25 de janeiro de 2022
Entenda as estratégias da mineradora Vale para seguir negando direitos dos atingidos e saiba quais foram as principais conquistas da luta coletiva nessa jornada em busca por justiça
Movimento dos Atingidos por Barragens
As chuvas intensas registradas em Minas Gerais nos últimos meses caíram em territórios já destruídos pela mineração, em rios assoreados e em dezenas de barramentos de rejeito mineral que representam perigo constante para as populações. No caso da Bacia do Rio Paraopeba, milhares de atingidos pela Vale foram novamente impactados quando o rio subiu, deixou casas praticamente submersas e, ao retornar ao leito, abandonou toneladas de lama com rejeito tóxico nas ruas e nas casas.
Os atingidos que tiveram que entrar em residências inundadas para ajudar a resgatar famílias ilhadas estão com manchas vermelhas e coceiras, principalmente nas pernas e braços. Enquanto isso, os trabalhadores/as da Vale que atuam na região foram orientados a não ter contato com a água das enchentes.
Os moradores que já denunciavam problemas de saúde relacionados à água contaminada, como de dor no estômago e náuseas, diante do agravamento provocado pelas enchentes, não querem voltar para suas residências, porque não têm condições de remover, de forma segura, todo o material contaminado que tomou suas casas. Muitos agricultores que tinham grandes plantações de hortaliças, além de perderem tudo novamente, não querem produzir em um solo ainda repleto de rejeitos tóxicos.
Vale busca controlar o processo de reparação e combater a organização popular
Enquanto os problemas econômicos, sociais e ambientais se ampliam, a Vale busca ter o controle do processo de reparação dos danos causados por ela mesma, utilizando-se de todos mecanismos à disposição da segunda maior mineradora do mundo. Além de articular nos governos e no Poder Judiciário diversas formas de negar direitos, dificultando a participação dos atingidos no processo, a empresa trabalha cooptando lideranças locais para criar conflitos entre os moradores e enfraquecer a luta coletiva. Além disso, promove assédio moral através de seus funcionários.
Paralelamente a essa atuação deplorável no território, em fevereiro de 2020, a empresa fez um acordo com o governo do estado e entidades de justiça, sob sigilo e sem o envolvimento das famílias atingidas, economizando R$ 17 bilhões.
Dos R$ 54 bilhões pedidos nas ações de reparação dos danos, a Vale vai pagar apenas R$ 37 bilhões. Parte desse montante será transferido para o governo do estado investir em obras que nada têm a ver com a reparação do crime de Brumadinho. É o caso do Rodoanel, que levou R$ 4,4 bilhões do acordo e irá criar novos atingidos ou atingir novamente famílias no trecho em que a obra será executada.
Por isso, em parceria com outras organizações, o MAB está questionando no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG) e no Supremo Tribunal Federal (STF) a legitimidade deste acordo realizado sem participação dos maiores interessados.
A principal reivindicação é o protagonismo dos atingidos/as na definição e foco dos dos programas e projetos a serem executados no plano de reparação, como é o caso do programa de recuperação e desenvolvimento da bacia do Paraopeba e do Lago de Três Marias, que representam R$ 3 bilhões do montante a ser desembolsado pela mineradora.
Os atingidos reivindicam que R$ 2,5 bilhões desse total sejam investidos para melhorar efetivamente as condições de vida da população, ampliando o acesso a serviços básicos para atender às novas demandas sociais criadas pelo próprio crime.
Além de realizar um acordo sigiloso, a mineradora divulgou informações falsas qeu sugeriam que, em 25 de janeiro de 2022 haveria a prescrição do crime, o que é seria impossível por conta de diversos dispositivos da legislação brasileira, para pressionar atingidos a assinarem acordos de indenização individual,enfraquecendo os movimentos que buscam uma reparação coletiva e integral dos danos causados.
As conquistas da luta coletiva
Apesar de todas essas tentativas de boicote à garantia dos direitos dos atingidos, nestes três anos, as conquistas alcançadas no âmbito do processo de reparação foram fruto da luta e organização dos moradores em seus territórios.
A primeira conquista foi impor à mineradora Vale o necessário reconhecimento de que existe uma ampla diversidade de atingidos em toda a bacia do Rio Paraopeba, onde se perpetuam contínuas e graves violações de direitos fundamentais.
O imediato desequilíbrio socioeconômico provocado pelo crime nas comunidades atingidas não poderia ser calculado ou ignorado nos primeiros meses após o rompimento. Assim, reivindicamos e conquistamos o auxílio emergencial para mais de 100 mil atingidos. Durante as negociações do acordo celebrado entre a empresa e o estado de Minas Gerais, propusemos e conquistamos o Programa Transferência de Renda (PTR), que agora irá assistir mais de 150 mil atingidos. A luta continua pelas 23 mil pessoas que ainda aguardam a regularização do recebimento mensal anterior, incluindo bloqueados, atrasados e suspensos, sendo 6 mil casos em Brumadinho e 17 mil entre os municípios Mário Campos, Betim – Citrolandia, Juatuba e São Joaquim de Bicas.
Outra conquista de extrema relevância foi o direito à Assessoria Técnica Independente (ATI), que oferece corpo técnico de confiança para assessorar os atingidos no processo de reparação integral, buscando meios para garantir a participação qualificada, contribuindo para o árduo trabalho de identificação das perdas provocadas pelo crime, por meio da “matriz de danos”, que almeja a criação de parâmetros para indenizações individuais justas. Tais conquistas dos atingidos foram imprescindíveis para seguirem na luta pela reparação integral.
A luta continua para que se efetivem importantes leis aprovadas em Minas Gerais. Uma delas é a Lei Estadual nº 23.291/2019, popularmente conhecida como Lei “Mar de Lama Nunca Mais”. O anseio pela criação de uma legislação mais rígida quanto à construção de barragens e fiscalização sobre elas surgiu ainda em meados de 2016, quando se completavam seis meses do rompimento da barragem da Samarco (Vale/BHP Billiton), em Mariana. Por três anos, o tema tramitou na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) sem nenhuma definição.
Somente após o rompimento do complexo de barragens da Vale, em Brumadinho, e muita pressão popular e das instituições de justiça, os deputados resolveram votar a lei. Apesar de sancionada pelo governador no dia 25 de fevereiro de 2019, até hoje, muitos pontos não foram regulamentados. Pelo contrário, há um boicote por parte do governo estadual que quer flexibilizar as regras para favorecer as mineradoras.
Entre algumas conquistas da lei, estão: construir barragens sempre deve ser a última opção diante da necessidade de depositar rejeitos; nenhuma barragem pode ser construída a menos 10 km de núcleos populacionais (pode chegar ao mínimo de 25 km, em alguns casos); todos os processos devem ter audiências públicas com ampla participação e as empresas devem fazer uma garantia financeira prévia para a recuperação socioambiental nos casos de rompimento e desativação da barragem.
Em nível nacional, a legislação brasileira tem sido omissa. Por ausência de marco legal, a situação dos atingidos se agrava. E quando acontecem crimes, como os que ocorreram em Mariana e Brumadinho, o padrão de violação dos direitos é muito grave, intensificando a vulnerabilidade, incluindo na saúde física e mental, na prestação de serviços públicos, educação, etc.
Por isso, o MAB também luta pela aprovação da Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas – PNAB. O propósito do movimento é garantir em lei os direitos dos atingidos por barragens para ser instrumento de luta e um parâmetro a ser seguido por qualquer empresa, na construção de qualquer barragem, em qualquer lugar do território nacional e em casos de rompimento e ameaças.
Minas Gerais foi o primeiro estado a aprovar a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (PEAB) por meio da Lei nº 23.795/2021, uma conquista da luta coletiva que já pode ser aplicada nas situações das pessoas atingidas pelo planejamento, construção, instalação, operação, ampliação, manutenção ou desativação de barragens. Em todo este processo, exigimos a ampla e informada participação popular no planejamento, decisão e execução destas políticas.
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