18 de julho de 2022
Mariana Sanches,
BBC News Brasil | Washington (EUA)
Ao mesmo tempo em que abriga a maior floresta tropical do mundo, o Brasil se converteu em um dos países mais perigosos das Américas para defender o meio ambiente, argumenta o colombiano Pedro Vaca Villarreal, que acompanha a investigação dos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Phillips.
Desde 2020, ele é o relator especial para a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Villareal tem acompanhado o caso desde o dia 6 de junho, quando a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) deu o alerta de que Dom e Bruno haviam desaparecido enquanto tentavam chegar de barco ao município de Atalaia do Norte (AM).
Eles voltavam de alguns dias de trabalho na região de uma das maiores terras indígenas do Brasil e teriam testemunhado e registrado a ocorrência de crimes ambientais – a suspeita é de que isso representou o fator principal nos assassinatos.
Pescadores ilegais da região confessaram o crime e levaram a Polícia Federal até o local onde os corpos foram queimados e enterrados. As investigações ainda não foram concluídas.
Villarreal afirma que o caso de Dom e Bruno, que ganhou enorme repercussão internacional, está longe de ser um episódio isolado. Antes, faz parte de uma escalada de violência na região que a CIDH tem denunciado.
“O assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira é reflexo do contexto de violência contra os defensores do meio ambiente no Brasil. Os repetidos relatos de violência contra defensores fizeram do Brasil um dos países mais perigosos da região para defender o meio ambiente”, disse Villarreal à BBC News Brasil.
Em 2021, antes mesmo que o caso de Dom e Bruno ganhasse espaço nos maiores jornais do mundo, a CIDH publicou relatório sobre a situação dos defensores de direitos humanos no Brasil, no qual destacou “incontáveis casos de defensores de direitos humanos ameaçados, perseguidos e até mortos”.
Segundo Villarreal, “há um quadro de vulnerabilidade persistente dos defensores que alarma a CIDH”.
A Relatoria Especial sobre Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais do órgão apontou, em monitoramento, que o país está na quarta posição no ranking mundial em número de assassinatos de ativistas ligados a causas ambientais, com 20 homicídios registrados em 2020.
A CIDH foi um dos primeiros órgãos internacionais a recomendar que o Brasil aumentasse os esforços para descobrir o paradeiro de Dom e Bruno, diante de denúncias de indígenas sobre os poucos recursos despendidos inicialmente nas buscas.
Agora, para Villarreal, o desafio do Estado brasileiro é duplo: fazer uma investigação de excelência, que esgote as possibilidades e chegue a um resultado satisfatório, e alterar as condições que têm permitido a escalada de violência e a deterioração ambiental na Amazônia.
Quanto aos procedimentos investigativos, Villarreal afirma que “os trabalhos parecem estar avançando”, mas também admite haver “opacidade” no modo como as informações têm sido repassadas ao público, o que, segundo ele, gera desconfiança.
Um dos pontos mais controversos até agora foi o comportamento dos órgãos investigativos em relação à existência ou não de mandantes para os crimes.
Em 17 de junho, 12 dias após os assassinatos, a Polícia Federal divulgou uma nota em que excluía a possibilidade de haver um mandante por trás da ação dos pescadores que admitiam culpa pelas mortes até aquele momento.
Uma semana mais tarde, no entanto, o superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Fontes, recuou e admitiu a possibilidade de que alguma organização criminosa pudesse estar por trás das mortes.
O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, o que, segundo Villarreal, obriga o país a esgotar a possibilidade de que os homicídios tenham sido encomendados justamente pelas atividades de defensor de direitos humanos e de jornalista dos dois alvos.
“Em relação à responsabilidade pelo assassinato de Dom Phillips e Bruno Pereira, as normas interamericanas estabelecem que as investigações sobre os assassinatos de defensores de direitos humanos e jornalistas devem levar em conta a existência de possíveis mandantes. Da mesma forma, a profissão (dos dois) deve ser tomada como possível motivo do crime. Destacamos que estas linhas de investigação devem ser totalmente esgotadas no caso de Dom Philips e Bruno Pereira”, afirmou Villarreal.
Ainda segundo o relator da CIDH, a investigação precisa ser concluída em “prazo razoável”, “sem falhas nas coletas de informações” e “sem descartar possibilidades investigativas lógicas” sobre o crime.
“A falta de uma resposta institucional enérgica envia uma mensagem permissiva à violência”, alerta Villarreal.
Para o relator da CIDH, apenas uma investigação primorosa não deve ser capaz de alterar sozinhas as condições que têm permitido a escalada da violência na Amazônia.
“A situação de violência contra pessoas que contribuem para a deliberação pública e a democracia, como jornalistas, ativistas e defensores no Brasil, tem sido agravada por comentários estigmatizantes e erráticos de autoridades públicas de alto escalão, o que em muitos casos pode aumentar os riscos inerentes ao trabalho dessas pessoas”, argumenta Villarreal.
Em seu relatório de 2021, a Relatoria Especial de Liberdade de Expressão já apontava que “declarações estigmatizantes contra a imprensa, especialmente de altos funcionários públicos do Poder Executivo, incluindo o presidente da República, geram um ambiente de deterioração do debate público e da liberdade de imprensa no Brasil”.
O presidente Jair Bolsonaro tem histórico de ofensas a jornalistas. Durante uma entrevista coletiva, em 2020, respondeu a um repórter que tinha “vontade de encher a tua boca com porrada”.
Villarreal também destaca a preocupação com o teor de declarações de Bolsonaro e de seu ministro da Justiça, Anderson Torres, em que atribuem responsabilidade às próprias vítimas pela violência que sofreram.
“Ocorreu em torno do caso de Dom Philips e Bruno Pereira, quando funcionários públicos descreveram as atividades das vítimas como ‘uma aventura não recomendada em uma região selvagem’.”
“Autoridades podem enviar uma mensagem revitimizadora [de culpabilização da vítima] e têm potencial para agravar o cenário de violência, o que é especialmente preocupante em uma situação complexa como a deste caso”, diz o relator da CIDH.
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