3 de julho de 2023
Marcos Corbari
Brasil de Fato | Jaru (RO)
Os movimentos da Via Campesina no estado de Rondônia estão mobilizados para a realização da 7ª edição da Festa Camponesa, na cidade de Jaru, entre os dias 14 e 16 de julho. Contando com a participação do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Comissão Pastoral da Terra (CPT) e Instituto Padre Ezequiel Ramin (IPER) na organização, o evento tem como tema _“Democracia e esperançar: produzindo alimentos saudáveis e justiça social na Amazônia”_. Trata-se de uma festa “construída a muitas mãos, organizada por muita gente, tendo a participação de muitas mentes e muitos corações de camponeses e camponesas, mulheres, homens, jovens, crianças, todo o povo que está organizado na Via Campesina aqui em Rondônia e no território da Amazônia em toda sua diversidade”, afirma Isabel Ramalho, dirigente do MPA.
Chegando a sua sétima edição, a Festa Camponesa vem sendo realizada de forma bienal desde 2008, tendo um intervalo maior no último período por conta da pandemia de Covid-19. As primeiras edições foram realizadas no município de Ouro Preto e a última, assim como a atual, em Jaru. Os organizadores destacam o duplo simbolismo alinhado ao período histórico atual: A Festa Camponesa demarca uma celebração da resistência ativa que manteve os movimentos vivos durante o período de violações praticadas contra o povo pelo último governo, enquanto firma pé na construção de um novo período de resistência vide as recentes iniciativas de criminalização praticadas a partir do parlamento e das forças reacionárias comprometidas com o agronegócio, que assim como atacam os movimentos sociais levantam-se contra o próprio sistema democrático.
“A Festa Camponesa de Rondônia envolve em torno de 40 municípios e representa o maior evento do segmento do campesinato no estado”, afirma Oscélio Muniz, dirigente do movimento dos Atingidos Por Barragens (MAB). “Voltamos a realizar a festa com o desafio de retomar a exposição da produção camponesa, a troca de sementes e o processo de estudo”, acrescenta, explicando que o evento se projeta em três momentos ao longo dos dias de programação. “No primeiro dia a atividade é centrada no seminário com temas da atualidade, que neste ano vai discutir a produção de alimentos saudáveis com justiça social na Amazônia”; no segundo dia serão realizados seminários temáticos e oficinas diversas, bem como o momento da troca de sementes crioulas e a feira de produtos do campesinato; no terceiro dia acontece o Café Camponês, que é o grande momento de celebração e encontro”.
Atividades culturais também estão previstas, contando com a participação de artistas locais e também de convidados como o cantador Pereira da Viola. A música contará com apresentações desde o cancioneiro tradicional até ritmos mais modernos, sempre levando em conta o comprometimento dos artistas convidados com as bandeiras de luta da Via Campesina.
Isabel aponta que da forma como a Festa Camponesa acontece, ela afirma o esperançar e indica para a possibilidade de um futuro com mais justiça social e respeito à democracia: “Desde que em 2008 decidimos fazer a primeira edição, inspirados por um encontro estadual que havia sido realizado, a Festa Camponesa serve para que nós possamos mostrar além das nossas experiências na produção agroecológica, as experiências de resistência, as experiências de recuperação de todos os modos de vida no campo aqui no estado”.
A dirigente entende que “para além de fazer um contraponto com o agronegócio, a festa cumpre o papel de juntar o que nós temos de mais belo e sagrado no campo, avaliar e refletir sobre o que a gente já vem fazendo e poder apontar passos seguintes de forma articulada enquanto Via Campesina”. Destacando as principais simbologias, Isabel explica que para além de permitir articular os passos de forma organizada para o processo de transição agroecológica, a organização da Festa Camponesa permite olhar para a questão da produção, reprodução e repartição das sementes crioulas, dar passos importantes na recuperação da cultura, da capacidade da arte e da criatividade do povo, bem como olhar também para a temática e discutir o papel do campesinato na construção da soberania alimentar.
“Falar da Festa Camponesa é falar da nossa teimosia, da nossa resistência, da nossa capacidade de seguir existindo enquanto campesinato, é falar da importância das mulheres e da juventude no processo produtivo, no processo da comercialização e na distribuição do alimento, é falar da importância da participação da nossa diversidade de povo do campo na construção da resistência nesse território, parte da nossa Amazônia” afirma.
Claudinei Santos, dirigente do MST, explica que um dos objetivos da Festa Camponesa de Rondônia é justamente manter em movimento a solidariedade ativa, que se pratica entre as comunidades e os movimentos sociais. “A festa nasce da ideia de que a Via Campesina pudesse ter um espaço de interação e devolução para com a sociedade urbana das tantas conquistas alcançadas e da solidariedade que a comunidade como um todo tem com os movimentos sociais”. Relembrou diversos momentos em que os movimentos foram abraçados por segmentos comunitários urbanos e ressalta que mais uma vez, por conta da criminalização que está sendo imposta a partir da CPI contra o MST, novamente essa prática fortalece as relações de aliança entre campo e cidade.
Isabel resgatou ainda a referência de que todas as edições anteriores foram carregadas de muita mística, de muita beleza, “mas muito além de tudo isso, neste ano nossa festa tem uma função muito maior e muito mais desafiadora, nós estamos saindo de um período de destruição total, de desmantelamento de todas as políticas públicas, e nós estamos entrando em um novo período, onde se coloca um desafio muito grande, que é organizar muita gente, homens e mulheres do campo e da cidade”.
“Procuramos fazer essa devolução de ato de solidariedade através desse espaço inicial onde os movimentos sociais apresentam para a sociedade um pouco da leitura de conjuntura da questão agrária, assim como espaços de oficinas e capacitação onde se reúnem camponeses, camponesas e público urbano numa troca contínua de saberes”, aponta Santos.
Entre as muitas bandeiras congregadas no espaço simbólico da Festa Camponesa de Rondônia há uma em especial que precisa ser destacada: as sementes. Símbolo máximo da resistência, patrimônio coletivo dos povos e garantia de autonomia para todos aqueles e aquelas que se dedicam ao cultivo da terra e a produção de alimentos.
“A troca das sementes é encarada como uma ação política, já que a história da humanidade, que é permeada pela história da agricultura, tem na semente um dos principais patrimônios, um referencial de saber acumulado ao longo de milhares de anos” afirma Santos. Ao lado do espaço do Café Camponês, onde se estende a mesa e se compartilha o alimento em toda a diversidade característica do campesinato e das comunidades tradicionais e originárias do território amazônico, a mesa das sementes e a partilha dos saberes se coloca em evidência.
Francisco Bandeira, o Chicão, do Instuto Padre Ezequiel Ramin (IPER), também contribui nesta reflexão: “Sabemos que neste momento sempre se fortalece e amplia a participação e o diálogo a partir do estado de Rondônia, da Amazônia, e as sementes crioulas são fundamentais no sentido de fortalecer também o trabalho da biodiversidade dos agricultores que colocam o alimento saudável na mesa dos consumidores”. O dirigente explica que tão importante quanto apoiar a transição agroecológica junto àquelas e àquelas que se dedicam à produção, é conscientizar àqueles e àquelas que estão na outra ponta, que são os consumidores e consumidoras dos produtos agroecológicos.
A maior parte dos eventos vinculados ao agronegócio são reféns dos interesses econômicos que sustentam o setor e impõem uma padronização estéril aos seus participantes, que vai desde o modo de se vestir, passando pelos produtos originados em linhas de produção, até a linha discursiva e o próprio modo de enunciar esse discurso hegemoneizado. Na Festa Camponesa de Rondônia, assim como nas demais festas e feiras do campesinato e da reforma agrária praticadas Brasil afora, essa relação é diferente, parte de uma iniciativa de solidariedade ativa, de trabalho coletivo e de afirmação da diversidade:
“Pra gente ter ideia da dimensão e da grandeza da Festa Camponesa, ela é totalmente feita pelas famílias que fazem parte dos movimentos sociais, que já estão a algum tempo preparando as mudas que vão ser doadas, as sementes que vão ser trocadas, a produção que vai ser comercializada, não há nenhum tipo de compra governamental que possa ser colocada do ponto de vista dos produtos e segmentos presentes”. Neste sentido, Isabel relembra que exatamente por ter este viés, não alinhado com nenhum tipo de interesse financeiro ou de imposição de interesse externo, “a Festa Camponesa de Rondônia para além de uma feira onde são expostos produtos, é um espaço de construção, de repartição, do exercício do cuidado, de construção coletiva da arte, da cultura, da resistência, do enfrentamento”.
Maria Petronila, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), destaca justamente esse aspecto: “A festa camponesa é uma festa autônoma, ela não é presa a acordos financeiros, ela é feita com muito sacrifício, juntando muitos grãos de punhadinho em punhadinho, com muitas mãos construindo esse momento”. Indica que cada ajuda que puder ser direcionada ao espaço, ao momento e ao evento vão estar contribuindo de modo importante e decisivo.
Ao refletir o tema proposto ao evento, “Democracia e esperançar”, Petronila relembrou as palavras do saudoso Dom Pedro Casaldáliga: “Ter esperança é um ato de rebeldia”. Para ela, essa esperança não é ingênua nem passiva, leva – como ensinou o bispo fundador da CPT – para que todos possam não somente sonhar, mas construir dias melhores. “Queremos fazer esse convite especial para toda a comunidade, toda a sociedade que acredita que é possível sonhar junto, que é possível manter viva essa esperança. A feira é um grande encontro dos sonhos, das utopias, um espaço de celebrar o que nos move e que nos permite continuar acreditando num mundo melhor para todos e todas”.
A dirigente afirma ainda que a CPT interpreta o espaço da Feira Camponesa como um espaço coletivo, de celebrar, de festejar, de planejar, de sonhar e sobretudo de acreditar na cultura camponesa, das comunidades tradicionais, ribeirinhas, quilombolas, extrativistas, assim como dos setores urbanos, sobretudo da periferia. “Queremos convidar que não apenas que nos façamos presentes, mas que de alguma forma estejamos apoiando este espaço que também é um espaço de luta”. Do mesmo modo fala Chicão, informando que o Instuto Padre Ezequiel Ramin chama todos e todas que possamos participar, conhecer e contribuir, para que se coloquem em movimento, organizem seus materiais, suas ferramentas de trabalho, tragam suas sementes e mudas.
“Para além da formação, do conteúdo, é importante o momento onde o pessoal da área urbana, os camponeses agricultores, o povo das florestas e das águas, os indígenas e quilombolas, todos possam garantir o espaço de resistência, colocando em destaque a biodiversidade amazônica”, afirmou Chicão.
Santos complementa dizendo que “a festa expressa o modelo plural de campo que nós temos, de diferentes formas de fazer agricultura, você vai ver gente que expressa essa pluralidade, é um retrato, é um símbolo, do que é a agricultura feita pelos camponeses e camponesas, ribeirinhos, quilombolas, indígenas”. Chicão por sua vez afirma ainda que o evento pode ser sintetizado na união: “Queremos fazer juntos uma grande festa, momento de contribuir, de dialogar, de ouvir uma boa música, de a família poder participar, a juventude se encontrar, as crianças conviver no espaço da ciranda”, arremata, apontando ainda que a festa representa um momento onde o trabalho de luta se converte em um espaço místico de fortalecimento da caminhada.
Concluindo o chamamento, Isabel Ramalho afirma que a festa enquanto construção coletiva, é mérito de muitas pessoas, homens, mulheres, toda uma diversidade, LGBTs, povos, pessoas que ao longo do tempo foram construindo alianças de luta e companheirismo: “Tá muito bonita, de fato nós vamos avançar, ampliar o nosso esperançar sobre a região amazônica, sobre o campo brasileiro e queremos dividir esses encantos da nossa festa camponesa com toda diversidade de pessoas que estiverem dispostas a estar aqui com a gente”. O povo dos campos, das águas e das florestas, o povo que de fato produz os alimentos que chegam até a mesa dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros, merece respeito.
Dia 14/07, sexta-feira:
9h – Abertura, com análise de conjuntura.
11h – Debate
14h – Os desafios da produção de alimentos saudáveis com justiça social na Amazônia
16h – Democracia e Esperançar – com Don Norberto
20h – Ato político e cultural com a participação de artista rondonianos e apresentação de Pereira da Viola
Dia 15/07, sábado:
08h – Seminários Temáticos: Religiosidade e Espiritualidade Camponesa; Agroecologia Camponesa e Sementes Crioulas; Conflitos no Campo em Rondônia; Os pOvos Tradicionais e Indígenas em Rondônia; Gênero e Diversidade LGBTQIA+; Saúde Integrativa popular Comunitária.
09h – Lançamento do livro “Geografias do Bolsonarismo”, de Bruno Malheiro.
11h – Troca de sementes crioulas
14h – Oficinas práticas: Recuperação de Nascentes e Plantio de Árvores; Peletização de Sementes e Água de Vidro; Comunicação Popular e Mídias Sociais; Produção de Açúcar e Melado de Cana; Capoeira; Teatro; Derivados do Cacau; Transição Energética e Energia Solar; Produção de Arpilleras.
16h – Marcha Camponesa.
19h30min – Noite cultural com artistas regionais e Forró Camponês.
Dia 16/07, domingo:
07h – Café Camponês
O que? VII FESTA CAMPONESA
Quando? 14 a 16 de julho de 2023
Onde? Centro Comunitário Católico
Avenida Dom Pedro I, St 05, Jaru, RO
Para mais informações, acessar as redes da VII Festa Camponesa de Rondônia:
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