26 de setembro de 2017
Durante os dias 20 a 23 de setembro, o município paranaense da Lapa recebeu a 16ª Jornada de Agroecologia. Estiveram presentes no evento cerca de 2.000 pessoas, entre elas camponeses, estudantes, trabalhadores, advogados populares, povos indígenas e comunidades tradicionais.
A jornada de agroecologia é um importante espaço “de contínua troca de experiências e de (re)construção do saber/fazer/sentir camponês”, e hoje, é um dos principais eventos de incentivo a agroecologia do país. A Terra de Direitos colaborou na organização do evento, e esteve presente em dois seminários.
A carta política, publicada como resultado dos quatro dias do evento, denúncia o momento de instabilidade política que o país vive, e relembra os retrocessos instaurados pelo atual governo, como a Emenda Constitucional 95/2016 que congela os investimentos públicos sociais por 20 anos.
Keno tombou, mas enraizou. Sua semente germinou, brotou e permanece dando frutos. Keno está vivo entre nós, cuja história inspira força para a construção da sociedade que queremos.
A carta também reafirma a luta necessária dos movimentos sociais urbanos e rurais, fazendo um chamado para o fortalecimento dos mesmos, evidenciando a luta por igualdade, seja ela social, racial e de gênero. Leia a carta na íntegra, abaixo:
Nós, mais de 2.000 camponeses e camponesas, pequenos agricultores e agricultoras, jovens, trabalhadores e trabalhadoras, educandos, educadores, mulheres, crianças, idosos e idosas, internacionalistas, militantes, comunicadores e comunicadoras, artistas, povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas, faxinalenses, ribeirinhos e ribeirinhas, posseiros e posseiras, pesquisadores e pesquisadoras, advogados e advogadas populares e outros defensores e defensoras de direitos humanos de mais de 100 movimentos e organizações sociais e populares, vindos de todas as regiões do Brasil e 12 países, reunidos na 16ª Jornada de Agroecologia na Lapa, Paraná, entre os dias 20 a 23 de setembro de 2017, construímos com nossas mãos a resistência e a esperança.
Denunciamos os desmontes do Estado brasileiro, a concentração da riqueza e a expropriação de nossas terras pelo latifúndio e pelo agronegócio dominado pelos transgênicos e agrotóxicos e suas transnacionais. Anunciamos e defendemos permanentemente um modelo de agricultura agroecológica que traz as bases reais para o projeto popular e soberano do povo brasileiro. A agroecologia é caminho possível de desenvolvimento nacional que alimenta os trabalhadores e trabalhadoras da cidade e do campo com comida de verdade e respeita a nossa imensa biodiversidade e cultura.
Nesta 16ª Jornada, Keno Vive! Assassinado pelas milícias da transnacional Syngenta, em 2007, o companheiro Keno tombou lutando, assim como tantos outros militantes que rememoramos por terem sido lamentavelmente marcados na história brasileira de cercas e sangue. A memória de todos esses companheiros e companheiras mantém viva a chama de nossa luta.
Marca a 16ª Jornada de Agroecologia um ano do golpe, com a mais violenta ofensiva à democracia, aos direitos e à soberania brasileira. A crise capitalista de superprodução, que se estende desde 2008, reorganizou as burguesias internacionais e locais, com ofensivas imperialistas na América Latina. Impõe-se a dominação por meio da guerra, de golpes, de espoliações das reservas naturais estratégicas, dos alimentos e da biodiversidade, para consolidar a divisão internacional do trabalho que pretende acirrar a dependência latino-americana. No Brasil, se articulam a burguesia ruralista e especulativa, setores do judiciário e da grande mídia comercial, para edificar um projeto político-econômico neoliberal que culminou na deposição da presidenta eleita em 2016. Desde então, o governo ilegítimo implantou medidas que reforçam a posição do Brasil como exportador de commodities, com reprimarização da economia nacional. Investe-se na consolidação do modelo agroexportador brasileiro, que exige a importação do pacote tecnológico de maquinários, insumos, sementes, fertilizantes e agrotóxicos das grandes empresas transnacionais.
São incontáveis os retrocessos sociais, com rompimento do pacto da Constituição de 1988, que garantia amplos direitos sociais, especialmente com a Emenda Constitucional 95/2016 que congela os investimentos públicos sociais por 20 anos. Aumentam-se a concentração de renda, a superexploração dos trabalhadores e trabalhadoras, a exploração dos bens comuns do povo, a retirada de direitos, a violência e a criminalização aos movimentos sociais, o aprofundamento da privatização e mercantilização da saúde, da educação, da terra, da comunicação e até da natureza, com medidas que aqui denunciamos e registramos, tais como:
Reforçamos que tais medidas impactam igualmente a população da cidade, especialmente com as contrarreformas trabalhista (Lei 13.467/2017), previdenciária (PEC 287/2016) e política (PEC 282/2016), além do avanço do processo de privatização da educação e da saúde e a desvinculação dos investimentos nessas áreas.
Apesar deste quadro de retrocessos gerais na conjuntura agrária e urbana brasileira, nós, guardiãs e guardiões da agrobiodiversidade e construtores da agroecologia, reafirmamos que a Jornada permanece como um importante espaço de contínua troca de experiências e de (re)construção do saber/fazer/sentir camponês. Diante da impossibilidade de diálogo e negociação com o Governo Federal e do alinhamento de pautas entre os três poderes, reafirmamos ainda a urgência em fortalecer a articulação dos movimentos e organizações sociais do campo e da cidade.
Afirmamos o Plano Popular de Emergência, com a necessidade de reconstrução da democracia e acesso às políticas públicas na saúde, trabalho, educação, cultura, moradia, combate à violência e desigualdade, seguridade social, lazer, crédito e esporte. Para isso uma reforma política democrática de nosso sistema político é fundamental, além da realização de grandes reformas de base essenciais em nosso país: agrária, urbana, tributária, de democratização da mídia, dos meios de comunicação, do judiciário e do sistema de justiça.
Lutamos pela desapropriação dos latifúndios, das áreas em dívida irregular com a União e bancos públicos, das propriedades rurais cujos controladores estejam condenados por trabalho escravo, corrupção e desmatamento criminoso; pela implantação de um programa nacional para a produção, industrialização e comercialização de alimentos saudáveis; pela reestruturção do PAA e PNAE; pela linha de crédito do BNDES para a implantação de agroindústrias cooperativadas de assentados e agricultores familiares; pela implementação da Política Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos (PNARA) e do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), com a taxação de IPI e ICMS sobre todos os agrotóxicos; pela titulação de todas as terras de comunidades quilombolas, demarcação de todas as áreas indígenas e pelo reconhecimento das identidades e dos territórios de comunidades tradicionais; pela recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA); pelo reestabelecimento da Ouvidoria Agrária Nacional; pela transformação da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) em uma empresa estatal voltada à compra de alimentos da agricultura familiar e à adoção de programas públicos para distribuição de bens agrícolas; além da revogação da Emenda Constitucional 95 que congelou os investimentos sociais do Estado Brasileiro.
Nos somamos e fortalecemos as resistências populares na América Latina, em especial na Venezuela, que sofre ataques contínuos do imperialismo ao projeto bolivariano. Em nosso país, pautamos a unidade popular e do campo progressista da sociedade, em especial as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, já que sem democracia e sem direitos não há agroecologia e soberania.
Semeamos permanentemente novos valores, novos homens e mulheres e um novo projeto de sociedade e agricultura com protagonismo dos trabalhadores e trabalhadores e igualdade racial e de gênero e sexual. Sem feminismo também não há agroecologia.
A Agroecologia é prática, ciência, movimento, sendo a única saída democrática possível para um projeto popular soberano e para a superação da crise e da posição dependente brasileira. É condição para efetivação dos Direitos Humanos ambientais, culturais, econômicos e sociais, em especial ao da terra e território, à alimentação saudável, ao livre uso da agro e sociobiodiversidade e dos conhecimentos tradicionais a elas associados e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sustentável.
Keno tombou, mas enraizou. Sua semente germinou, brotou e permanece dando frutos. Keno está vivo entre nós, cuja história inspira força para a construção da sociedade que queremos.
Rumo à 17ª Jornada de Agroecologia!
Terra livre sem transgênicos e agrotóxicos!
Construindo um projeto Popular e Soberano para a Agricultura.
Cuidando da Terra, Cultivando Biodiversidade e Colhendo Soberania Alimentar.
Lapa, Paraná, Brasil, 23 de setembro de 2017.
Plenária da 16ª Jornada de Agroecologia.
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