25 de setembro de 2018
As grandes aglomerações urbanas só podem chegar a um nível de bem-estar satisfatório se, ao redor delas, existirem áreas rurais. É neste contexto que a agricultura campesina surge como alternativa que poderá proporcionar inúmeras melhorias para as cidades. Segundo o sociólogo holandês Jan Douwe van der Ploeg, este é o caminho para sanar as necessidades urbanas, inclusive a pobreza alimentar. “É uma agricultura mais humana, com uma comercialização mais humana”, afirma o pesquisador.
Professor de Processos de Transição na Europa, na Universidade de Wageningen, da Holanda, Ploeg está em Porto Alegre para a III Conferência Internacional Agricultura e Alimentação em uma Sociedade Urbanizada (AgUrb), evento que ocorre durante esta semana na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Na tarde desta quarta-feira (19), o sociólogo também falou sobre a contribuição dos camponeses para a soberania alimentar, economia de oposição e recampensinização.
Ploeg participou do simpósio ao lado do dirigente nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), João Pedro Stédile, da professora emérita da Escola Munk de Assuntos Globais da Universidade de Toronto, Harriet Friedmann, e do coordenador nacional do programa de Recursos Naturais e Meio Ambiente do Instituto Nacional de Tecnologia Agrícola da Argentina, Pablo Titonell. Confira, abaixo, entrevista exclusiva concedida por Ploeg ao Sul21.
Sul21 – Qual é a relação entre a agricultura camponesa e o bem-estar nas zonas urbanas?
Ploeg – Vemos que onde há uma agricultura campesina, há muita atividade econômica, pois se se produz alimentos, há renda, as pessoas podem enriquecer a economia regional. Além disso, produzem paisagem, biodiversidade, qualidades que as cidades necessitam. Digamos que uma zona rural viva, dinâmica e próspera é sempre uma pré-condição para o bem-estar urbano. Isso é muito claro na Europa, por isso também as grandes cidades estão financiando a agricultura ao seu redor.
Sul21 – Mas este movimento ainda não ocorre aqui…
Ploeg – Aqui, nas Américas, se pode fazer muito. Não repetindo o modelo da Europa, mas com a inteligência e capacidade inovadora que vocês têm aqui, seguramente, se pode encontrar soluções interessantes que já existem em certa parte. Todas estas feiras camponesas, que existem em toda a parte, estes mercados campesinos que existem em diferentes cidades são um canal muito prático entre o campo e a cidade para as pessoas terem acesso a comida saudável, além de ser um ponto muito importante de encontro. As pessoas conversam e trocam opiniões, como receitas, o que enriquece muito a vida.
Sul21 – Como a agricultura camponesa pode contribuir para a soberania e segurança alimentar nas próximas décadas?
Ploeg – Bom, por si só já é um aporte muito importante. Mas, além disso, desenvolvendo-se e dialogando com a cidade e com os consumidores. O que é comida saudável? E quais são as preferências? Nos anos 60, eu lembro que nas principais cidades italianas havia sempre diálogo entre os sindicatos dos trabalhadores e as uniões campesinas… O que vamos produzir e a que preços? Como vamos distribuir? Havia um feedback sobre a qualidade, mas isso foi eliminado com o mercado comum, mas queremos reconstruir. Tudo isso através do diálogo com os consumidores. Assim, a agricultura camponesa contribui para a soberania alimentar.
Sul21 – É uma agricultura mais próxima das pessoas…
Ploeg – Sim, por isso que os jovens gostam muito. É uma agricultura mais humana, com uma comercialização mais humana. Em vez de ser regulada por grandes sistemas, com seus centros de comando muito distantes, nos Estados Unidos ou Nova York, ou não sei onde, dizendo o que temos que fazer. Por favor, deixe nós mesmos decidirmos e inventarmos como queremos organizar a nossa alimentação.
Sul21 – Como e quando ocorrerá mais fortemente esta recampesinização?
Ploeg – Já está ocorrendo, em muitos lugares. É muito simples: ocorrerá mais fortemente por meio da crise econômica e financeira. Há sempre mais pessoas sem trabalho, ou com trabalho muito chato ou que paga muito pouco. Sobretudo, os jovens estão buscando outros caminhos e isso resulta em uma recampesinização. Eu estou vivendo na China, onde também sou professor. Lá, não se pode falar em campesinos novos… pois muitos são provenientes das cidades, mas gostam muito mais de estar no campo produzindo, muitos deles de forma agroecológica. Se vê na Holanda, se vê no Canadá, em muitos outros lugares. E são iniciativas pequenas, ligadas entre si. Está nascendo uma força bem grande, também por meio da Via Campesina, que é o movimento internacional do campesinato, e, com alegria e de forma muito radical, está desenhando caminhos para o futuro.
Sul21 – O que é a economia de oposição e como pode contribuir para estimular outras atividades?
Ploeg – É uma economia que não é controlada e nem apropriada pela economia de grandes corporações. Eles [atores] resistem à exploração e resistem à drenagem das riquezas. Em vez de passar pelo mercado capitalista, fazem seus próprios mercados campesinos. Assim, a riqueza produzida por eles fica no território e é utilizada para gerar mais desenvolvimento. Então, há muitas formas diferentes de economia de oposição. Se vê na Alemanha, na Itália, na França. Aqui [no Brasil], os assentamentos são um exemplo. No ano passado, visitei um assentamento que produz arroz e tem seu próprio engenho para ensacar o arroz. Também visitei outros sítios onde se produz sucos de fruta com tecnologias novas, muito interessantes e muito inovadoras, e já estão comercializando. Resistem à drenagem da riqueza produzida para que fiquem na mesma comunidade e no mesmo território para criar mais postos de trabalho. Assim, fica um território mais agradável para ter mais serviços.
Por Bruna Karpinski – Sul 21
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