14 de novembro de 2023
Carlos Madeiro
Coluna UOL
Pela primeira vez, mapas climáticos produzidos com dados dos últimos 30 anos apontam que o Brasil tem áreas com clima árido, similar ao de desertos. Isso foi causado pelas mudanças climáticas que aumentaram a temperatura da terra, associado à degradação gerada pelo uso humano.
Um ponto grave descoberto é que a aridez não se detém apenas o fator climático, mas também atmosférico, atingindo áreas degradadas, que enfrentaram uma redução nas chuvas ao longo dos últimos anos.
Uma nota técnica produzida por cientistas do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) e do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), órgãos do governo federal, alerta que o índice de aridez cai a patamares inéditos, aumentando áreas em desertificação.
O documento já foi entregue ao MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima) e demais orgãos que devem compor o plano de ação de mitigação ao problema.
“Nosso levantamento utilizou dados até 2020, e no novo mapa aparecem essas áreas áridas, mais precisamente na região norte da Bahia. A gente nunca tinha visto isso antes, essa é a primeira vez.” Javier Tomasella, pesquisador do Inpe e coordenador do estudo
O cálculo de aridez classificado pela UNCCD (Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação) leva em conta a média de chuva em um intervalo de 30 anos e a evaporação potencial. Quanto maior a aridez de um local, menor é a disponibilidade de água. (Entenda melhor o cálculo do índice)
Entre os fatores apontados estão as mudanças climáticas, que aquecem o planeta e levam a uma evaporação mais rápida da água. Tudo isso, claro, associado a questões humanas de degradação do solo, com desmatamento e queimadas, por exemplo.
A nota aponta que o processo de aridez do clima avança por todo o país, com exceção da região Sul. Além de Javier, o artigo ainda é assinado por Ana Paula Cunha e José Marengo, do Cemaden.
Hoje, oficialmente, o país tem 1.427 municípios classificados como semiárido em uma área que ocupa parte dos nove estados do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo.
O pesquisador Humberto Barbosa, coordenador do Lapis (Laboratório de Processamento de Imagens de Satélite) da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), publicou artigo recente em que revela, pela primeira vez, além de uma ação climática, uma aridez atmosférica em relação às áreas degradadas.
“O estudo mostra a redução das nuvens e da chuva, uma tendência estatística complexa de 18 anos com dados diários. Essas áreas coincidem com as áreas degradadas.”
Usando dados de satélite disponíveis dos últimos 18 anos, ele percebeu uma queda no número de nuvens no céu da região ao longo dos anos. O norte da Bahia também é apontado no mapa como a região mais afetada pela aridez, que também tem processos avançados de desertificação e degradação em menor escala em Minas, Pernambuco e Paraíba.
“Redução de nuvem na linguagem meteorológica a gente quer dizer que está se reduzindo a capacidade de chuva de um local.” Humberto Barbosa
Autor do livro “Um século de secas” ao lado de Catarina Buriti, Humberto explica que o Nordeste enfrentou oito eventos prolongados de seca desde 1845, mas nenhum deles durou seis anos, como a estiagem prolongada entre 2012 e 2017. “Foi a primeira vez que tivemos, antes eram períodos de dois, três anos.”
Barbosa cita que um fator preocupante no processo é que as secas têm agravado a degradação da cobertura vegetal na região. No estudo, ele analisou pela primeira vez a categoria especial de “seca repentina” no semiárido.
“Com início rápido e forte intensidade, esses extremos de seca e altas temperaturas duram apenas alguns dias ou semanas. O efeito combinado da redução na cobertura vegetal e do aumento das temperaturas, durante as secas, piora ainda mais a condição de aridez na região.”
A informação preocupa o MMA, que este ano criou o Departamento de Combate à Desertificação.
Segundo Alexandre Pires, que coordena esse departamento, o MMA vai usar os dados de INPE e Cemaden para atualizar o mapa das áreas suscetíveis à desertificação.
A última versão desse mapa é de 2015, e o novo documento vai apontar agora essas áreas e municípios classificados como de clima árido.
“O MMA está se articulando com os governos dos estados no sentido de retomada da política, de repactuação de ações que atendam a necessidade de implementação de práticas e tecnologias concretas de combate à desertificação.” Alexandre Pires
Ele explica que outras pastas devem ser envolvidas no processo para que possam apoiar os serviços de assistência técnica e rural a agricultores da região.
Também há um diálogo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para o lançamento de um edital de pesquisa sobre a agenda da desertificação focado sobretudo em grupos de mulheres agricultoras.
Nas últimas terça e quarta-feira, cientistas e autoridades se reuniram em um seminário em João Pessoa. O debate do tema foi promovido pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado), que está coordenando uma rede com quatro outros tribunais (de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Sergipe) para ajudar gestores com informações e cobra planos de mitigação de impactos da desertificação.
“Ou se cuida disso imediatamente, ou a desertificação obrigará a remoção das populações do semiárido.” Nominando Diniz, presidente do TCE-PB
A preocupação atinge todos os estados. A engenheira agrônoma e gerente de Estudos e Pesquisas em Meio Ambiente da Funceme (Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos), Margareth Sílvia Benício, palestrou no evento e diz que, apesar de não ter ainda áreas com clima árido, o Ceará é o único que tem 100% de seu território suscetível à desertificação, segundo levantamento de 2016.
Ela explica que, de 2016 para cá, novos mapeamentos apontam que as mudanças climáticas já estão interferindo e acelerando nesse processo. No estado, existem três núcleos de desertificação já percebidos, que são os que mais preocupam.
“As chuvas diminuíram e são muito espaçadas, as temperaturas estão elevadas, sem contar a pressão antrópica. A gente percebe isso que está alimentando a vulnerabilidade e nos assusta. É preciso que os governos sejam alertados e façam medidas de mitigação.” Margareth Sílvia Benício.
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