11 de julho de 2016
Na última semana, outra líder indígena, da mesma organização que Berta, foi assassinada em Honduras; nesta entrevista, a jovem Berta Zuñiga fala dos poderosos interesses por trás da perseguição a ativistas indígenas.
Centenas de hondurenhos prestaram homenagens a Lesbia Yenath Urquía durante seu enterro neste final de semana. Assassinada na última quarta-feira (06/07), a líder indígena integrava o Copinh (Conselho Cívico de Organizações Populares e Indígenas de Honduras), mesma agrupação de Berta Cáceres, assassinada há quatro meses.
Para os integrantes do Copinh, a morte de Yenath é um feminicídio político, cuja intenção é “calar as vozes das mulheres que lutam por direitos sociais e ambientais”. Por essa razão, exigem do governo hondurenho que investiguem o crime desta líder que, como Berta, se opunha à privatização dos projetos de energia em La Paz.
Para denunciar a situação em seu país e a perseguição às lideranças indígenas e em especial a que sofria sua mãe, Berta Zúñiga, filha de Berta Cáceres, fez um percorrido na Europa chamando por justiça. A Revista Samuel reproduz, a seguir, a entrevista concedida pela jovem liderança ao jornal espanhol El Diario.
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Com aparência cansada, Berta Zúñiga chega à última parada de um longo giro pela Europa no qual não parou de referir-se a um doloroso e recente episódio de sua vida: o assassinato de sua mãe, a líder indígena Berta Cáceres. Dois meses depois, a jovem ativista de 25 anos exige justiça, demonstrando integridade, e não se satisfaz em apontar mais acima para identificar os responsáveis.
“Não estou cansada, temos a força para continuar batalhando”, diz a eldiario.es poucos minutos depois de descer do último trem que tomará em território espanhol. “Embora tenha vontade de estar em casa”, se apressa a acrescentar, apesar da insegurança e o risco constante em seu país, Honduras, para continuar o que a mãe começou. “Porque seu espírito rebelde nos dá a força necessária para continuar.”
Quatro pessoas foram detidas por ligação com o assassinato de sua mãe, algumas delas relacionadas com a empresa contra a qual lutava e com as forças militares estatais. Como receberam a notícia?
Desde o primeiro dia nós os havíamos apontado como responsáveis pelo assassinato, pelas sérias ameaças que havia recebido desse entorno. O que pensamos é que, se houve prisões vinculadas à empresa, são resultado da pressão social e internacional que foi feita. Se isso não tivesse ocorrido, nem sequer os teriam capturado.
Entre os detidos há agentes estatais, militares da ativa. De concreto, um major das Forças Armadas. O que reflete o que sempre denunciamos: a aliança entre as empresas e as instituições hondurenhas.
Apesar de seus temores de que o Ministério Público tachasse o assassinato de sua mãe como “crime passional”, no final parece que a investigação oficial aponta para a empresa DESA. Que motivos os levam a continuar pedindo uma investigação internacional independente?
Também não estamos de modo algum satisfeitos com essas investigações. Não sabemos se essas diligências foram feitas em conformidade e com a exaustividade que requerem porque formos excluídos do processo de investigação. Em segundo lugar, é preciso continuar aprofundando a autoria intelectual deste assassinato.
Acreditamos que há muito mais pessoas envolvidas do que as capturadas, e inclusive pessoas mais poderosas. Por isso continuamos pedindo uma investigação independente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, para ir fundo na autoria intelectual do crime.
Segundo reiteraram, desconfiam da investigação oficial precisamente porque o Estado, embora tivesse a ordem de proteger sua mãe, não o fez. Você viveu de perto todo esse processo. Berta Cáceres se sentia protegida?
Evidentemente que não. Essas medidas cautelares que tinha desde o golpe de Estado [de 2009] – e que chegaram a ser concretizadas com o Estado em 2014 – eram ineficazes. Ela pediu outras medidas de proteção que nunca foram proporcionadas, e o ministro da Segurança chegou a lhe dizer que não havia, que exagerava e que não estava sob tanto perigo para pedi-las.
Somente lhe ofereciam uma proteção três vezes por semana. No dia de seu assassinato não lhe cabia essa proteção. Também acompanhamentos policiais às comunidades onde havia violência engendrada pela empresa, mas os policiais encarregados não tinham nenhum interesse em protegê-la, pelo contrário, tinham estado atuando na segurança dos funcionários da empresa. Agentes altamente racistas e indiferentes à luta do COPINH… Também havia no seu escritório duas câmeras de segurança instaladas que não funcionavam: quando fizeram a perícia, após o assassinato, descobriram que não tinham gravado nada.
Tudo isso mostra uma visão bastante limitada da proteção à vida. E, sobretudo, ineficácia das medidas cautelares. Pelo menos 15 pessoas morreram assassinadas em Honduras, apesar de terem medidas cautelares.
Viviam com medo de que fosse assassinada?
Temos clara consciência do país em que vivemos, conhecemos a agressividade com a qual operam os militares, a Polícia, o Estado, as empresas, os criminosos. E também tínhamos muita clareza do clima de impunidade no qual operam. Em Honduras, mata-se muito fácil, investiga-se muito pouco, não há consequências pelo que se faz.
Nesse sentido, claro que era uma possibilidade. Mas por ela ser uma líder muito conhecida, uma pessoa com prêmios internacionais, achávamos que os responsáveis pelas ameaças iam pensar muito sobre levar adiante. Por isso seu assassinato marca um antes e um depois em nosso país. Se ela foi assassinada, agora nenhuma defensora de direitos se sente segura.
Por isso é tão necessário neste ponto que sejam tomadas medidas. Para acabar com a impunidade.
Como filha de Berta Cáceres e membro do COPINH, você ou seus irmãos também foram ameaçados?
Nós, não, mas somos vítimas da perseguição que a organização está sofrendo. O objetivo das ameaças contra minha mãe também era acabar com o projeto político que ela fundou, e essa é nossa luta. Tivemos incidentes de segurança, mas ameaças diretas, não.
Dois meses depois do assassinato de sua mãe você acaba de concluir um roteiro pela Europa para exigir justiça. Visitaram Bélgica, Holanda, Finlândia e vários pontos do Estado espanhol. Países muito bem escolhidos.
Escolhemos países importantes para avançar em nossas demandas visando ao esclarecimento e a urgência da paralisação do projeto Agua Zarca, da empresa DESA, que foi apontada como responsável pelo assassinato de minha mãe e companheira do COPINH. Na Bélgica buscamos pressão para que se mostre vontade política para defender as defensoras e os defensores de direitos em nosso país. Buscar respaldo para exigir uma comissão independente de investigação porque não acreditamos que a verdade sobre o crime vá chegar de uma institucionalidade (o Estado de Honduras) que participou da criminalização dela.
Também buscamos pressão (das instituições europeias) sobre os bancos que estão financiando o projeto Agua Zarca, como o FMO, assim como a participação das empresas alemãs Voith e Siemens. No Parlamento Europeu lançaram uma resolução urgente pedindo medidas concretas à Comissão Europeia.
Depois, estivemos na Holanda, onde se encontra um dos bancos financiadores. Expusemos-lhes uma situação que já conheciam, pois minha mãe lhes enviou cartas denunciando as violações de direitos humanos derivadas do projeto Agua Zarca, mas foi nosso primeiro encontro frente a frente.
Na Finlândia, nós nos reunimos com a administração pública para tentar a suspensão dos fundos do FindFond. Esses bancos não são privados em sua totalidade, a maior parte do financiamento vem por intermédio do Estado… Todos eles também têm uma responsabilidade no assassinato de minha mãe.
Alguns desses bancos, como o FMO, ou empresas, como a Voith, informaram a interrupção temporária do financiamento e das entregas de turbinas, respectivamente. É um avanço das pressões realizadas após o assassinato da sua mãe?
Uma suspensão temporária dos bancos e a entrega da turbina é o mínimo que podem fazer com a responsabilidade que eles têm sobre seus ombros. Continuamos empenhados primeiro no cancelamento definitivo da entrega das turbinas dos fundos a um projeto que claramente é responsável pelo assassinato de nossa mãe, de nossa companheira.
Para nós, parece um pouco ridículo que tivessem de esperar o assassinato de minha mãe, quando eles já sabiam da situação, para decidir uma suspensão temporária dos recursos e do envio do material. E eles têm uma responsabilidade muito grande, e acredito que sabem e vão tentar tomar algumas medidas para proteger-se de alguma maneira.
Fala com grande integridade do assassinato de sua mãe, com muita força. Só se passaram dois meses e percorreu vários países europeus, com agendas muito apertadas, para exigir justiça. De onde extrai a força?
É a indignação que sentimos por essas coisas acontecerem tão fácil e com poucas consequências. A força recebemos de toda a comunidade, de todo o povo lenca, que reafirmou sua luta e compromisso em defesa da natureza. E também acredito que é a força dela, de minha mãe.
Nós entendemos a morte de modo diferente destas regiões, e seu espírito está conosco, nos fortalece. Ela é forte e é um espírito rebelde, como sempre foi. E por isso está conosco e nos acompanha em cada momento. A morte não tem nada de mau, é parte da vida. Mas o que não podemos permitir é uma morte violenta, uma morte em que não queriam assassinar a ela, mas sua luta, uma ideia. Isso é o que queremos frear.
Quando você fala, escuta-se a mesma mensagem transmitida nos discursos de sua mãe. Que valores te transmitiu?
Muitos, uma infinidade. Mas, sobretudo, a convicção de lutar pelo que é justo. E de não ter medo nunca de dizer a verdade. Isso é o que nós trazemos, a verdade de nossas realidades. E não ter medo de apontar os que forem responsáveis, que não são apenas os autores materiais deste crime, mas que vai muito mais além.
Que tem a ver também com a responsabilidade dos financiadores que sempre tentam mostrar-se indiferentes ou evitar sentir-se responsáveis. Mas eles também são responsáveis.
Por Gabriela Sánchez e Alejandro Navarro Bustamante – Opera Mundi
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