16 de outubro de 2023
Coletivo de Soberania Alimentar
A pandemia escancarou as consequências da crise do capital sobre a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras. Essa crise política, econômica, social e ambiental não é provocada por nós, mas, sim pelas empresas do capital e por um Estado empresarial e repressor. Mas, com este contexto, somos nós que temos pagado a conta e sofrido as consequências.
Somos mais de 13 milhões de desempregados(as) e cerca de 40 milhões de pessoas que vivem do trabalho informal ou trabalho precário, agravando as condições de pobreza das famílias e aumentando o contexto de fome do campo à cidade. Partindo disto, e do contexto socioeconômico, o Brasil volta ao Mapa da Fome em decorrência de gestões que ignoraram as necessidades reais da população brasileira mais que, simultaneamente, garantiam o avanço do investimento sobre o agronegócio e as corporações do sistema agro-hidro-minério-negócio.
A partir das corporações do agronegócio o mundo virou um grande supermercado, único. As pessoas, independentemente do lugar do mundo onde moram, se alimentam com a mesma “ração básica”, fornecida pelas mesmas empresas: Nestlé, Monsanto, Bungue, Dreyfuss, Kraft Foods, Pepsi-cola, Coca-Cola, Unilever, Tyson Foods, Cargill, Marte, ADM, Danon etc., onde estes controlam 26% do mercado mundial, 100 cadeias de vendas diretas ao consumidor(a) e controlam 40% do mercado global, padronizando alimentos, estimulando o consumo de produtos comestíveis, criando uma rede artificial de alimentação que tem avançado adentro o cotidiano a vida da população brasileira.
O ano de 2023 traz para nós, como resposta dos últimos anos de desgoverno, um cenário desafiador com 33 milhões de brasileiros(as) em situação de fome. Esta fome avança sobre os bairros populares, o campo brasileiro e sobre a população negra, tendo maior incidência sobre a região norte e nordeste do país.
Ao lado disto, soma-se a insegurança hídrica. O campo brasileiro já convive de forma mais intensa com a falta de água para consumo humano e produção, e é neste cenário, que se concentra a maior parte dos dados relativos à fome.
Conforme o Inquérito de Insegurança Alimentar da Rede Penssan, o fornecimento irregular ou falta de água potável, atingiu em 2020 40,2% e 38,4% dos domicílios do Nordeste e Norte, respectivamente. Esses percentuais quase 3 (três) vezes superiores aos das demais regiões. Ou seja, a situação de insegurança hídrica e a relação com insegurança alimentar e fome é inegável. (…). A pesquisa da Rede Penssan constatou que “a proporção de domicílios rurais com habitantes em situação de fome dobra quando não há disponibilidade adequada de água para a produção de alimentos (de 21,8% para 44,2%)”.
Um dos resultados dessa trajetória é a concentração do varejo de alimentos sob domínio dos supermercados. Os dados mais recentes apontam para 91 mil lojas identificadas como supermercados, que respondem por pelo menos 80% do volume global de alimentos comercializados no varejo e movimenta a assombrosa cifra de R$ 544 bilhões/ano; as cinco maiores redes de supermercados abocanham quase 31% do faturamento do setor e as 20 maiores quase 44% desse faturamento.
A rotatividade entre as pequenas lojas é alta e, normalmente, são os pequenos supermercados que localizados nos bairros populares, respondem por boa parte do consumo da população. A cada loja que encerra sua atividade, bairros e comunidades experimentam a convivência com vazios alimentares que reforçam o paradoxo clássico do abastecimento segundo o qual os mais pobres pagam mais caro para comerem menos e com pior qualidade uma vez que a assimetria entre a renda desses setores populares e os preços dos alimentos, nos equipamentos menores, em virtude da incapacidade de reproduzir vantagens de escala, são mais altos. Se desaparecem do território, à assimetria renda/preço, somam-se restrições de acesso por inexistência de opções locais.
Esta tendência acentua fortemente a subversão da ideia de comida de verdade, trocada por substâncias alimentares ou, como apontam os especialistas, comida que imita comida. Os alimentos ultraprocessados cujo consumo, em razão dos baixos preços de venda e fácil acesso, explodiu arrastando consigo os agravos de saúde associados às doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes, hipertensão arterial, agravos do trato digestivo e hepático, câncer dentre outros. A obesidade converteu-se no retrato mais evidente da má alimentação, particularmente da população mais pobre, numa espécie de ressignificação do antigo paradoxo do abastecimento.
Esta trajetória ratifica a forma de atuação do sistema alimentar global; a indústria alimentar configura o sistema em forma de um triângulo, onde numa ponta se produz alimentos diversificados e orgânicos para os setores médios e seguimentos mais abastados da sociedade; noutra ponta a grande parcela da população alimenta-se com base em transgênicos, ultraprocessados e alimentos contaminados por agrotóxicos e por último se condena outra parte ao flagelo da fome.
Do outro polo do sistema alimentar, a produção também passa por inúmeras transformações e a agricultura familiar camponesa, historicamente a maior produtora de alimentos diversificados e de base agroecológica, vem perdendo espaço para o avanço da produção de commodities e para práticas intensivas em agroquímicos; a tendência de desativação das atividades agrícolas no seio da agricultura familiar é uma realidade cada vez mais presente.
Vários estudos demonstram através de séries históricas bastante representativas os limites da política agrícola baseada no crédito subsidiado subordinado ao sistema financeiro. Este quadro indica escassas possibilidades de que a simples reedição destas políticas, de indiscutível importância no ciclo anterior, possa se converter em vetores da transição agroecológica interligada ao abastecimento e a distribuição de alimentos.
Temos a alta no preço dos alimentos e o não controle de estoque regulador do Estado, pela existência de um plano Safra que fortalece o Agronegócio para produzir commodities para exportação e produtos super processados que não nutrem e mascaram a fome, de outro lado, vetando medidas de apoio e fortalecimento da Agricultura Familiar.
A predominância dos agrotóxicos no modelo produtivo, a forma como se apresentam os alimentos ultra processados sem capacidade de nutrir os corpos e mentes humanos. Nesse quadro, as mulheres têm sido as mais atingidas, elas são historicamente responsáveis pela alimentação das famílias e por isso tem que lidar com o combate à fome, buscando formas de colocar comida na mesa, lidando com a falta de emprego, pois foram as que mais perderam o emprego com as crises e ainda enfrentam uma grave ampliação da violência. A juventude, em especial a negra, segue morrendo nas periferias das cidades e sem oportunidades de produzir nos seus territórios e os povos e comunidades tradicionais tem seus territórios atacados ainda mais, como forma do capital retomar suas taxas de lucro.
A natureza também tem sido duramente ameaçada e com ela a vida humana. Imagens de animais selvagens morrendo pelo fogo chocam o mundo inteiro, nossas florestas estão sendo destruídas com a única função de manter a acumulação capitalista materializada em sua forma atrasada no agronegócio brasileiro. A resistência é necessária e deve se dar entre todos que acreditam numa sociedade mais justa, onde todos possam comer e viver com dignidade.
É com o contexto de intensa movimentação do capital e suas frentes dentro do território nacional que nos colocamos no desafio de enfrentar a fome com a força das nossas experiências dentro dos territórios. Território este alvo da cobiça das grandes empresas e setores do atual sistema capitalista que tem na apropriação da natureza e, por consequência, dos territórios campesinos a intencionalidade de explorar, com apoio financeiro, político e institucional do Estado. Somado a este cenário se sobrepõem crises de caráter sanitário, econômico, político, social e alimentar que dialogam com os conflitos agrários atuais.
Enfrentando de diversas formas as crises instauradas, os/as camponeses/as têm resistido. Esta resistência é construída por diversos motivos, seja pela preservação da vida, da natureza até a resistência diante dos conflitos agrários, despejos e violências, para seguir produzindo de alimentos. Esta resistência tem garantido a reafirmação dos territórios campesinos como espaço de vida e das lutas, salvaguarda da biodiversidade e produtor de solidariedade e alimento.
Seguimos afirmando que a agricultura familiar e camponesa é o alicerce para a soberania alimentar de uma nação. Por isso lutamos no campo e na cidade pela defesa dos territórios indígenas, quilombolas, camponeses/as, pesqueiros/as, dos Fundos e Fecho de Pasto, pela construção de políticas que contemplem desde a produção ao consumo. Rechaçamos a expansão agrícola e mineral que avança sobre áreas de produção de alimentos e sobre as florestas e biomas.
Neste contexto de pandemias, onde a luta em defesa da democracia nos últimos anos, amadureceu a compreensão que o alimento, representa através de sua força material e simbólica um importante elo entre as organizações do campo e cidade de forma intersetorial, como vetor de convergência e acúmulo de forças para a promoção de transformações que são estruturais, dentre elas a superação definitiva da fome em nosso país.
Neste quadro, a Transição Ecológica – energética e de sistemas alimentares – pode inaugurar uma grande inovação institucional e ser o grande vetor da mudança do estilo de desenvolvimento e promover uma recuperação transformadora. Para tanto não pode se limitar a produzir um novo arranjo macroeconômico e construir capacidades produtivas nacionais – redefinindo papel do Estado e dos setores econômicos – mas articular um grande processo de participação popular criando uma organicidade ativa que impulsione a educação de uma nova classe de consciência e cidadania vocacionadas a lutar por um ambiente como fonte de vida, justiça e direito para todos e todas.
A agroecologia e o abastecimento popular de alimentos sãos os caminhos perenes de combate à fome, por isso, propomos:
Programa de Alimento Saudáveis (PAS) É PAZ – O Brasil precisa de um Programa de Alimentos Saudáveis e propomos que o governo Lula una em um único programa, quatro grandes soluções:
“Quem tem fome tem pressa”
[1] Texto adaptado do Manifesto Contra a Fome e pelo Direito de se alimentar apresentado ao Candidato à Presidência da República – Luiz Inácio Lula da Silva (outubro de 2021) pelo Campo Unitário sob coordenação do MPA.
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