30 de julho de 2024
Estado assume autoria de atentado a terreiro de Jarê em Lençóis, área está circunscrita na poligonal do Parque Nacional da Chapada Diamantina
Por Teia dos Povos e MPA Regional Chapada Diamantina
A Teia dos Povos e a regional Chapada Diamantina do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) manifestam repúdio à ação de Terrorismo de Estado que condena a uma diáspora infinita o povo hoje assentado no Curupati, periferia rural de Lençóis. Há uma semana, uma operação promovida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), destruiu moradas e ranchos de pessoas muito simples, trabalhadoras e trabalhadores da terra e que vem sendo violentamente expulsos de seus territórios. Na ação, um terreiro de Jarê, (culto local de matriz africana) foi levado ao chão. O terreiro estava assentado em posse com mais de 45 anos, passada de geração a geração e que após a criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina passou a ser tutelada pelo Estado, sobre o argumento da preservação.
Terreiro de Jarê Peji da Pedra Branca antes e após a ação do ICMBio na comunidade do Curupati, em Lençois
De acordo com moradores, na noite do dia 20 de julho, homens encapuzados, com armas e instrumentos de demolição avançaram por alguns minutos pela mata secundária que começa a rebrotar no território, em uma antiga área de garimpo. O Curupati, assim como todo o entorno da zona urbana de Lençóis, vem crescendo e acolhe principalmente nativos de Lençóis, cada vez mais pressionados pela forte especulação imobiliária. De acordo com o próprio ICMBio, foram derrubadas construções antigas e recentes, e autuados moradores encontrados em alguns dos lotes vistoriados.
Prontamente a comunidade local se pronunciou em carta, alertando sobre a profundidade de violência dessa ação e cobrando respostas do Estado.
Denúncia: Destruição do Terreiro de Jarê Peji da Pedra Branca Gilberto Tito de Araújo, conhecido como Damaré, é uma grande liderança religiosa do Jarê em Lençóis, Bahia. Ele lidera o terreiro de Jarê Peji da Pedra Branca (…) a terra está sob a posse da família há mais de 45 anos, localizada na região denominada Curupati (…) Damaré já estava naquelas antes da criação do Parque… No dia 21 de julho de 2024, Damaré recebeu a notícia de moradores da região que seu terreiro havia sido invadido e totalmente destruído por agentes do ICMBIO, em uma ação realizada sem diálogo com a comunidade e órgãos municipais. Desesperado, Damaré dirigiu-se imediatamente ao local. Ao chegar, encontrou a porteira quebrada e constatou que o trabalho de uma vida inteira de dedicação, devoção e fé havia sido destruído em um único dia.” (…)Exigimos uma investigação rigorosa e a responsabilização dos agentes envolvidos nesta ação. É fundamental que o ICMBIO e outros órgãos federais respeitem e protejam os direitos das comunidades tradicionais e religiosas, garantindo que ações como esta nunca mais se repitam. |
A destruição do Terreiro forçou uma resposta do órgão que, em nota, chamou a ação de “operação de fiscalização dentro do Parque Nacional da Chapada Diamantina”, para apuração de “denúncias de desmatamentos, ocupações irregulares e construções recentes de casa principalmente na região dos rios Lapão, Mandassaia e São José, próximos à cidade de Lençóis-BA”.
A nota do ICMBio, que sequer registra o dia do ato de violência, identifica que as áreas que deveriam ser fiscalizadas, e não destruídas, ficam próximas à cidade de Lençóis, que desde a implantação do Parque Nacional também teve seu centro urbano restaurado, acolhendo agentes do capital estrangeiro e das grandes oligarquias, onde desde então prosperam com seus negócios imobiliários.
O texto bastante enxuto se encerra com o reconhecimento da destruição do terreiro de Jarê e aponta como justificativa a não identificação de um espaço com fins religiosos. “O Instituto Chico Mendes reconhece o erro e lamenta os danos causados pela violação do lugar religioso. Reafirmamos nosso compromisso com a proteção ambiental e respeito por todas as formas de manifestação cultural e religiosa”.
A ação contra o povo do Curupati serve a quem, afinal? Serve a defender uma poligonal desenhada na década de 1980, que trouxe na bagagem a cultura americana de Yellowstone, onde a preservação ainda era sinônimo de natureza sem a presença da humanidade? Serve a descredenciar o atual governo, a reforçar que o controle das terras é do capital e que o racismo é ponta de lança da opressão sobre os povos.
Pessoas que carregam a ancestralidade de resistência há cinco séculos, a partir da união dos povos indígenas e da diáspora africana frente aos avanços do capital sertão adentro, têm, novamente, seus territórios ameaçados pelos braços do Estado. Nos últimos cinco séculos esses povos subsistiram e cultivaram uma das biodiversidades mais complexas do mundo numa área de caatinga, hoje nomeada pelo Governo da Bahia como Território de Identidade Chapada Diamantina.
Em estudo de 2014, a Associação dos Filhos de Santo do Palácio de Ogum e Caboclo Sete Serra mapeou 40 terreiros, entre os quais o Peji de Pedra Branca. O Estado Terrorista é também o Estado omisso, pois tem todas as condições de conhecer e acolher seu povo. É preciso uma grande mudança nas atuações dos órgãos de proteção, como ICMBio, Polícia Ambiental e Institutos do Patrimônio, para que o Estado se fortaleça frente às pressões do capital.
Já é passado o tempo que nesta terra nenhuma mulher ou homem do campo tenha sua vida arrancada do território onde estão fincadas suas raízes. Deve ser condenada, com rigor, a perpetuação da violência praticada pelo Estado contra seu próprio povo, iniciada em 1500.
Nota ICMBIo
https://www.gov.br/icmbio/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/nota-05-2024-operacao-de-fiscalizacao-no-parque-nacional-da-chapada-diamantina).
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