19 de novembro de 2018
Neste sábado (17), iniciou-se a 14ª Conferência das Partes da Convenção da Diversidade Biológica na cidade de Sharm El-Sheikh, Egito.
Assinada por 196 países e ratificada por 168 destes, a Convenção da Biodiversidade Biológica é um acordo internacional no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) que possui três objetivos centrais: a) a conservação da diversidade biológica; b) a utilização sustentável de seus componentes e c) repartição justa e equitativa dos benefícios derivados da utilização de recursos genéticos.
A cada dois anos os países se reúnem na Conferência das Partes para atualizar os temas referentes à Convenção e detalhar suas definições.
Durante a Conferência os temas são divididos em dois grupos de discussão simultâneos que debatem os pontos propostos pelo grupo técnico científico (SBSTTA), grupo este que subsidia a aplicação da Convenção da Diversidade Biológica e de seus protocolos (o de Cartagena sobre biossegurança e o de Nagoya sobre acesso e repartição de benefícios) nos aspectos técnicos. A partir da posição técnica do SBSTTA, a Conferência toma as decisões políticas sobre os documentos propostos.
No domingo (18), primeiro dia de discussões, alguns pontos centrais foram especialmente discutidos: a biologia sintética, as novas tecnologias de precisão genética, como são os condutores genéticos (gene drives, em inglês) e a avaliação de riscos em organismos geneticamente modificados, temas que são pertinentes ao Protocolo de Cartagena.
Quanto ao Protocolo de Nagoya, o ponto mais sensível discutido neste primeiro dia da Conferência referia-se à repartição de benefícios para povos indígenas e comunidades tradicionais quanto à utilização de sequências genéticas digitais, afinal estas sequências são cópias de dados do patrimônio genético dos povos.
Biologia Sintética
O Grupo de técnicos e cientistas já havia considerado que a biologia sintética tem rápido desenvolvimento e que pode haver efeitos adversos em relação aos três objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica. Já definida na COP 13 em Cancun/2016, “a biologia sintética representa um novo avanço e uma nova dimensão de biotecnologia moderna que combina a ciência, a tecnologia e a engenharia para facilitar e acelerar a compreensão, o desenho, redesenho, fabricação e a modificação de materiais genéticos, organismos vivos e sistemas biológicos”.
As biologias sintéticas são formas de engenharia genética que podem construir partes e sistemas biológicos novos ou transformar organismos já existentes. As biologias sintéticas mais comuns estão relacionadas à criação de leveduras que produzem produtos fermentados, como a cerveja. Mas já foram biosintetizados produtos da indústria farmacêutica, cosmética, de combustíveis e de alimentos em larga escala. Ainda há uma série de incertezas sobre os riscos de sua implementação em massa para a saúde e biodiversidade.
Várias empresas tentam caracterizar tais produtos como naturais, sem identificação de que são derivados de biologia sintética, manipuladas artificialmente, o que integra tais produtos à cadeia produtiva e alimentar sem a devida análise de possíveis riscos que possam causar e, assim, violam as informações aos povos e consumidores para que tomem as decisões sobre estes produtos.
A Via Campesina e o Comitê Internacional de Planejamento para a Soberania Alimentar alertaram em discurso proferido em plenária que a biologia sintética objetiva substituir e industrializar as práticas tradicionais e holísticas do “fazer agricultura”. Para os movimentos é necessária a construção de um texto sólido, para proteção das comunidades locais, povos indígenas e camponeses, que são os verdadeiros especialistas na conservação e proteção da diversidade biológica.
O Brasil votou pela não inclusão do monitoramento e análises dos organismos resultantes da edição genômica da biologia sintética. Tiveram este mesmo posicionamento público a Argentina, Peru, Canadá, Paraguai, Honduras, Panamá, Equador, Colômbia e a África do Sul pelo Grupo Africano. Já os países que votaram por incluir a edição genômica na análise e monitoramento da biologia sintética foram México, Malásia, Bolívia, Venezuela e Egito.
O país também votou pela exclusão de processos e modalidades de análises prospectivas (horizon scanning em inglês ou análisis prospectivo em espanhol), monitoramento de biologia sintética com notificações periódicas ao grupo técnico de experts da Convenção da Diversidade Biológica.
Condutores Genéticos (gene Drives)
Também foi pauta do primeiro dia de debates os novos organismos geneticamente modificados por técnicas avançadas de engenharia genética chamados de impulsores ou condutores genéticos, gene drives em inglês.
Os impulsores genéticos são manipulações genéticas com técnicas que utilizam enzimas que “cortam e colam” (como a CrisPR/Cas9) genes de seres com reprodução sexuada, a exemplo de plantas como o milho e mosquitos, sem necessariamente introduzir genes de outros organismos ou sintéticos. Esta técnica tem o poder de transmitir suas características modificadas para a integralidade de seus descendentes. As características passadas podem ser irreversíveis ou incontroláveis e inclusive podem exterminar toda uma espécie.
Segundo a intervenção da Via Campesina e do Comitê Internacional de Planejamento para a Soberania Alimentar (CIP), é imprescindível que as comunidades locais, camponesas e indígenas sejam consultadas, ouvidas e suas decisões sejam respeitadas em todas as etapas do processo de avaliação destas novas tecnologias. Para a Via Campesina, as tecnologias de condução ou impulsão genética são tecnologias de extermínio, que comprometem diretamente a soberania alimentar. “Depois do terminator”, se discute aqui o exterminator”, afirmava o discurso dos camponeses. Em conjunto com outras organizações da sociedade civil, pediu-se uma moratória internacional sobre os impulsores genéticos.
Os movimentos também cobraram transparência e participação popular e democrática no processo de tomada de decisões que afetam seriamente o futuro mundial, especialmente da agricultura e da biodiversidade.
No domingo (18), os países se posicionaram sobre se abster da utilização destas novas tecnologias enquanto há incertezas sobre sua aplicação ou se poderiam utilizar com atenção ao princípio da precaução previsto no Protocolo de Cartagena e aos objetivos da Convenção.
Os movimentos sociais e organizações da sociedade civil, bem como o Egito, Tailândia, Bolívia e El Salvador se posicionaram pela abstenção da utilização dos condutores genéticos enquanto houver incertezas nas pesquisas sobre os riscos.
Já o Brasil, os países africanos, a Nova Zelândia, Malásia, Índia, Indonésia, Argentina, Peru, Canadá, Panamá, Suíça sustentaram a posição de utilização dessas novas tecnologias com precaução e análise caso a caso.
Por Naiara Bittencourt e Marciano Silva*
* Naiara Bittencourt é assessora jurídica da Terra de Direitos e Marciano Silva é membro da Via Campesina e Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA)
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