21 de novembro de 2023
Daniel Lamir e Marina Duarte de Souza
Brasil de Fato | Rio de Janeiro (RJ)
Poucas horas antes da Conferência de Abertura do 12° Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), a melodia da música “Anunciação”, de Alceu Valença, conectou com as expectativas de ouvir os “sinais agroecológicos” do dia. O ritmo estava na lista puxada pelo Bloco da Terreirada, que entre percussão e pernas de pau, saudou a diversidade de cores e bandeiras agitadas no prédio da Fundição Progresso, no centro do Rio de Janeiro.
O primeiro dia do 12º CBA ecoou a retomada e redefinição de políticas públicas e espaços importantes para a agroecologia no país. Nesta segunda-feira (20), foram anunciados o relançamento do programa Ecoforte e a reconstituição da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Cnapo). Também foram colocadas em prática ações solidárias contra a fome para pessoas em situação de rua e utilização de uma Cozinha Solidária dentro do Congresso.
Entre anúncios e intervenções, a efervescência política da abertura do CBA serve como termômetro da caminhada do Congresso e dos princípios que foram construídos coletivamente ao longo de sua existência. De uma origem da cientificidade agroecológica, o CBA completa duas décadas, agregando novos debates e práticas. Com o lema “Agroecologia na boca do povo”, esta edição defende o combate à fome, a popularização da agroecologia e o compromisso de uma ciência crítica e que atenda aos interesses populares.
“A agroecologia é um enunciado político. Ou ela é abraçada pelo povo com entendimento da compreensão do que significa isso, que é uma luta política de relações de poder, ou a gente vai continuar refém de uma lógica política que está instalada, que é de clientelismo, de alienação e do curto prazo. Nós temos que pensar os horizontes históricos, temos que olhar para as ancestralidades, como diz [Ailton] Krenak, o futuro é ancestral. E como é que pensamos o futuro não desconectado da ancestralidade, sabendo que essa memória está sendo apagada?”, questiona Paulo Petersen, da AS-PTA e da Comissão Organizadora do CBA, que pela primeira vez está sendo realizado fora de uma instituição de ensino e optou pela abertura no Dia da Consciência Negra.
As iniciativas políticas agroecológicas anunciadas foram defendidas em um contexto de trânsito permanente entre diferentes setores populares e de gestão pública. A inter-relação, segundo Petersen, afirma uma diversidade e pluralidade em que a agroecologia é entendida, enquanto prática, movimento popular e conhecimento.
“Temos o entendimento, quando falamos em política pública para a agroecologia, que não estamos falando de um único setor, mas de vários setores. Estamos falando da Esplanada dos Ministérios inteiro”, afirma Petersen.
O 12º CBA tem a participação de pastas como Desenvolvimento Agrário; Saúde, Ciência, Tecnologia e Inovação; Cultura; além de Povos Indígenas. Também marcam presença autarquias como Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).
A economista Tereza Campello, diretora socioambiental do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), segue a ressonância do entendimento. Durante a Conferência, ela defendeu uma “ambição grande” e benéfica da agroecologia no país, considerando sua capilaridade em propostas de direitos sociais e questões ambientais.
“Não dá para achar que com programas pontuais vamos dar conta da ambição que nós temos. A agroecologia precisa perpassar, tem que impregnar a agenda do governo como um todo”, apontou, ao exemplificar a importância da integralidade de questões como crédito, pesquisa agroecológica e abastecimento alimentar.
Outro sentido defendido no primeiro dia do CBA 2023 foi o de retomada de programas e ações que foram interrompidas nos últimos anos. O ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira, citou a descontinuidade das políticas agroecológicas no país após o golpe que tirou a presidenta Dilma Rousseff da presidência, em 2016. Ao afirmar também a importância de um compromisso interministerial, o chefe da pasta confirmou recursos de diferentes setores governamentais para garantir, entre outras propostas, a elaboração de uma nova edição da Política Nacional de Agroecologia (Pnapo), em março de 2024.
“Estamos em um momento da humanidade que precisamos de uma mudança para a agricultura agroecológica. O planeta está reclamando. Por isso, precisamos de uma agricultura que possa recuperar as nascentes de águas, matas ciliares, áreas de proteção ambiental. E também temos os temas da saúde. Porque hoje os efeitos na saúde com o tipo de agricultura que é praticada são muito fortes”, afirma Teixeira.
A assinatura de retomada do Programa de Fortalecimento das Redes de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica (EcoForte) foi um dos momentos mais aguardados na noite desta segunda-feira (20). Além de Paulo Teixeira, a cerimônia contou com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Márcio Macêdo.
Descontinuado em 2016, o Programa EcoForte se propõe a fortalecer a agroecologia e a produção orgânica por novos modelos de desenvolvimento econômico, alinhados aos princípios de sustentabilidade e responsabilidade socioambiental. A iniciativa visa juntar um impulsionamento da produção agrícola sustentável e contribuir para a promoção de práticas que combatam a fome, a pobreza e as desigualdades.
O EcoForte conta com parcerias estratégicas, incluindo o BNDES e a Fundação Banco do Brasil. A proposta é disponibilizar recursos para apoiar os projetos de práticas de manejo sustentável de produtos da sociobiodiversidade e de sistemas produtivos orgânicos e de base agroecológica. Fruto de propostas populares, o programa propõe o fortalecimento de redes territoriais de agroecologia, com a elaboração articulada de quem produz alimentos, universidades, movimentos populares, ONGs e prefeituras.
“Essa é uma novidade muito grande de uma política que não vem de cima para baixo. Os recursos chegam a partir de propostas e demandas de quem está no território, a partir da sua realidade, obedecendo a certos princípios que estão nos editais. Isso é uma inovação imensa, de pensar a política pública, eu diria que é uma das maiores novidades políticas que existem em termos de política pública no mundo, quando a gente fala em agroecologia, é o Programa Ecoforte”, defende Petersen.
Na tarde desta segunda-feira, foi realizada a intervenção “Ação contra a Fome!”, com a distribuição de feijoadas agroecológicas para a população em situação de rua. Cerca de mil marmitas foram distribuídas para pessoas em situação de rua nos arredores da Fundição Progresso. A iniciativa foi realizada pela Cozinha do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e Centro de Teatro do Oprimido.
Para a alimentação de participantes do CBA, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de Minas Gerais (MST-MG) e o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD) organizou um espaço com alimentos oferecidos pelo Movimento dos Pequenos Agricultores do Rio de Janeiro (MPA-RJ). A iniciativa vai permanecer até quinta-feira (23), último dia do Congresso.
As atividades afirmam o que está previsto na retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), anunciada pelo MDA desde março deste ano. Criado há 20 anos, o programa foi instituído para incentivar a agricultura familiar com a compra e distribuição de alimentos por órgãos públicos. Desta forma, há uma contribuição para estoques públicos de alimentos saudáveis para a população. A novidade no relançamento de sete meses atrás é a participação das Cozinhas Solidárias.
A noite desta segunda-feira também contou com a apresentação da Cnapo, que será responsável pela promoção da participação social no acompanhamento da execução, aprimoramento e monitoramento da Pnapo no próximo ano. No último dia 22 de setembro, através de edital e votação das organizações e movimentos inscritos, o colegiado com 44 inscritos foi definido.
A Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que é composta por movimentos populares de abrangência nacional, redes estaduais e regionais, além de centenas de grupos, associações e ONGs, participa da Cnapo pela terceira vez. A ANA será representada na comissão por Paulo Petersen e pela cientista social Sarah Luiza Moreira, do GT Mulheres e do Coletivo de Articulação Política da ANA.
“A retomada da Cnapo é uma grande conquista para nós que ajudamos a construir esse espaço. A sua recomposição, a partir do diálogo entre organizações do movimento agroecológico, mostra como seguimos articuladas/os mesmo nesses últimos seis anos de retrocesso e fechamento das instâncias de participação social”, diz Sarah Luiza Moreira.
Cookie | Duração | Descrição |
---|---|---|
cookielawinfo-checkbox-analytics | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics". |
cookielawinfo-checkbox-functional | 11 months | The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional". |
cookielawinfo-checkbox-necessary | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary". |
cookielawinfo-checkbox-others | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other. |
cookielawinfo-checkbox-performance | 11 months | This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance". |
viewed_cookie_policy | 11 months | The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data. |