8 de novembro de 2021
Fernanda Couzemenco
Século Diário | Vitória (ES)
“A minha comunidade é impactada pelo petróleo e pelo eucalipto. Eles impactam o território pra vender seus produtos. Secam rios, não deixam a biodiversidade crescer. O eucalipto não serve nem pros passarinhos comerem, não tem frutas. O petróleo está no subsolo e não é renovável. São dois produtos que matam pessoas. Mas eles [os grandes empresários desses setores] querem compensar a queima de petróleo com eucalipto. Isso não existe! É uma negociação, uma troca vergonhosa. É vergonhoso dizer que um impacto vai compensar o outro”.
A análise vem diretamente de Glasgow, na Escócia, onde é realizada, desde o dia 31 de outubro até o dia 12 de novembro, a 26° Conferência das Nações Unidas para a Mudança Climática (COP-26). E é enunciada por Katia Penha, liderança quilombola capixaba da comunidade de Divino Espírito Santo, localizada no Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte em São Mateus, norte do Estado, atual coordenadora nacional da Coordenação das Comunidades Quilombolas do Estado do Espírito Santo ‘Zacimba Gaba’ (CONAQ/ES), e uma das integrantes da delegação quilombola brasileira no evento.
Em entrevista por videoconferência à ONG Federação dos Órgãos da Assistência Social e Educacional (Fase), a líder quilombola ressaltou a importância dos quilombolas capixabas na proteção das águas e da segurança alimentar e a proposta que essa população tem para o clima mundial.
“Estamos aqui representando as 6,3 mil comunidades quilombolas do Brasil na COP-26, buscando participar das decisões que o Estado brasileiro tem vendido para a Europa e para o mundo”, enuncia, referindo-se ao quarteto que ela forma com outras três lideranças quilombolas brasileiras. Nas redes sociais, a Conaq se coloca como uma das mais de 250 organizações, movimentos sociais de base e pesquisadores que compõe a Coalização Negra por Direitos e integra o Movimento Negro Brasileiro presente na conferência mundial.
“Como quilombola que vive nessas zonas de sacrifício, a gente não pode falar que o eucalipto vai diminuir o que o petróleo impacta. E as pessoas? E as crianças, os mais velhos? Não adianta pensar o clima sem as pessoas e a biodiversidade. Aqui em Glasgow estão negociando recursos naturais em nome de pessoas”, aponta, tocando de fato num ponto central das negociações travadas entre os governos, as grandes empresas e as grandes ONGs ambientais do Brasil e, principalmente, do hemisfério norte do planeta, ponto também enaltecido pelo governador capixaba Renato Casagrande (PSB), que esteve durante uma semana na COP como presidente da Coalização dos Governadores pelo Clima (Consórcio Brasil Verde).
“Quer dizer que a Suzano pode plantar mais eucalipto porque ela tá fazendo bem pro clima? E a Petrobras pode perfurar mais poços porque ela tem plantação de eucalipto que reduz o impacto dela? É uma conta que não fecha, que vai dar sempre em mortes de quem está lá dentro dos territórios impactados. Pra onde vão as 32 comunidades do Sapê do Norte e dos outros cinco estados em que a Suzano planta eucalipto? Maranhão, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Bahia? Não vai ter mais regularização fundiária desses territórios porque o eucalipto faz bem pro clima? São tantas perguntas!”, questiona.
“A minha comunidade Divino Espírito Santo, trava uma luta de resistência. Nós moramos em ilhas e quanto a gente fala que a nossas divisões são os córregos, mesmo sendo os secos, e que alguns não existem mais, as nossas referências e os nossos marcos vão ser sempre aqueles córregos. Meu avô resistiu. Minha luta vem da minha ancestralidade, daqueles que perderam suas terras pela grilagem do próprio Estado”, expõe, ao abordar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, mas seguidamente desrespeitada, assim como o arcabouço constitucional e legal já estabelecido nesse sentido.
“A Convenção 169 é pra garantir a nossa escuta, se a gente quer ou não. É o direito de dizer ‘não, eu não quero isso!’. Mas é violado esse direito. Em licenciamento ambiental, por exemplo, não é respeitado”, afirma.
“A primeira violação que a gente sente, todos os quilombolas de todos os biomas, é a não regularização das nossas terras, não ter o nosso espaço com nossos modos de vida, assegurando as nossas roças do nosso jeito. A gente não quer fazer exportação grande de grãos. A gente quer alimentar o nosso povo, gerar renda, ter o desenvolvimento econômico a partir da soberania alimentar e da economia solidária. A gente quer as nossas terras pra produzir alimentos pros nossos e pros que foram expulsos”.
Especificamente ao governador capixaba, Katia faz um apelo: “A gente quer dizer que o governador do Espírito Santo precisa ouvir as comunidades quilombolas. Não negociar só com os grandes, se são os pequenos que estão sendo massacrados, impactados, violentados. Renato Casagrande precisa, antes de negociar em nome do Estado, em cima das nossas terras, dos territórios quilombolas, precisa descer pro quilombo e nos ouvir. Porque a gente também tem um plano para o clima e queria que ele trouxesse esse plano com o olhar quilombola aqui pra COP”.
Olhar, reforça, que olha o mundo e o clima a partir de uma perspectiva única. “Somos hoje 32 comunidades quilombolas no Sapê do Norte. As águas preservadas dessa região estão dentro dos nossos territórios. Somos nós que contribuímos com o clima e não os monocultivos de eucalipto”, posiciona, ressaltando que é preciso valorizar e fortalecer a agricultura familiar feita por camponeses, pequenos agricultores, quilombolas e indígenas, para que de fato se reduzam as emissões de carbono pelo país.
“Essa é a solução que a gente gostaria de colocar pra quem está negociando o Fundo Clima. Se você reduzir o plantio de eucalipto, exploração de petróleo e minério, reduzir construção de hidrelétrica, pensar o meio ambiente com pessoas, com certeza o clima iria melhorar. É preciso encontrar alternativas para o petróleo. A ciência e a tecnologia estão mostrando isso”, argumenta.
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