30 de abril de 2023
Bruno Pilon*
Lembro me bem quando chegara a mensagem do trágico acidente que nos tirou repentinamente a presença física do Derli e da Isabel, na época ainda com um singelo telefone analógico, chegava via sms a notícia que ninguém gostaria de receber. Estava em uma atividade de formação em Água Doce do Norte quando em meio a minha fala tive que noticiar o fato ao coletivo, quando retornava a nossa secretaria estadual custava acreditar que era verdade, talvez havia lido a mensagem de forma errada, mas não, Derli e Isabel haviam realmente partido deste plano no dia 30 de abril de 2011.
Uma coisa é fato, sempre que partimos de forma inesperada, ou somos convocados a uma viagem às pressas, deixamos algo para trás, para nós que ainda pisamos de forma física nesse solo, as vezes deixamos um livro sob a cabeceira, as chaves da casa, algum documento, ou alguma roupa que não lembramos de pegar no armário, sempre é assim quando apressadamente saímos a algum compromisso repentino. Fico pensando que Derli também saiu às pressas, e sim como uma pessoa que sempre gostava de partilhar (inclusive aquilo que poderia lhe fazer falta materialmente) ele deixou muito aqui conosco, nos deixou presentes que fazem com que sua memória permaneça aquecida, viva e ativamente nos guiando em nosso cotidiano.
Na sombra de algum umbuzeiro, árvore que aprendeu a amar quando foi acolhido no sertão, deixou a imaterialidade da formação, Derli tão pouco se preocupava com mesas, cadeiras, quadros, ou computadores, somente apenas com a vontade de aprender e ensinar, lhe bastava o necessário- O POVO. Em meio aos pontões rochosos das terras capixabas deixou ali sementes crioulas, como não encontrar alguma família que lhe acolheu em tantos momentos de luta e que em sua saída recebia alguma semente que sempre fazia questão de carregar no bolso, em poesias e parábolas que sempre encontrávamos datilografados em meios aos papeis e livros Derli deixou o jeito manso e poético de comunicar, com a forma de “des-cativar” que livrava o pensamento e a consciência do povo do cativeiro da exploração.
Nas madrugadas em meio ao deserto verde de eucalipto, por veredas e picadas Derli deixou um rastro, que nenhuma multinacional foi capaz de apagar, mudaram nomes, mudaram números, mas a luta por essa terra ainda carrega junto a outros caminhantes os passos de Derli, que levou para todos os cantos o grito de um povo massacrado pelo eucalipto.
Em meio a uma roda de viola, com um trago da cachaça, bebida cultural, Derli deixou um sorriso, uma simplicidade, a ternura e a paciência que devemos ter, para poder suportar os dias e momentos mais difíceis de quem vive e luta.
São inúmeros as memorias que Derli nos deixou, tantas ainda vamos encontrar, em meio aos lugares que passou, as pessoas que conheceu e as sementes que compartilhou, ao fim, entendemos que Derli, não deixou memórias por que simplesmente as esqueceu com um caminheiro distraído, ou muito menos pelo mero fetiche de que fosse lembrado, Derli Plantou, plantou a vida inteira, e mesmo sem ver a colheita, germinou.
Bruno Pilon
Comunicador e Designer Popular
Militante do Movimento dos Pequenos Agricultores- MPA.
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