6 de dezembro de 2022
Mateus Quevedo
MPA Brasil | Brasília (DF)
No início de novembro o Movimento dos Pequenos Agricultores organizou um encontro com movimentos populares, institutos, articulações e pesquisadores para debater dois temas imprescindíveis para combater a fome e frear as mudanças climáticas: agroecologia e abastecimento popular. Organizado em formato de seminário, o encontro durou dois dias e serviu pra compreender o estado da arte da luta contra a fome no Brasil e das políticas públicas para a produção de alimentos desde a agricultura familiar camponesa.
No seminário, ocorreu a mesa ‘Fome no Brasil: trajetórias de lutas e políticas de combate e superação da fome’ teve a participação Maria Emília Pacheco, que apresentou um histórico das lutas populares contra a fome e as políticas públicas criadas para combatê-la. Ela estava como presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional quando Bolsonaro, como uma canetada, extinguiu todos os conselhos com participação da sociedade-civil. Vale salientar que importantes políticas públicas de combate à fome nos governos Lula e Dilma, tais como o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, o SISAN, tiveram origem nos debates e construções deste conselho.
Atualmente assessora da ONG Fase e do núcleo executivo da Articulação Nacional de Agroecologia, Maria Emília enfatizou que no Brasil há um histórico de lutas contra a fome, mesmo que elas não sejam registradas como tal. Segundo Pacheco, as políticas públicas de alimentação tiveram seu início nos anos 1940, quando se criou o Serviço Central de Alimentação para os industriários, coordenado por Josué de Castro. Esse centro se tornou o Serviço de Alimentação e Previdência, que é também a primeira política registrada de previdência.
Entre as demais políticas públicas citadas, uma das mais importantes é a que tem haver com a merenda escolar. Segundo Maria Emília a lei que garante alimentação para alunos durante o horário escolar é dos anos 1950 e é a única política social que não teve nenhuma interrupção no Brasil. Hoje chamada de Programa Nacional de Alimentação Escolar, o PNAE, ainda é motivo de mobilização social.
De 2020 para 2021, a fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos, subindo de 9,4%, em 2020, para 18,1%, como revela o inquérito da Rede Penssan, coordenado pelo professor Renato Maluf, que também participou do seminário, de forma virtual.
Acontece que o presidente Jair Bolsonaro vetou em agosto a emenda parlamentar à Lei de Diretrizes Orçamentárias que prevê o reajuste de 34% ao PNAE. Segundo as regras do PNAE, pelo menos 30% do total de recursos financeiros repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, o FNDE, para o PNAE deverão ser utilizados para aquisição de alimentos da agricultura familiar camponesa. Esses 34% do reajuste do PNAE representam 5,53 bilhões de reais para alimentação escolar. Isto não é nada se compararmos, por exemplo, aos 217 bilhões de reais que a Petrobras pagará aos seus acionistas neste último ano de governo Bolsonaro.
No atual quadro político, há o desafio de fortalecer a organização no campo e na cidade em defesa da alimentação como direito universal por meio da construção de políticas públicas e práticas organizativas centradas na agroecologia e no abastecimento popular como eixo fundamental para o combate e a superação da fome. Na compreensão de que estes são elementos capazes de elevar os trabalhadores urbanos, camponeses e populares e os seus territórios como sujeitos dotados de projeto político emancipador.
É com este intuito que o Seminário Agroecologia e Abastecimento Popular procurou entender como funciona o atual sistema de abastecimento de alimentos no Brasil e quais as possibilidades de garantir maior capacidade de organizar, produzir e alimentar o povo brasileiro. A segunda mesa da atividade que objetivava apontar elementos sobre um sistema de abastecimento popular de alimentos contou com a participação dos professores Newton Gomes (UNB) e Silvio Porto (UFRB e ex-presidente da Companhia Nacional de Abastecimento, a CONAB).
O professor Newton categorizou o sistema do varejo alimentar urbano em três círculos: a grande rede do comércio de rua, que são constituídos pelos ambulantes e as feiras livres, a rede capilar de varejo tradicional, que são os equipamentos familiares e aqueles de bairro e o grande varejo e os desertos e pântanos alimentares, construídos pelas grandes redes de supermercado. E último círculo se converteu no principal local de venda e transformou a comida em algo que já não é comida.
“O que o supermercado faz é induzir você por absoluta impossibilidade de acesso, induzir você a consumir uma comida barata, e a lógica todos nos conhecemos: a lógica da comida industrializada barata significa redução do custo de reprodução da força de trabalho, aumento da exploração e captura de mais valia relativa”, define o professor.
Segundo Gomes, é preciso garantir o abastecimento urbano e acertar ou melhorar o acesso das pessoas à comida de verdade, principalmente nas periferias. E os desafios para isto são muitos, a começar pela mobilidade urbana, o esforço de garantir que o campesinato tenha lucro com a produção de alimentos, de construção de estruturas de abastecimento com alimentos saudáveis e que sejam no sistema de atacado e de atacarejo e o fomento à agricultura urbana e periurbana, não só para o auto consumo, mas para ocupação e renda.
“O desafio que temos hoje é estabelecer uma disputa insana dentro do governo que vai chegar, precisamos radicalizar a democracia, e um dos passos é recuperando experiências pretéritas, se nós não agirmos agora a ação dos grandes supermercados, que são responsáveis pelos desertos alimentares, serão as proeminentes”, acrescenta.
O professor Silvio Porto vai no mesmo caminho. Desde o início da pandemia ele tem denunciando que as áreas plantadas de arroz, feijão e mandioca têm reduzido drasticamente em detrimento à produção de soja. Ele iniciou sua fala apresentando um aspecto fundamental para pensar a ações de políticas públicas, a informação. “Temos uma defasagem de informações muito grande, nós temos o censo demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) feito somente agora, está atrasado e de baixa qualidade, o escopo que está sendo levantado não é suficiente para entender a alimentação das pessoas”, denuncia.
O mesmo não acontece com as commodities, que tem precisão nos dados oficiais, tanto a produção como a exportação, ou então a importação, como é o caso do trigo. Porto observa que a situação no que se refere às políticas de abastecimento que o governo de Lula encontrará serão muito piores que em 2003. “Naquele período tínhamos três grandes multinacionais de supermercados, hoje temos somente duas, o Carrefour, que comprou o Walmart, e o grupo Casino, que tem poder sobre o Pão de Açúcar”, revela, o que gera mais controle por parte das multinacionais francesas. “Isto acentua a massificação do que será consumido, que vem da indústria alimentícia e não da agricultura camponesa”, pontua.
“Há uma projeção para 2030, a partir dos dados de projeção de população e pelo que o próprio MAPA projeta de que teremos uma queda de disponibilidade de arroz per capita de 52 kg para 27 kg do arroz, isto significa que o Brasil, neste ritmo, passará a ser importador líquido de arroz. É uma lógica do que quem manda é o mercado e estamos batendo 43 milhões de hectares para a soja. E disso 80% vai pra fora”, apresentou Porto.
Quando questionado sobre o papel que a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Silvio é enfático, está destroçada. “Ela foi, nestes últimos quatro anos, direcionada para ser apenas uma agência de informação”. Outra ponderação que o professor da UFRB faz é de que as CEASAS, as centrais de abastecimento devem superar o papel de ‘imobiliárias’ que exerceram neste momento, porque, segundo Silvio, elas têm um papel estratégico para garantir o abastecimento tanto no atacado e no varejo para a produção camponesa em cidades de grande porte.
Para as cidades médias e pequenas, Porto apontou as experiências dos mercados territoriais na região semiárida como uma excelente pista para pensar estruturas de abastecimento. Outra ênfase que ele coloca é a de que não tem como pensar o abastecimento de alimentos saudáveis na periferia, por exemplo, sem a participação das pessoas que vivem nelas.
Durante o Seminário ainda foram debatidos mais temas como os limites e possibilidades das políticas agrícolas durante os governos progressistas, a relação entre as mudanças climáticas e a necessidade de transição energética relacionadas com a produção de alimentos, ainda, a conquista de políticas públicas do PRONAF à transição agroecológica e as ações que geram organização para o poder popular, acompanhe a série de publicações no site do MPA Brasil
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