26 de maio de 2021
Damos início a uma série de reportagens especiais sobre Guardiões da Agrobiodiversidade, Plantadores de Água e de entrevistas com Ambientalistas. A ideia é despertar a luta em defesa dos nossos biomas e saídas políticas para as emergências climáticas. As publicações especiais irão até dia 5 de junho, dia do Meio Ambiente. Acesse a primeira reportagem aqui.
Alfredo Portugal e Jucimaria Farias
MPA Bahia | Caem (BA)
Uma vida dedicada à agricultura. Dona Adelice Pereira, 59, recorda que ainda menina já cultivava sua própria roça, na comunidade de Novo Paraíso, em Jacobina, Bahia. Além do milho, da melancia, da abóbora e de outras variedades, dona Nice, como é carinhosamente conhecida, ajudava no plantio do feijão com sementes que ela mesma fazia questão de guardar ano a ano. A história de Adelice é também a história do cuidado com a terra, do respeito à natureza, do saber tradicional, da soberania alimentar, da agroecologia e principalmente a história das mulheres no campo e das sementes crioulas que alimentam a alma e o coração.
“Quando era o tempo do feijão do ano, a gente batia o feijão, eu já juntava, botava numa cabacinha e guardava quando fosse para o ano eu plantar. Então eu continuei naquela, fui gostando, achei muito bonitinho aqueles modo de semente, aí eu hoje em dia eu tô com essa idade e continuo”.
As sementes crioulas transcendem o ciclo entre a germinação e a colheita, elas materializam a cultura ancestral, dão sentido à vida, trazem o colorido de volta à terra. Seu Antônio Pereira, 64, companheiro de dona Nice traz a lembrança do gergelim que costuma plantar desde criança e até hoje ele tem essa variedade e espalha por toda a região, para toda comunidade. “Desde eu criancinha, essa semente já vem acompanhando a gente e a gente vai sempre incentivando para que ela não acabe na região da gente. E a gente continua cuidando desse banco de sementes e incentivando a comunidade para ver se cresce mais”.
Hoje eles guardam na sala de casa, na fazenda Tamburi, cerca de 210 variedades de sementes e reconhecem mais que nunca a importância desse trabalho para eles e para toda a região. Qualquer pessoa que faz uma visita tem acesso a esse banco de sementes. “Primeiro a gente cuida do meio ambiente pra que a gente não coloque agrotóxico nas sementes da gente, segundo a gente gosta de comer uma comidinha mais saudável e quer passar pra os outros também. Nem só pra gente, o pessoal da nossa comunidade também a gente gostaria que comece uma comidinha mais saudável”, afirma seu Antônio.
Perto dali, no município de Caém, Bahia, seu Valdemar Secundo conta que recebeu do pai a primeira semente em 1974, feijão de corda vagem roxa, a variedade que mais produzia na região. Ele diz que certa vez plantou uns 4 tipos de feijões diferentes e esse foi o que mais produziu, três vezes mais que os outros. A partir daí entendeu que o vagem roxa era o melhor adaptado às condições climáticas e ao solo local.
Ele ensina como faz para guardar essa e as outras 200 variedades que hoje compõem o banco de sementes da família por tanto tempo: “Meu pai me ensinou a armazenar no início num canto de casa colocando uma camada de areia, de semente, uma de cinza. Assim era com o feijão, o milho, a melancia. Hoje a gente guarda em garrafas bem sequinho, bem lacrado, cera em volta da tampa, dura até dois anos pra comer, e pra plantar dura mais”.
Josefa Secundo, companheira de seu Valdemar, é quem garante o plantio e os cuidados com as plantas. “Já plantei esse ano feijão de corda, andu, abóbora, fava, melancia, coentro, alface, açafrão, tomate, feijão mulatinho, tirei uns umbu fiz umas polpa. Plantando e guardando sempre tem”.
O que une essas histórias, para além do amor e dos cuidados às sementes crioulas, é o que eles chamam de família: o Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). Desde 2003 presente na região, vem de mãos dadas na luta pela garantia dos direitos das pessoas do campo, da soberania alimentar e da agroecologia como matriz tecnológica de plantio e cuidado com a terra.
O MPA, através do coletivo estadual de Soberania Alimentar, tem estabelecido debate sobre a necessidade de estabelecer um plano de ações estratégicas, para fomentar o resgate, a conservação e a multiplicação de sementes crioulas. Em parceria junto a órgãos e entidades governamentais, promove a criação de uma rede de sementes crioulas que visa identificar e ampliar a quantidade de guardiãs/os multiplicadoras/es, busca formação e acompanhamento técnico continuado, e ainda promover intercâmbios e a construção de um plano de comunicação.
Atualmente, o Movimento tem ainda a responsabilidade de coordenar a campanha Sementes, Patrimônio dos Povos a Serviço da Humanidade, da Via Campesina sensibilizando as famílias campesinas a adotar uma sementes para que cada uma delas possa tornar-se guardiã daquela variedade e essa não se perca de vista, num trabalho permanente.
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