19 de junho de 2025
Uma delegação da Via Campesina está em Bonn, inclusive com um dirigente do MPA do Rio Grande do Sul, Gerson Borges, acompanhando de perto as negociações, as tensões e o papel cada vez menor das soluções reais para a crise climática.
Fonte: Via Campesina – 19 de junho de 2025
De 16 a 27 de junho, a 62ª sessão dos órgãos subsidiários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (SB62) acontece em Bonn, Alemanha. Como prelúdio à COP30 em Belém do Pará, Brasil, este fórum técnico tornou-se uma arena-chave de disputa entre interesses corporativos que promovem falsas soluções e pessoas que defendem alternativas reais para a crise climática, desempenhando um papel estratégico na formação de futuras decisões políticas.
Nessas negociações, movimentos sociais alertam para o avanço de narrativas que, sob a linguagem de “soluções baseadas na natureza” e “transições energéticas”, abrem ainda mais as portas para a grilagem de terras, a expansão dos mercados de carbono e o aprofundamento do modelo extrativista. As discussões em torno dos novos mercados de carbono do Artigo 6, por exemplo, continuam priorizando a compensação em detrimento da redução efetiva das emissões. Na prática, isso se traduz em um maior deslocamento de comunidades por grandes corporações que, mesmo aumentando suas emissões, conseguem “reduzi-las” adquirindo créditos de carbono em países do Sul Global, configurando assim o chamado colonialismo verde.
Um dos eixos centrais das negociações em Bonn gira em torno do chamado roteiro Baku-Belém, que define o caminho da COP29 no Azerbaijão para a próxima COP29 no Brasil. O roteiro aborda transições justas, financiamento, adaptação e revisão das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), mas em muitos casos não há clareza quanto aos compromissos efetivos dos Estados, mecanismos de responsabilização e participação efetiva da população. Por exemplo, as NDCs continuam sendo tratadas como instrumentos de mercado, abertas a projetos de compensação que não reduzem as emissões, mas geram lucros para empresas intermediárias.
O tema do financiamento climático é outro foco central deste roteiro, que estabelece a meta de mobilizar pelo menos US$ 1,3 trilhão anualmente para países do Sul Global até 2035, combinando recursos públicos e privados.
Embora esse número tenha sido apresentado como um avanço ambicioso, os movimentos sociais presentes em Bonn questionaram profundamente tanto sua origem — onde fundos públicos garantem lucros privados, deixando comunidades vulneráveis desprotegidas — quanto sua estrutura, na qual o que é apresentado como apoio financeiro pode reforçar mecanismos de dependência ou mesmo novas formas de desapropriação.
Portanto, para além dos valores e promessas, diversos movimentos sociais presentes em Bonn questionam estruturalmente o próprio conceito de “finanças climáticas”. Eles argumentam que, antes de falar em finanças, é necessário mudar o contexto do debate: “Não falemos de finanças climáticas sem antes discutir a dívida histórica do Norte global com o Sul: quem criou a crise e quem sofre com ela?”
Muitas das ferramentas promovidas — como empréstimos verdes, seguros climáticos ou parcerias público-privadas — impõem novas formas de endividamento aos países do Sul Global, muitas vezes em condições opacas. Em alguns casos, esses mecanismos concedem às entidades financiadoras direitos sobre terras, recursos ou infraestrutura estratégica. Diante dessa realidade, a questão premente não é quanto será financiado, mas com quais instrumentos e sob quais relações de poder. Movimentos camponeses, como a Vía Campesina, têm mantido uma posição clara nesses espaços: “Doações, não empréstimos “, como um princípio que reconhece que o financiamento climático não deve ser mais um fardo, mas sim uma reparação incondicional pela injustiça histórica e pela dívida ecológica do Norte Global para com os povos do Sul.
A ausência dessa abordagem política deixa em segundo plano soluções genuínas e impulsionadas localmente. A agroecologia camponesa, por exemplo, tem estado praticamente ausente das discussões oficiais, apesar de seu papel comprovado na resiliência climática, no resfriamento global e na soberania alimentar. Em vez disso, são promovidos pacotes tecnológicos como a “agricultura climaticamente inteligente”, o uso intensivo de bioinsumos industrializados e sistemas de certificação que impõem altos custos às comunidades camponesas sem abordar as causas estruturais da crise.
A crescente influência de atores corporativos nas negociações climáticas se traduz em uma arquitetura multilateral cada vez mais fragmentada e menos vinculativa. Fala-se em “transição energética”, mas sem qualquer discussão séria sobre a redução do consumo de energia nos países do Norte. A “inclusão comunitária” é mencionada, mas a participação efetiva de movimentos sociais é limitada, enquanto a criminalização de defensores da terra em muitos países não é discutida nem implementada.
São propostas “soluções baseadas na natureza”, mas sem questionar a apropriação de terras que estas podem provocar.
Embora haja amplo reconhecimento da necessidade de mobilizar mais recursos para apoiar a adaptação e a mitigação em países do Sul Global, muitos dos eventos organizados no âmbito da SB62 parecem mais reuniões de negócios do que espaços para contribuir para a definição de políticas eficazes de combate à crise climática. Empresas de energia, bancos de desenvolvimento, fundos de investimento e consultorias apresentam projetos, tecnologias e modelos de negócios como se estivessem em uma feira comercial.
Desde a participação em Bonn, ficou claro que a linguagem da justiça climática foi apropriada por múltiplos atores, mas esvaziada de conteúdo político. Em resposta, diversas organizações presentes — incluindo a Via Campesina — buscaram tornar as contradições visíveis, gerar análises conjuntas e articular uma agenda de ação popular para a COP30, que resgatará o papel daqueles que habitam e defendem os territórios e enfrentam os impactos das mudanças climáticas na linha de frente. O desafio é duplo: resistir ao avanço de falsas soluções e continuar construindo alternativas reais de baixo para cima.
Este trabalho de monitoramento e denúncia faz parte de um processo mais amplo de articulação entre movimentos sociais e aliados do Movimento Global pela Justiça Climática, visando a COP30 em Belém. Nesse sentido, a participação ativa de comunidades camponesas, indígenas e afrodescendentes, pescadores artesanais, mulheres e jovens será essencial para questionar os rumos das negociações climáticas. O objetivo é exigir que os Estados priorizem os direitos das pessoas em detrimento dos lucros corporativos, reafirmando que outro modelo de vida – justo e em harmonia com a natureza – não só é possível, como urgente.
Acesse o discurso de Gerson Borges (MPA Brasil) na Pré-COP 30 em Bonn
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