espalhadas pelo território. O país figura entre os principais consumidores globais de agrotóxicos.
Isso aponta para o risco de contaminação das principais reservas hídricas do país e um impacto significativo na diversidade biológica. Segundo estatísticas mais recentes, a agricultura irrigada responde por 66,1% do total de águas superficiais e subterrâneas utilizadas no Brasil, totalizando 83 bilhões de litros diários. Considerando também o consumo voltado para a pecuária, a proporção se eleva para 77,7%.
De acordo com um estudo publicado pelo Atlas dos Agrotóxicos em dezembro de 2023, na contaminação das águas, “as substâncias tóxicas podem impactar tanto as águas superficiais quanto as subterrâneas por meio da lixiviação, um processo de ‘lavagem’ do solo no qual nutrientes e elementos químicos são transportados para os corpos hídricos. Além disso, a percolação, que é o movimento da água através do solo, contribui para o fluxo dessas substâncias em direção aos reservatórios subterrâneos”, destaca estudo.
A presença de contaminação é influenciada também por características como o tipo de solo, clima, padrões de uso e ocupação do solo, e as propriedades físico-químicas dos compostos utilizados. Os agrotóxicos podem percorrer extensas distâncias por meio de processos como a evapotranspiração, que é a conversão da água em vapor da superfície terrestre para a atmosfera, e pela ação dos ventos. A água evaporada é transportada pelos ventos, alimentando as precipitações em diversas regiões, fenômeno conhecido como “rios voadores”.
Apesar do Brasil dispor do Programa Nacional de Vigilância da Qualidade da Água para Consumo Humano (Vigiágua), responsável por investigar a presença de agrotóxicos e outros parâmetros nos municípios do país, a pesquisa ressalta que há uma escassez de estudos analíticos sobre a presença de contaminantes agrotóxicos nas águas, principalmente por dificuldades financeiras e logísticas.
Combinações de agrotóxicos são comumente detectadas em pesquisas científicas e análises do Vigiágua, mas os efeitos da exposição a essas misturas ainda são pouco explorados e inadequadamente incorporados às legislações que estabelecem os parâmetros para o monitoramento de agrotóxicos na água no país. “Além disso, há limitações normativas quanto ao monitoramento de agrotóxicos em água. Uma delas refere-se ao baixo número de parâmetros de agrotóxicos previstos para serem monitorados pelos Ministérios da Saúde (MS) e do Meio Ambiente”, diz trecho do documento.
Entre 2018 e 2021, a análise de 41.780 amostras revelou que em menos de 10% das detecções os resultados ultrapassaram o limite de quantificação. A atrazina, metolacloro, glifosato e 2,4-D foram os agrotóxicos mais frequentemente quantificados. Contudo, um percentual significativamente maior de agrotóxicos foi identificado em níveis não quantificáveis, sugerindo a possibilidade de limitações nas técnicas analíticas em uso, sem necessariamente indicar a ausência de riscos.
Outra pesquisa, realizada pelo Pesticide Atlas em 2022, fez uma comparação da concentração de glifosato em águas potáveis brasileiras e europeias. A substância da Bayer defendida pelos agricultores é de alto risco e foi liberada pelo governo Bolsonaro ainda na pandemia, em 2020, permanecendo em uso por quatro anos.
No estudo, foi constatado que o Brasil permite quantidades de glifosato maiores na água em relação à União Europeia. Enquanto aqui são permitidos 500 microgramas por litro, nos países europeus, por litro, é liberado apenas 0,1 micrograma, o que revela uma quantidade 5 mil vezes maior de autorização da substância tóxica no Brasil.
Em novembro do ano passado, a Bayer foi condenada a pagar uma indenização de US$ 1,6 bilhão (ou R$ 7,8 bi) para quatro pacientes que sofreram com câncer em decorrência do uso de glifosato em suas fazendas. “Diferentemente dos processos anteriores, os tribunais têm, nos casos recentes, permitido indevidamente que os demandantes apresentem de forma deturpada os fatos regulamentares e científicos”, disse a empresa em nota.
A Bayer anunciou que direcionou mais de US$ 10 bilhões de dólares para encerrar aproximadamente cerca de 95 mil processos nos EUA relacionados ao herbicida em 2020. O caso envolve o Roundup, um agrotóxico que usa como base o glifosato. Segundo a Agência Internacional Para a Pesquisa do Câncer, um órgão da Organização Mundial da Saúde (OMS), a substância é um agente potencialmente causador de câncer, mais precisamente o linfoma Non-Hodgkin.
Ao longo dos quatro anos do governo Bolsonaro, o Ministério da Agricultura liberou mais de 2 mil agrotóxicos e pesticidas, prejudiciais à saúde humana. Segundo o estudo “Lucrando com Veneno – o lobby das empresas de agrotóxico da União Europeia no Brasil”, coordenado pelos pesquisadores Audrey Changoe e Larissa Mies Bombardi, publicado no ano de 2022, mostra que Bayer/Monsanto e BASF, líderes na fabricação de agrotóxicos na Europa, agiram pela liberação de pesticidas no Brasil. Além disso, as empresas também são apoiadoras do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia para expansão de seus mercados na América Latina.
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