29 de julho de 2021
Carlos Wagner | Porto Alegre (RS)
O que vou escrever sobre conflitos agrários não ouvi falar. Testemunhei pessoalmente e documentei em reportagens, livros e palestras. A disputa pela terra geralmente fica nos jornais e nos livros. Dificilmente vira assunto nas escolas. Sempre reclamei disso, por julgar necessário contar para os estudantes a história correta de como as coisas aconteceram. Trabalhei em redação de jornal de 1979 até 2014. Descobri que quando repórter sai da redação ele leva junto as suas histórias. Eu não apenas levei comigo as minhas histórias como continuo trabalhando nelas. É sobre isso que vamos conversar. Vamos aos fatos.A foto do homem armado com uma espingarda publicada no Twitter da Secretaria Especial de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) em homenagem ao Dia do Agricultor não é só um desrespeito para com as famílias rurais, em especial aquelas que tiveram seus parentes mortos nos conflitos agrários. Ela é um atestado de ignorância da história dos conflitos agrários do Brasil. Armas nunca faltaram nessa disputa. A política do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de armar os proprietários rurais é coisa para inglês ver. Por quê? Eles sempre tiveram armas. E quando o caldo engrossa, eles entram na Justiça pedindo reintegração de posse e as polícias militares os protegem. Os grandes proprietários têm segurança particular armada e pistoleiros de aluguel ao seu dispor. Mais ainda: o período das grandes confrontos agrários entre sem-terras, proprietários rurais, policiais militares e pistoleiros aconteceu do final dos anos 70 até o início da década de 90.
O que resultou desses confrontos? A formação de uma classe média entre os pequenos e os médios proprietários que hoje abastecem as agroindústrias instaladas pelo interior do Brasil, gerando centenas de empregos. Entre os grandes proprietários há uma profissionalização na administração dos seus negócios. Atualmente, a principal preocupação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é com a legalização dos lotes de terra na Justiça. E as entidades que representam os grandes proprietários estão preocupadas em vender para os mercados internacionais a imagem que não estão envolvidos em conflitos agrários e muitos menos com a destruição do meio ambiente. Esses pequenos, médios e grandes proprietários formam o que chamamos de agronegócio, um dos pilares da economia nacional. Hoje, os confrontos armados pela posse da terra acontecem no interior dos Estados do Nordeste, principalmente em lugares onde ainda sobrevivem os “coronéis”, como são conhecidos os antigos proprietários de terra que mantêm o seu poder graças ao “voto no cabresto” – pessoas que votam em quem ele mandar.
E o grande conflito agrário hoje acontece na Floresta Amazônica. Por quê? Antes de responder à pergunta. A primeira vez que estive na região foi no julgamento dos matadores do sindicalista e ambientalista Chico Mendes, em Xapuri, pequena cidade no meio da floresta, no interior do Acre. Foi em 1990, e fiquei três semanas na região. Conheci a Marina Silva, que foi senadora e ministra do Meio Ambiente, e toda uma geração de ecologistas que nasceu nas lutas de Chico Mendes pela preservação da floresta. Ele foi tocaiado e morto em 1988 pelo fazendeiro Darly Alves da Silva e o seu filho Darcy Alves Ferreira. Os dois foram condenados a 19 anos de prisão. Em 1993, trabalhei no massacre dos índios ianomâmis por garimpeiros em Roraima, na fronteira com a Venezuela. Em 2004, acompanhei a matança de 29 garimpeiros pelos índios cintas-largas, na Reserva Roosevelt, em Espigão do Oeste, em Roraima. A última vez que estive na região foi em 2019. Agora respondendo à pergunta. De uma certa maneira, nas últimas três décadas o governo federal conseguiu frear a ação dos garimpeiros e dos madeireiros ilegais na Floresta Amazônica. Isso acabou com a posse atual presidente da República, que liberou geral a ação dos garimpos nas terras indígenas e a atuação dos desmatadores. Toda a história é contada no inquérito da Polícia Federal (PF) que investiga a ação do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. Hoje há um confronto armado entre madeireiros ilegais, garimpeiros e índios. Governos estrangeiros, incluindo os Estados Unidos, têm advertido as autoridades do Brasil que os produtos brasileiros podem sofrer retaliação nos mercados internacionais. Claro, o principal prejudicado vai ser o agronegócio.
A lambança que o governo Bolsonaro armou no Brasil é imensa, em todas as áreas. Basta ver a foto que foi publicada em homenagem ao Dia do Agricultor. Hoje, os agricultores, como as demais famílias brasileiras, vivem assombradas pelos estragos que a Covid-19 vem fazendo. Já são mais de 550 mil mortes. A cura, que é a vacina, vem sendo feita a conta-gotas. O medo da doença nas cidades agrícolas é tão grande como em qualquer outro lugar do Brasil.
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