6 de novembro de 2018
A chuva caia fina na cidade de Mariana, como de costume em todo dia 5 de novembro. Mas de três anos pra cá, as águas que descem do céu são de tristeza, pois o dia marca o maior crime socioambiental do mundo: o rompimento da Barragem de Fundão, no ano de 2015.
Naquela noite, por volta das sete horas, eram quase 200 os que enchiam a Igreja Nossa Senhora do Carmo aguardando o início da celebração pelos atingidos e atingidas do crime. Ao lado do povo oprimido e injustiçado, como sabem que devem estar, a Arquidiocese de Mariana e o Padre Geraldo Martins oferecem o momento para o espírito daqueles que lutam, mas também palavras de orientação e força para a continuidade dela.
O jornal A Sirene, conhecido já em toda a cidade e fora dela, estava nas mãos dos fiéis e bancos da Igreja. Em suas páginas estão relatos de vidas que tiveram seus sonhos esmagados pela lama de rejeitos e lutam para se reconstruir. A foto de um atingido enrolando um fumo com as mãos calejadas na mão demonstra um misto lembrança e esperança, sentimentos encontrados em cada atingido e atingida em toda bacia do Rio Doce.
Nas portas meninos e meninas do MAB, o Movimento dos Atingidos por Barragens, entregam outro jornal, uma edição do Brasil de Fato MG feita especialmente para a data, repleto de denúncias contras as empresas criminosas, e exigências dos atingidos e atingidas para reparação de seus danos e retomada de suas vidas.
“Senhor, pedimos discernimento e perseverança para a luta dos atingidos e atingidas”, e se fez aberta a celebração, dirigira pelo Padre Geraldo Martins. A chuva seguia fina lá fora, mas firme. Tão firme quanto a mão daquelas que empunham bandeiras do MAB, armas que foram obrigadas a conhecer e dominar em defesa de seus direitos.
O pároco agradece e parabeniza os presentes, membros do Movimento dos Atingidos por Barragens do Vale do Jequtinhonha, Espírito Santos, Vale do Aço e outras tantas regiões. O vereador de Mariana Cristiano Vilas Boas, o deputado Rogério Correia e a presidente da CUT Beatriz Cerqueira acompanham a celebração. São também cumprimentados a Comissão dos Atingidos e a Cáritas, entidade que acompanha a Assessoria Técnica no município.
O ritual segue como de costume, mas o clima dos que estavam naquele santuário percebiam que alguma coisa estava diferente. Os cânticos, cheios de palavras e expressões que refletiam esse clima: “liberdade”, “grito dos oprimidos”, “justiça”, “igualdade” e tantas outras.
Fé e união contra a injustiça
Padre Geraldo, em sua homilia, reforça a razão daquela celebração: “Fazemos memória para que a tragédia nunca mais se repita. Para que os responsáveis sejam devidamente punidos pela lei. Para que os atingidos e atingidas sejam devidamente reparados e indenizados. Para que nossa casa comum volte a ser respeitada e o rio volte a ser sinal de vida e esperança para aqueles que nele veem a própria vida”.
Suas palavras tocam cada um e cada uma dos presentes. O que ali estão sabem o que sofreram e seguem sofrendo em seu dia a dia, e clamam pela justiça. As empresas criminosas ainda não foram punidas, e já se passam três anos. A mineradora Samarco é a proprietária da barragem de rejeitos rompida há três anos. Controlada pela Vale e pela BHP Billiton, as duas maiores mineradoras globais no minério de ferro, as três juntas são responsáveis pelo crime, e seguem sem qualquer tipo de punição.
As indenizações não chegam, e os que receberam alguma coisa sequer conseguiram pagar pelas perdas e seguem desamparados. O Rio Doce está sem peixes, suas correntes mudaram, suas águas contaminadas. O povo não pode mais confiar no que há três anos era o pilar de suas vidas.
Os bebês já cochilam, e as crianças, algumas ansiosas nos bancos e outras com os olhinhos fixos na sacristia, os ouvidos atentos ao que diz o padre. Palavras parecidas com as que ouvem em suas casas, nas conversas de família, onde o assunto principal é o crime ocorrido há três anos e como farão para sobreviver e refazer suas vidas.
Padre Geraldo sabe que a luta não é fácil, que a “noite têm sido longa”, e por isso faz questão de destacar os três elementos que, para ele, mantêm acesa a chama da esperança e persistência na luta dos atingidos: Fé, União e luta.
Mas ele alerta que não fala de uma fé alienante, e sim de algo que torna aqueles atingidos e atingidas ainda mais críticos diante dos adversários. “Uma fé que mostra com clareza que não estão esmolando e sim reivindicando o que é de seu direito”, reforça. E orgulhasse dos lutadores e agradece. “Obrigada irmãos e irmãos atingidos por seu testemunho de fé. Cultivem ainda mais, porque ela nos torna fortes para enfrentar todo adversário e toda dificuldade”.
Fortes também os torna a união, fundamental para a garantia de direitos. Ele cita o Apóstolo Paulo quando afirma: “Aspirem a mesma coisa, unidos no mesmo amor. Viva em harmonia, procurando unidade, e não faça nada por competição e sim com humildade. Não cuide somente daquilo que é seu mas também do que é do outro”, sugere.
Para dizer dos perigos da divisão, Padre Geraldo alerta os atingidos citando Leonardo Boff que diz ser o Diabo responsável por ela. E reforça com a mensagem de Jesus: “Todo reino dividido contra si mesmo acaba em ruínas”. E por isso, reforça a importância da organização de base e de um movimento de base como o MAB e as pastorais, ou uma equipe experiente como a Cáritas.
Memória dos que se foram, e luta para os que ficam
Lágrimas corriam nos rostos daqueles que perderam entes queridos na tragédia anunciada da Samarco. A ministra da celebração lia cada um dos nomes dos 19 assassinados no dia 5 de novembro de 2015, o dia que ainda persiste na memória dos que ficaram. Uma oração repetida por todos clama que sejam recebidos em paz no reino dos céus, e esperança e força para quem aqui resiste.
Força essa que se expressa mais uma vez naquelas bandeiras que balançavam no centro da Igreja, símbolos da luta que fazem estes atingidos e atingidas há três anos. Essa luta, acompanhada por aliados e parceiros que choram e perdem o sono como cada um dos próprios atingidos, é a garantia da vitória. Padre Geraldo, é naqueles que doam a própria vida na solidariedade e compaixão que Deus se faz presente.
E foi entre estes que se forjaram irmão e irmãs na luta que abraços fraternos foram trocados. Confiantes que seguem juntos, os atingidos e atingidas ouvem mais uma vez Padre Geraldo garantir: “Deus está do lado dos injustiçados. E nesses tempos sombrios que vivemos, mais do que nunca, ninguém deve soltar a mão de ninguém”.
Por Equipe de Comunicação Marcha “Lama no Rio Doce: 3 Anos de Injustiça”
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