7 de junho de 2021
MPA: O capitalismo e sua lógica de que tudo é mercadoria cria modelos tecnológicos que buscam otimizar e acelerar processos e como consequência acaba distanciando os seres da natureza e de suas culturas. O que você acha dessa ideia do homem cada vez mais afastado da terra, deslocado da natureza como se fosse um ser dissociado dos demais seres?
SEBASTIÃO: Esse é o maior problema da sociedade ocidental. Na sociedade ocidental a religiosidade, a espiritualidade se separa da economia e se separa da sociedade. Já imaginou um baiano sem espiritualidade, sem mandinga? Não. Porque isso faz parte da nossa maneira de ser (…) Você precisa manter essa cultura e manter essa cultura é muito mais fácil quando você tem um vínculo com a terra e com a natureza. Aí você vai começar a entender aquela paisagem dentro da sua cultura, dentro da sua identidade. (…) Nós temos que começar a dar valor às coisas porque senão, nós vamos ficar do jeito que o agronegócio quer. O agronegócio quer que a gente seja sem raça, sem cor, sem sexo, apenas com cifrão nos olhos.
Você não aprende na escola, em 1964 nós tivemos um campo de concentração para indígenas chamado Reformatório Krenak, oficial de governo, porque os índios eram “rebeldes”. Ocupam o território, escravizam, aculturam e ainda chamam de rebelde! Os xavantes passaram 30 anos fora de casa porque eram “rebeldes”. mas porque eles foram levados para fora das terras deles? E as terras xavantes tinha sido delimitadas por Felipe Segundo, um rei da Espanha que determinou o valor daquelas terras. Eles foram tirados dali para transformar os espaços em fazendas. Fazendas de corruptos. Agora eles voltaram para as terras deles, e a única coisa que tem nessa terra é o capim pangola, capim jaraguá; é pasto de gado. Não tem uma árvore.
MPA: Em tempos de perdas de direitos adquiridos através da luta popular — ou no linguajar bolsonarista em tempos de passar a boiada—, qual o nosso papel enquanto movimento agroecológico, movimento camponês?
SEBASTIÃO: É muito importante os movimentos sociais darem retorno à base pra que a base se sinta fortalecida de forma educacional. (…) Bater panela não é fundamental, fundamental é ter noção do que se faz. Isso só se consegue com educação. Em todo material escrito, de televisão, tem que ter conteúdo. As pessoas precisam abandonar a ignorância. A educação é fundamental para os movimentos sociais.
Na TV Bandeirantes nos últimos quatro dias está acontecendo um fenômeno pago que está trazendo o agronegócio como beneficio para sociedade, quando na verdade, por trás, representa quatro agrocorporações. Essas empresas estão ocupando todo território nacional de terras públicas através de corrupção. Na Bahia, por exemplo, uma delas, a Cargil comprou uma desembargadora para transformar terras públicas baianas em terras privadas na mão de testa ferro. A desembargadora está presa sendo processada.
Ocorre que no momento em que a televisão vem a público fazer propaganda de marketing falso, de benefício de quem não causa benefício, nós temos que trazer o movimento do campesinato para demonstrar o que Noam Chomsky diz: que a única salvação que existe para o planeta e para o clima do planeta é retornar às origens. Retornar às origens não é só preservar quilombola e indígena. É saber que a mesa do produtor brasileiro é abastecida com sua cultura diversa, com sua regionalidade, na Bahia por exemplo, em cada quilômetro temos uma Bahia diferente, uma diversidade de uma cultura camponesa que tá na beira do rio, que tá no sertão, que tá na serra, que tá na caatinga. Se nós perdermos essa noção passando o correntão para devastação da natureza pra fazer Cargil e soja nós teremos muito mais pandemias.
Nós temos que começar a perceber que no solo baiano existe uma riqueza chamada matéria orgânica cultuada e cultivada pelo camponês, e que para transnacional quanto mais destruída mais veneno se compra, mais adubo se compra, mais monocultivo se faz.
A propaganda da Bandeirantes diz: “vamos alimentar 60% da população do mundo”. Eu só queria que eles alimentassem 10% da população brasileira, mas com alimentos e não com commodities. Veja que não temos sequer um economista pra dizer que essa agricultura que o agronegócio não cria emprego, não cria riqueza nacional, não alimenta a mesa e não traz saúde.
Em 64, nós discutimos a ditadura, quando a ditadura proibia o agricultor camponês de levar seu produto ao mercado ele era obrigado a levar à Ceasa, e na Ceasa existia um monte de jacaré, atravessador, intermediário. Criando mecanismo que você saia com sua produção, por exemplo, de Juazeiro, levava pra Ceasa de Salvador para voltar a Juazeiro para vender através de uma cadeia de intermediários. No sul existia isso, em Minas foi pior ainda. E hoje nós estamos na mão de uma Ceasa controlada numa corrupção que assusta, e isso foi criado em 64. Todas as cooperativas de abastecimento foram terminadas.
Ler isso de forma crítica é discutir, é público, discutir no movimento. Decodificar isso pra uma rezadeira de esquina de rio, e na reza dela colocar isso; ou num repentista de pé de serra cantar no seu cordel e no seu forró. Isso é educação; educação para todos. E o movimento social tem que fazer isso.
MPA: A Agroecologia enquanto matriz tecnológica para agricultura é o melhor caminho?
SEBASTIÃO: Com agroecologia como matriz tecnológica se torna mais fácil porque no momento que você sabe que existe um território, que esse território tem autonomia – no agronegócio não existe território, existe concentração de capital na mãos de poucos, sobe preço de Chicago e há um controle e você não controlando o preço você não controla produção, abastecimento nem política pública.
A criação de uma pessoa para solucionar esse problema nós temos trabalhado com MPA, MST a figura do bombeiro agroecológico e o que é isso? é uma pessoa bem interessante: a agricultura como atividade ultra social onde toda alimentação da sociedade passa por uma pequena parcela que alimenta a todos. São cinco espécies que fazem agricultura nesse planeta, 3 são insetos, 2 são mamíferos; uma é o ser humano. Em todas elas, a agricultura é uma questão de gênero. É uma atividade feminina: entre os cupins, entre as saúvas, entre as abelhas. No humano também era uma atividade feminina, até entrar a escravidão como forma de degradação para destruir um poder. Daí ela passa a ser militarizada, masculinizada. Nessa agricultura ultra social, o biopoder deve ser restaurado. Criar um bombeiro. Qual o primeiro incêndio? O primeiro deles era a perda do território, mas não se podia matar. As Ligas Camponesas foram mortos mais de 600 pessoas, conheci alguns dos sobreviventes, entrevistei muitos deles, conversei com muitos outros.
O segundo incêndio é o agrotóxico, nós somos agredidos e enfrentamos, e se espalhou pelo país. Hoje a luta é ambiental no sentido de regulação biótica do planeta está em crise e estamos tendo problemas muito sérios.
O que nós temos que fazer com a terra? Estimular através de uma política pública que o camponês faça adubação verde, aumenta o armazenamento de água. Essa matéria orgânica acumula essa água, essa água não escorre e nem evapora. Você passa a alimentar os aquíferos de uma maneira simples. Quando você vê hoje, por exemplo, que Sobradinho não consegue chegar a 60, 70% de sua capacidade, São Paulo tá tudo abaixo de 10%, ninguém pensa em fazer algo pensando em daqui a 10 anos.
A maior indústria do mundo é a indústria de alimentos, só que não existe “indústria” de alimentos. Só que não existe alimento feito em laboratório. Precisa partir de algo que o sol transformou em matéria-prima para que aquilo seja processado e transformado, você não cria carne de peixe sem o pescador, sem o peixe na natureza, você não cria alface pra industrializar salada de alface congelada ou salada de espinafre. Você precisa de uma mão que abre a terra e semeia, cresce, precisa cuidado, precisa colheita, precisa uma cadeia gigantesca de pessoas que leva aquilo ao mercado. Quando você chega em qualquer lugar no Brasil e come um bife, por traz dele tem um sujeito que cria aquele gado, cuida daquele capim, cuida a matéria orgânica para que aquele capim cresça saudável e alimente bem o gado e aquele bife chega na frigideira. A indústria de alimentos é um blefe. A indústria de alimentos cria uma fantasia no alimento industrializado quando o alimento natural é mais saudável, mais barato e mais acessível. A segurança alimentar, portanto, passa pelo camponês e pela capacidade dele de produzir alimentos.
Precisamos de um bombeiro que concerte as coisas com conhecimento. É isso que o MPA faz, o MST faz, não só no Brasil, mas, em outros países. Os bombeiros hoje são essa juventude que quer, na rebeldia de combater o incêndio, encontrar um ritmo para vida e restituir os valores culturais, humanos e biológicos para a vida do planeta.
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