31 de janeiro de 2020
|Por Comunicação MPA
Esti Redondo é jornalista, militante da Via Campesina vinda do país Basco, está fazendo mestrado em São Paulo, na Escola Florestan Fernandes. Está no Brasil contribuindo com o MPA-Movimento dos Pequenos Agricultores, em oficinas sobre a comunicação popular, da questão de igualdade de gênero. Com o tema de bioconstrução em pauta, na valorização de técnicas que possibilita autonomia as comunidades camponesas, a sua atuação profissional visa contribuir com o desenvolvimento sustentável e com menor impacto a natureza.
Confira entrevista concedida ao MPA onde Esti afirma a importância da bioconstrução que está sendo desenvolvida pelo movimento, segundo ela, “a bioconstrução pode ser considerada uma tecnologia camponesa que contribui na prática do Plano Camponês de maneira geral e transversal porque resgata a identidade camponesa e aparece como possibilidade de melhoramento de infraestruturas produtivas, educativas ou de lazer”.
Dando continuidade nas afirmações e definições do que é a bioconstrução pontua, “a bioconstrução uma série de tecnologias construtivas que vai ter formas diferentes dependendo dos lugares. Eu gosto da definição de Jorge Belanko, bioconstrutor argentino, que incorpora vários elementos: construção a partir de materiais locais, de materiais naturais, baixo custo econômico, energético e coletivo”. Para além dessa definição, para ela, “é baseada nos conhecimentos tradicionais das comunidades, mas incorpora melhoras na qualidade das estruturas e dos processos de construção. Também é uma ferramenta de recuperação de saberes e de dignidade. Recupera a autonomia das comunidades ao entender estas que é possível construir além do mercado e do estado”.
Em tópicos a seguir, essa entrevista apresenta os pontos dialogados e as opiniões transcritas da entrevistada.
A bioconstrução uma herança dos povos
Sim, com certeza. São os povos que investigaram os melhores materiais de construção, assim como as formas e os processos para se adequar não só ao relevo mas como também aos climas diferentes e às diferentes realidades culturais, sociais e econômicas. Hoje também temos outras pessoas nas universidades e centros de pesquisa, investigando para melhorar as tecnologias e os conteúdos, mas a base da bioconstrução e os seus princípios vêm das populações (principalmente rurais).
Um ano de trabalho com MPA
Desde início 2019 está no Brasil realizando ações Rio de Janeiro e Bahia, foram construídos vários fogões e fornos, banheiros secos, construções para infraestrutura da comunidade como uma varanda camponesa, uma cozinha coletiva e uma casa de sementes.
Além dessas construções, construímos também um espaço cultural para um assentamento. Esta última é a maior construção e a mais prolongada (sete meses de mutirão) e ainda estão faltando os acabamentos.
As construções foram sempre feitas na base do mutirão e com ideia de formar um grupo de pessoas nas regiões para continuar os trabalhos. É por isso que sempre foram oficinas onde tínhamos uma pessoa que sabia dos processos e em comunicação com as comunidades se definia o projeto, começava a obra, e com as contribuições das pessoas que estavam trabalhando, se melhoravam ou mudavam algumas coisas.
Avaliação e reflexões sobre os trabalhos coletivos
O principal elemento que apareceu nas avaliações foi o re-descubrimento de que podiam construir quase sem dinheiro, em comunidade, e que daria certo. Aprenderam também a ter mais confiança na proposta do barro e no próprio coletivo. As mulheres apontavam como sendo um processo de empoderamento muito forte que se deu durante as oficinas.
Além disso, aprendemos algumas tecnologias para a melhora das moradias nas comunidades que ainda constroem com barro; melhora de algumas técnicas que já são usadas; aproveitamento de materiais locais que até então não eram apreciados para construção e algumas novas tecnologias.
Outro dos pontos analisados e que precisam melhorar são os preconceitos machistas das comunidades que não aceitam uma mulher na coordenação do espaço de obra (tradicionalmente masculino). Isto deu em problemas diversos pela falta de escuta e pelo fato de não acreditar.
No positivo, quando as obras avançaram a confiança também aumentou e serviu para combater o sistema heteropatriarcal. Já falei que as mulheres apontam ao empoderamento acontecido quando construímos só com mulheres, mas também nos grupos mistos foram se desafiando e ganhando espaço nas construções. Isso foi muito importante.
Outra coisa positiva são as próprias bioconstruções que estão em pé para combater quem não acreditava nas técnicas, nem acreditava na capacidade do povo de construir. A autonomia camponesa que se reflete destas construções é imensa.
A bioconstrução pode ser considerada uma tecnologia camponesa que contribui na prática do Plano Camponês de maneira geral e transversal porque resgata a identidade camponesa e aparece como possibilidade de melhoramento de infraestruturas produtivas, educativas ou de lazer. Mas também aparece como uma ferramenta que contribui na organicidade do movimento pelo resgate do trabalho coletivo e o mutirão transformam os espaços coletivos da comunidade criando novos pontos de encontro e contribui num olhar de respeito para com a natureza.
A bioconstrução nos movimentos sociais
Eu não conheço muito de outras bioconstruções nos movimentos sociais. De fato, num contexto mais global, a bioconstrução está agora nas mãos de dois grupos específicos. De um lado arquitetos e arquitetas mais ecologistas que olham para construções mais verdes e mais saudáveis. É uma linha que mais do que resgatar conhecimentos das culturas tradicionais, se apropria deles para fazer negócio. Até as instituições públicas de muitos países estão levando em consideração tecnologias bioconstrutivas para economizar energia e ser mais sustentáveis.
O outro grupo está composto por poucas pessoas dispersas pelo planeta que trabalham desde uma ótica de aproveitamento dos bens comuns. São pessoas que chegam da permacultura, da agricultura orgânica e da autonomia. Tentam incorporar tecnologias de custo baixo e fáceis de reproduzir em processos de autoconstrução e construção coletiva. Ainda assim, muitas vezes o olhar é desde o indivíduo e não desde o coletivo, e não atingem o problema estrutural da falta de moradia digna para as classes populares.
O trabalho dos movimentos sociais então, é iniciar parcerias e aproveitar os conhecimentos que existem nas comunidades, assim como aqueles conhecimentos que chegam desde a arquitetura ou a permacultura para construir moradias e outros espaços saudáveis, dignos, de qualidade, respeitando a natureza e provocando debates e discussões sobre o sistema capitalista e heteronormativo de construção atual.
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