17 de novembro de 2021
Por Marinilda Mandu*
O camponês em sua essência é sempre desconfiado, a princípio, com as inovações cientificas e os avanços tecnológicos. Ao longo da existência do campesinato estes sempre foram movidos pelos conhecimentos natos, milenares, fruto das suas curiosidades, observação, experimentos e trocas de experiências. Ou seja, o campesinato desenvolve conhecimentos próprios que na ciência são chamados de conhecimentos empíricos.
Lembro do meu pai (em vida) indignado com as dificuldades referente a assistências técnicas governamentais que aliás, em geral, sempre deixou a desejar por não corresponder as necessidades reais e expectativas do campesinato. Certa vez ele disse: _ Eu não quero saber destes “Ténicos” eles não sabem de nada. E ia para a sua lida diária no campo mesmo que, por muitas vezes, por falta de orientações corretas, assistência técnica qualificada e eficaz, lhe custasse muitos prejuízos naquilo que se propunha a fazer. Mas também, a duras penas, também aprendia, fazia descobertas e repassava às futuras gerações. Assim é o universo do camponês no seu trato e zelo pela terra, pelos animais, pelas plantas, pela natureza, pela biodiversidade.
Não é diferente comigo. Sendo camponesa em um Assentamento de Reforma Agrária denominado Palmares, localizado no município de Nova União-RO, sendo educadora popular, dirigente sindical e militante dos movimentos sociais do campo em especial o Movimento dos Pequenos Agricultores- MPA. “Quando chegar na terra, lembra de quem quer chegar. Quando chegar na terra lembra que tem outros passos a dar.” (Ademar Bogo).
Atuando na educação me incomoda quando é imposto aos professores pacotes prontos para cumprir tabelas, atendendo os interesses de órgãos governamentais, sem uma sondagem se as propostas apresentadas correspondem as realidades e aos anseios locais.
Mais uma vez me vi assim diante da proposta de desenvolver de forma remota o projeto Jovens Empreendedores Primeiro Passos (JEEP) do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). O tema proposto para a turma de 1º ano, series iniciais do ensino fundamental é atraente: o mundo das ervas aromáticas, porém o camponês astuto, coerente com o seu modo de ver a terra e todos os recursos advindos dela, olha com desconfiança o termo empreendedorismo e a visão mercantilista que se desenvolve em torno dela. O camponês tem uma forma peculiar de ver e lidar com a terra, a natureza. Uma pertença ao espaço onde vive e a tudo que se desenvolve em torno deste espaço. Há um receio de se tratar a terra e os bens naturais como mera mercadoria.
Após dias pensando o que fazer me coloquei de prontidão para o desafio. Se é para fazer que seja feito o melhor, a começar pela elaboração do projeto, que não seja algo mecânico, nos quadradinhos para atender interesses alheios, mas que seja algo que faça valer a experiência, que transforme, que envolva crianças, seus familiares e todos os que se sentirem cativados pela ideia sendo um espaço amplo de descobertas, partilhas de conhecimentos, de vivências práticas. E assim tem sido. Me surpreendo com o que tenho proposto semanalmente, com a assimilação e prontidão por parte das famílias e crianças e com a surpresa das pessoas que passam a conhecer a proposta.
Filha de camponeses, nordestinos, retirantes, migrantes e pobres que sempre lutaram pelo direito e acesso à terra, sempre me encantei com detalhes proporcionados pela natureza e pelo ambiente em que vivemos. Com as plantas, as flores. Gosto de conhecer os seus nomes, as suas propriedades, as suas indicações e de pesquisar seus nomes científicos. Neste projeto está sendo possível vivenciar isto, e me admira perceber nas trocas de experiências o quanto conhecemos sobre várias plantas, e as vezes não nos damos conta disto.
Por outro lado, me vejo diante das pessoas que se questionam diariamente, o quanto a tecnologia dispõe de recursos e informações e não chegamos a utilizar e conhecer um terço delas. Assim também é em nossas comunidades, a diversidade de plantas existente é enorme, não conseguimos absorver tantas informações, não conseguimos ter a dimensão das variedades, propriedades de muitas plantas e benefícios para a saúde. É comum termos plantas ao nosso redor com uma capacidade terapêutica enorme e não conhecermos estas plantas. Outro fator interessante e que muitas delas se apresentam por nomes diferentes, de várias famílias, mesmo vivendo em regiões próximas uns dos outros. As vezes, falamos da mesma planta e nos relatos prevalece o saber popular e milenar dos camponeses em relação as plantas e os segredos da terra. As crianças também se encantam com as descobertas que vão fazendo quando se deparam diante das atividades práticas e de produção.
Neste processo místico, educativo, encantador, entre os debates e atividades propostas a cada novo encontro, fazemos grandes descobertas e trocamos muitas experiências. Já produzimos com base nas ervas aromáticas: chás caseiros, tintura de plantas, aromatizante de ambientes, desinfetante, repelente, garrafadas… estamos preparando mudas e sementes de ervas aromáticas para partilhar com outras famílias no encerramento do projeto.
Algumas espécies de ervas citadas e utilizadas nestas experiências e que serão partilhadas: Alfazema, erva cidreira, capim cidreira, rosas de cores diferentes, hortelãs espécies variadas, vick, orégano. Curcuma caesia (açafrão preto/zedoário preto). Dente de leão. Chapéu de couro. Carqueja. Quebra pedra. Sucupira. Noz moscada. Alfavaca, poejo. Amora, abacate, canela. Sementes de girassol (vermelho e amarelo). Citronela. Alecrim. Maracujá. Maracujá do mato (grande), Manjericão e outros.
A parceria com o Sebrae consistiu na capacitação de professores, entrega do manual do professor e livros para as crianças, ademais nos restou agarrar a ideia, ir a campo, mergulhar no universo das ervas aromáticas e em aulas remotas devido ao distanciamento social exigido em função da pandemia Covid-19. Praticar o que conhecemos e fazer novas descobertas. Observar e aprender com a natureza e com os recursos diários que ela nos oferece, respeitando a terra, os recursos naturais e a biodiversidade.
E quanto a proposta inicial do projeto que seria montar uma loja para venda de ervas aromáticas foi alterada. Tudo o que estamos produzindo será partilhado porque não tem nada mais gratificante aos camponeses do que o ato e sabor da partilha de tudo aquilo que produzem e que vem da terra e da natureza, assim como partilhar os conhecimentos adquiridos.
E viva o Campesinato!
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