31 de janeiro de 2023
Schirlei Alves e Adriano Vizoni
Folha de S. Paulo
Famílias pobres que vivem em comunidades isoladas no semiárido mineiro tiveram de pagar para serem beneficiadas pelo Programa de Cisternas do governo federal, cujo orçamento já incluía todas as despesas relacionadas.
O contrato, de R$ 15 milhões, previa a instalação de 3.012 cisternas em cinco municípios contemplados por um convênio firmado entre o Consórcio Inframinas, que reúne prefeituras da região, e o então Ministério da Cidadania, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
A partir do convênio, uma entidade privada sem fins lucrativos com sede em Alagoas, a Ceapa (Central das Associações de Agricultura Familiar), foi contratada para executar as obras. O convênio, porém, não previa contrapartida das famílias beneficiárias, uma vez que elas vivem em situação de vulnerabilidade social.
Enganados, os moradores disseram à reportagem que precisaram pedir dinheiro emprestado para bancar parte da construção das cisternas —tecnologia social que armazena água da chuva para consumo.
Algumas desistiram de participar do programa por causa da dificuldade financeira.
Após questionamento da reportagem na última semana, o ministério, rebatizado de Integração e Desenvolvimento Regional com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva no dia 1º, informou que, diante da gravidade do caso, iria suspender a entidade responsável pela cobrança.
A direção da Ceapa disse à Folha que cobrou a contrapartida dos moradores porque considerou inicialmente que as prefeituras iriam arcar com parte dos custos das obras. Como não houve essa contribuição, disse, se viu obrigada a pedir a participação dos beneficiários.
Após questionamentos, afirmou que passou a ressarcir os beneficiários.
Entre os moradores que tiveram que assumir os custos está o casal Eva Pereira Silva, 54, e Antônio Aguimar da Silva, 60, de Vertente, uma das comunidades isoladas de Coração de Jesus (a 450 km de Belo Horizonte), município contemplado pelo convênio.
Eles deixaram de investir R$ 870 que emprestaram do banco na plantação de capim e preparação do solo, tendo em vista a criação de animais, para acessar o Programa de Cisternas.
O dinheiro acabou sendo usado na compra de cinco metros de areia lavada e na contratação de um ajudante de pedreiro que pudesse abrir um buraco no solo —cujo espaço servirá para acomodar a cisterna de 16 mil litros.
Essa foi a condição estabelecida pelos representantes do convênio para que as famílias entrassem no programa.
Além de comprar a areia e, em alguns casos, complementar o material com alguns sacos de cimento, as famílias tiveram que trabalhar como ajudantes do pedreiro contratado pela empresa e fornecer a alimentação dele.
Quem não tivesse condições de fazer o serviço, por alguma questão de idade ou saúde, deveria pagar um servente.
Para economizar tempo e dinheiro, o casal Silva acabou pegando na enxada e ajudando a terminar a escavação. Quando a reportagem da Folha esteve na casa deles, em novembro passado, fazia quase quatro meses que eles haviam comprado a areia e pouco mais de um mês que haviam aberto o buraco.
Só que, até a publicação desta reportagem, a cisterna não havia sido construída e parte da areia já havia ido embora com a chuva.
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